quarta-feira, 26 de abril de 2017

Voo atrasado

            Eu tinha tudo planejado, mas a companhia aérea não me ajuda. O aeroporto está um caos... Pelo jeito não é somente o meu voo que está atrasado. Isso nunca aconteceu comigo. Já peguei vôos com no máximo 30 minutos de atraso. Por isso sempre me organizo para esses possíveis 30 minutos. Estou sentado aqui nesse banco, pouco confortável, há uma hora. E ninguém sabe explicar nada. “É a chuva forte”, me disseram... Estou ansioso, tenho muita coisa pra fazer... Uma reunião importante na filial de São Paulo da empresa onde trabalho, encontros com uns tios que não vejo há muito tempo... Eu devia ter pegado esse voo ontem, mas meu amigo Daniel insistiu que eu saísse com ele e outros amigos. Eu devia ter planejado melhor. Vou chegar em cima da hora para a reunião. Justamente na reunião mais importante do ano... E ainda estou sob avaliação. Quero tanto aquela promoção, eu preciso. Estou a 10 anos naquela empresa, na área financeira. E agora a vaga de gerente está disponível. É uma grande oportunidade e um desafio também. Mas vou crescer muito profissionalmente. “Tirando a responsabilidade que aumenta, você já vai ter um horário de trabalho melhor. Porque esse seu horário te consome demais... Quase não podemos sair juntos. E me conta, há quando tempo você não sai com uma mulher? Você só trabalha. Credo.” Ontem o meu amigo insistente, Daniel, me falou isso e eu fiquei pensando... Ele tem razão. Não tenho vivido nada.
            As coisas tem sido bastantes corridas mesmo. Eu não tenho tido muito tempo. E não tenho feito esforço pra tirar um tempo só pra mim ou para encontrar outras pessoas. Mas eu estou focado na minha vida profissional, tenho ansiedade pelo crescimento. Por isso estou nervoso com esse atraso. Vou até mandar uma mensagem para um colega. A reunião é daqui a 4 horas, mas não sei quanto tempo ainda demora aqui, além disso, tenho que pegar um táxi do aeroporto até a filial... Enfim, tenho que prevenir. Olho para os lados e vejo várias pessoas na mesma situação que eu... Ah! Aquela moça ali não parece nervosa com o atraso. Ela sorri, está relaxada... Que sorriso! Estou meio abalado com a minha visão. Como ela pode estar tão tranquila? Como pode ser tão linda? Ela tem um brilho, alguma coisa além da beleza externa. Acho que estou carente, porque já estou criando mil ideias nessa minha cabeça. Não posso julgá-la sem conhecer... Mas ela é mesmo diferente... E está vindo em minha direção...

- Bom dia! Posso me sentar ao seu lado? Aqui está tão cheio e está uma bagunça... Passo por aqui duas vezes por semana e nunca tinha visto tão cheio. – Ela fala e eu me levanto, dando espaço para ela passar e se sentar ao meu lado. Ela tem uma voz tão doce, que me faz sorrir.

- Bom dia! Fique a vontade. – Eu digo.

- Eu te vi de longe e você é muito sério. Na verdade, todo mundo aqui está tão sério. Eu entendo e não entendo. Os vôos estão atrasados, isso é péssimo. Mas eu aproveitei esse atraso pra ter um tempo pra mim. Nos últimos meses eu não respiro. E eu odeio isso. Então eu tenho adorado os atrasos. É uma boa desculpa para relaxar. – Ela fala bastante, mas estou gostando. Acalmou-me. – Desculpa, estou te enchendo.

- Não. Como você mesma disse, até que o atraso não é totalmente ruim. Também estou precisando parar um pouco e relaxar. Qualquer dia fico louco. E você não disse qual é o seu nome. – Ela sorri enquanto falo e isso me deixa tão à vontade. Há muito tempo não vejo uma pessoa tão inspiradora e cheia de vida.

- Ah, verdade. Que desatenta que eu sou. Meu nome é Valentina. É um prazer conhecer você...

- Leonardo. É o meu nome. – Damos uma risada e ela aperta a minha mão. Sinto um arrepio com o seu toque. Que mulher intrigante. Que mulher linda...

