Voo atrasado
Eu tinha tudo
planejado, mas a companhia aérea não me ajuda. O aeroporto está um caos... Pelo
jeito não é somente o meu voo que está atrasado. Isso nunca aconteceu comigo.
Já peguei vôos com no máximo 30 minutos de atraso. Por isso sempre me organizo
para esses possíveis 30 minutos. Estou sentado aqui nesse banco, pouco
confortável, há uma hora. E ninguém sabe explicar nada. “É a chuva forte”, me
disseram... Estou ansioso, tenho muita coisa pra fazer... Uma reunião
importante na filial de São Paulo da empresa onde trabalho, encontros com uns
tios que não vejo há muito tempo... Eu devia ter pegado esse voo ontem, mas meu
amigo Daniel insistiu que eu saísse com ele e outros amigos. Eu devia ter
planejado melhor. Vou chegar em cima da hora para a reunião. Justamente na
reunião mais importante do ano... E ainda estou sob avaliação. Quero tanto
aquela promoção, eu preciso. Estou a 10 anos naquela empresa, na área
financeira. E agora a vaga de gerente está disponível. É uma grande
oportunidade e um desafio também. Mas vou crescer muito profissionalmente. “Tirando
a responsabilidade que aumenta, você já vai ter um horário de trabalho melhor.
Porque esse seu horário te consome demais... Quase não podemos sair juntos. E
me conta, há quando tempo você não sai com uma mulher? Você só trabalha. Credo.”
Ontem o meu amigo insistente, Daniel, me falou isso e eu fiquei pensando... Ele
tem razão. Não tenho vivido nada.
As coisas tem sido bastantes
corridas mesmo. Eu não tenho tido muito tempo. E não tenho feito esforço pra
tirar um tempo só pra mim ou para encontrar outras pessoas. Mas eu estou focado
na minha vida profissional, tenho ansiedade pelo crescimento. Por isso estou
nervoso com esse atraso. Vou até mandar uma mensagem para um colega. A reunião
é daqui a 4 horas, mas não sei quanto tempo ainda demora aqui, além disso,
tenho que pegar um táxi do aeroporto até a filial... Enfim, tenho que prevenir.
Olho para os lados e vejo várias pessoas na mesma situação que eu... Ah! Aquela
moça ali não parece nervosa com o atraso. Ela sorri, está relaxada... Que
sorriso! Estou meio abalado com a minha visão. Como ela pode estar tão
tranquila? Como pode ser tão linda? Ela tem um brilho, alguma coisa além da
beleza externa. Acho que estou carente, porque já estou criando mil ideias
nessa minha cabeça. Não posso julgá-la sem conhecer... Mas ela é mesmo
diferente... E está vindo em minha direção...
-
Bom dia! Posso me sentar ao seu lado? Aqui está tão cheio e está uma bagunça...
Passo por aqui duas vezes por semana e nunca tinha visto tão cheio. – Ela fala
e eu me levanto, dando espaço para ela passar e se sentar ao meu lado. Ela tem
uma voz tão doce, que me faz sorrir.
-
Bom dia! Fique a vontade. – Eu digo.
-
Eu te vi de longe e você é muito sério. Na verdade, todo mundo aqui está tão
sério. Eu entendo e não entendo. Os vôos estão atrasados, isso é péssimo. Mas
eu aproveitei esse atraso pra ter um tempo pra mim. Nos últimos meses eu não
respiro. E eu odeio isso. Então eu tenho adorado os atrasos. É uma boa desculpa
para relaxar. – Ela fala bastante, mas estou gostando. Acalmou-me. – Desculpa,
estou te enchendo.
-
Não. Como você mesma disse, até que o atraso não é totalmente ruim. Também
estou precisando parar um pouco e relaxar. Qualquer dia fico louco. E você não
disse qual é o seu nome. – Ela sorri enquanto falo e isso me deixa tão à
vontade. Há muito tempo não vejo uma pessoa tão inspiradora e cheia de vida.
-
Ah, verdade. Que desatenta que eu sou. Meu nome é Valentina. É um prazer
conhecer você...
-
Leonardo. É o meu nome. – Damos uma risada e ela aperta a minha mão. Sinto um
arrepio com o seu toque. Que mulher intrigante. Que mulher linda...
Ela sorri e encara a vida com muito
positivismo. Ela faz jus ao nome. Ela é valente, é forte e doce. Uma pessoa
extremamente encantadora. O que eu achava quando a vi de longe acaba de ser
confirmado. Ela é muito mais que só uma pessoa externamente linda. Ela é muito
mais... Estou ficando louco. Mas não consigo parar de prestar atenção nela. Não
parei de sorrir desde que ela se sentou ao meu lado. E eu não costumo rir com
frequência. Pra falar a verdade, só sorrio quando bebo um pouco mais. Costumo
ser travado e não me abro para as pessoas. Acho que é por isso que estou há três
anos solteiro. Ela conta muitas coisas sobre a vida dela e, por incrível que
pareça, eu também conto coisas sobre mim, coisas que eu não falo nem com alguns
amigos.