            Ela sorri e encara a vida com muito positivismo. Ela faz jus ao nome. Ela é valente, é forte e doce. Uma pessoa extremamente encantadora. O que eu achava quando a vi de longe acaba de ser confirmado. Ela é muito mais que só uma pessoa externamente linda. Ela é muito mais... Estou ficando louco. Mas não consigo parar de prestar atenção nela. Não parei de sorrir desde que ela se sentou ao meu lado. E eu não costumo rir com frequência. Pra falar a verdade, só sorrio quando bebo um pouco mais. Costumo ser travado e não me abro para as pessoas. Acho que é por isso que estou há três anos solteiro. Ela conta muitas coisas sobre a vida dela e, por incrível que pareça, eu também conto coisas sobre mim, coisas que eu não falo nem com alguns amigos.

- Eu te entendo, Leonardo. Também estou há bastante tempo esperando ser reconhecida no meu trabalho. Continuo dando o melhor de mim, continuo tentando. Mas parei de deixar que essa ansiedade ocupe todo o meu pensamento. Não estava me fazendo bem. A vida é muito mais que trabalho. Claro que não tenho tido muito tempo pra mim. Mas sempre faço o possível pra dar uma fugida e respirar. Não quero me perder... – Ela tem razão, não posso me perder.

- Você está certa. Preciso relaxar...

            Algo me faz parar de falar e ela não dá sinal de que vai falar outra coisa. Parece que está pensando. Olho em seus olhos e enxergo um brilho, uma luz... Que lindos. Estou mesmo abalado com esses olhos, com esse sorriso. Ela despertou algo em mim, uma coisa que eu nem conhecia. Meu coração palpita e estou com medo de não vê-la nunca mais. Quero continuar conversando com ele, olhando pra ela...

- Parece que os vôos vão começar a decolar. Já pode ficar tranquilo. Você vai chegar a tempo para a reunião. – Ela pisca pra mim.

- Agora estou estranhamente tranquilo. Conversar com você ajudou. Obrigado.

- O prazer foi meu. Você é intenso. – O que ela quis dizer com intenso? Queria perguntar.

- Sério e intenso? Já são dois adjetivos. – Ela dá uma gargalhada. Nunca tinha escutado uma gargalhada tão gostosa.

- Meio sério. Consegui alguns sorrisos e então seu caso não está totalmente perdido. – Queria dizer algumas coisas pra ela. Queria mais tempo com ela. Se eu pudesse a convidaria pra trocar o voo e sair por aí comigo. Mas não sou assim e não posso. – Foi muito bom te conhecer, mas agora vou ali saber do meu voo. – Eu me levanto para deixá-la passar.

- Obrigado pela conversa, me fez muito bem.

            Ela me dá um beijo no rosto e vai embora. Não acredito que não consegui falar mais nada. Não acredito que nosso encontro acabou assim. Recebi uma mensagem do meu colega e parece que está tudo tranquilo lá na filial. Vai dar tempo. Já a perdi de vista. Queria mais tempo... Estão chamando o meu vôo. Agora vou voltar a focar no trabalho... Não acredito que eu não pedi nem o telefone dela. Sou muito burro. Pelo menos tenho uma coisa muito melhor pra pensar, pra me fazer relaxar...
            Sou o primeiro a entrar no avião e sento-me na poltrona da janela. Gosto de admirar o céu, me tranquiliza. Um senhor se senta na poltrona do corredor e eu o cumprimento. Ele parece estressado. Faz sentido, depois desse atraso. Se eu não tivesse encontrado a Valentina também estaria assim. Sorrio só de pensar nela. Mas aqueles olhos, aquela boca, aquela doçura e força de viver...

- Com licença, senhor. Quase entrei no avião errado. – Conheço essa voz. É ela. O senhor da poltrona do corredor sorri e eu o entendo. É impossível não sorrir quando ela está perto.

- Você? – Ela não tinha me visto. Senta-se na poltrona do meio e dá uma curta gargalhada, balançando a cabeça.

- Nós ficamos um tempão conversando e não falamos do voo. É bom sentar ao lado de alguém quase conhecido. – Sorrio. – Bom que agora você vai poder fazer uma coisa que ainda não fez.

- O quê? – Penso em várias coisas, mas não sou corajoso pra arriscar uma.

- Pedir o número do meu telefone. Eu gostei de você e acho que você gostou de mim, cara meio sério. – O senhor da poltrona do lado dá uma gargalhada. Ele estava escutando a nossa conversa. Ela percebe e olha pra ele. – Estou certa, senhor. As coisas têm que ser mais certas agora. Ele não pode perder uma segunda oportunidade. – Ela fala com ele.

- Por que você não fez isso na primeira oportunidade? – Ele me pergunta.


- Sinceramente não sei explicar. Mas não vou perder a segunda. Não é todo dia que esbarro com alguém como ela. – Ele balança a cabeça concordando comigo. – Valentina, qual o seu número? 

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