-
Eu te entendo, Leonardo. Também estou há bastante tempo esperando ser
reconhecida no meu trabalho. Continuo dando o melhor de mim, continuo tentando.
Mas parei de deixar que essa ansiedade ocupe todo o meu pensamento. Não estava
me fazendo bem. A vida é muito mais que trabalho. Claro que não tenho tido
muito tempo pra mim. Mas sempre faço o possível pra dar uma fugida e respirar.
Não quero me perder... – Ela tem razão, não posso me perder.
-
Você está certa. Preciso relaxar...
Algo me faz parar de falar e ela não
dá sinal de que vai falar outra coisa. Parece que está pensando. Olho em seus
olhos e enxergo um brilho, uma luz... Que lindos. Estou mesmo abalado com esses
olhos, com esse sorriso. Ela despertou algo em mim, uma coisa que eu nem
conhecia. Meu coração palpita e estou com medo de não vê-la nunca mais. Quero
continuar conversando com ele, olhando pra ela...
-
Parece que os vôos vão começar a decolar. Já pode ficar tranquilo. Você vai
chegar a tempo para a reunião. – Ela pisca pra mim.
-
Agora estou estranhamente tranquilo. Conversar com você ajudou. Obrigado.
-
O prazer foi meu. Você é intenso. – O que ela quis dizer com intenso? Queria
perguntar.
-
Sério e intenso? Já são dois adjetivos. – Ela dá uma gargalhada. Nunca tinha
escutado uma gargalhada tão gostosa.
-
Meio sério. Consegui alguns sorrisos e então seu caso não está totalmente
perdido. – Queria dizer algumas coisas pra ela. Queria mais tempo com ela. Se
eu pudesse a convidaria pra trocar o voo e sair por aí comigo. Mas não sou
assim e não posso. – Foi muito bom te conhecer, mas agora vou ali saber do meu
voo. – Eu me levanto para deixá-la passar.
-
Obrigado pela conversa, me fez muito bem.
Ela me dá um beijo no rosto e vai
embora. Não acredito que não consegui falar mais nada. Não acredito que nosso
encontro acabou assim. Recebi uma mensagem do meu colega e parece que está tudo
tranquilo lá na filial. Vai dar tempo. Já a perdi de vista. Queria mais
tempo... Estão chamando o meu vôo. Agora vou voltar a focar no trabalho... Não
acredito que eu não pedi nem o telefone dela. Sou muito burro. Pelo menos tenho
uma coisa muito melhor pra pensar, pra me fazer relaxar...
Sou o primeiro a entrar no avião e
sento-me na poltrona da janela. Gosto de admirar o céu, me tranquiliza. Um
senhor se senta na poltrona do corredor e eu o cumprimento. Ele parece
estressado. Faz sentido, depois desse atraso. Se eu não tivesse encontrado a
Valentina também estaria assim. Sorrio só de pensar nela. Mas aqueles olhos,
aquela boca, aquela doçura e força de viver...
-
Com licença, senhor. Quase entrei no avião errado. – Conheço essa voz. É ela. O
senhor da poltrona do corredor sorri e eu o entendo. É impossível não sorrir
quando ela está perto.
-
Você? – Ela não tinha me visto. Senta-se na poltrona do meio e dá uma curta
gargalhada, balançando a cabeça.
-
Nós ficamos um tempão conversando e não falamos do voo. É bom sentar ao lado de
alguém quase conhecido. – Sorrio. – Bom que agora você vai poder fazer uma
coisa que ainda não fez.
-
O quê? – Penso em várias coisas, mas não sou corajoso pra arriscar uma.
-
Pedir o número do meu telefone. Eu gostei de você e acho que você gostou de
mim, cara meio sério. – O senhor da poltrona do lado dá uma gargalhada. Ele
estava escutando a nossa conversa. Ela percebe e olha pra ele. – Estou certa,
senhor. As coisas têm que ser mais certas agora. Ele não pode perder uma
segunda oportunidade. – Ela fala com ele.
-
Por que você não fez isso na primeira oportunidade? – Ele me pergunta.
-
Sinceramente não sei explicar. Mas não vou perder a segunda. Não é todo dia que
esbarro com alguém como ela. – Ele balança a cabeça concordando comigo. –
Valentina, qual o seu número?
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