quinta-feira, 20 de abril de 2017

Uma escolha do coração

Hoje é um dia muito especial, é o dia do casamento da minha menininha. Olho para Clara deslumbrante em seu vestido de noiva e muitas coisas me vem à cabeça, coisas boas e ruins. Parece que foi ontem que esse presente maravilhoso chegou a minha casa, mas na verdade já fazem 18 anos.
Começo a me recordar de quando a encontramos. Eu havia perdido um filho há três anos, e depois de muitas terapias para aceitar que não poderia mais gerar um filho em meu ventre, comecei a pensar na possibilidade de adotar uma criança. Carlos, meu amado marido e fiel companheiro, sempre me apoiou e me ajudou a superar nossa perda. Começamos a visitar alguns abrigos para encontrarmos uma criança que fosse do jeito que queríamos. Visitamos diversos, mas foi apenas no sétimos abrigo que encontramos o nosso anjinho. Tínhamos um padrão estabelecido para a criança escolhida, queríamos que fosse fisicamente parecida com nós, para evitarmos perguntas desnecessárias. Mas quando olhei para aquela linda menina de pele chocolate e cabelos de molinhas tive a certeza que aquele perfil antes definido não seria o do nosso filho.
A garotinha estava sentada em um cantinho do quintal com um livrinho de histórias na mão, e se encolheu quando me aproximei. Bastaram algumas poucas palavras para que ela confiasse em mim e começasse a conversar. Falou-me que se chamava Clara e que tinha seis anos. Disse também que seus pais haviam ido morar com o papai do céu e que desde então ela morava ali. A cada palavra dela meu coração se derretia ainda mais. A apresentei a Carlos e vi nos olhos do meu marido o mesmo fascínio que estavam nos meus.
Depois de conversarmos em casa decidimos que ela seria nossa filha. Não foi fácil! Tivemos que enfrentar o preconceito que está enraizado na sociedade. As pessoas a nossa volta não conseguiam aceitar que um casal branco seriam pais de uma criança negra. Minha sogra era a mais difícil de todas, insistia que devíamos adotar uma criança branca como nós, pois assim todos acreditariam que era nosso filho biológico. Mas nós estávamos firme em nossa decisão e dizíamos a ela que adotaríamos aquela que havia tocado nosso coração, aquela que desde o primeiro olhar me fizera ter vontade de pegá-la no colo e levá-la para casa.
Quando Clara chegou em casa ficou fascinada com seu novo lar. Preparamos um lindo quarto para ela, branco e rosa, cheio de bonecas. Sua adaptação não foi difícil, depois de seis meses que estava morando conosco parecia que passara a vida toda ali. Desde o início conversei com ela a respeito de coleguinhas que falariam coisas feias a respeito dela por causa da sua cor e do seu cabelo. Dizia a ela que infelizmente existiam papais malvados que não ensinavam seus filhos a respeitar o próximo. Mas que apesar dos comentários feios dos coleguinhas, ela deveriam se amar do jeitinho que ela era. Que seu cabelinho era diferente da maior parte dos amiguinhos da escola, mas que era lindo assim como os deles. Assim minha menininha já foi crescendo sabendo bater de frente com o preconceito e tendo orgulho de sua raça.
Minha princesinha foi crescendo, cada dia mais linda e inteligente. Aos 12 anos falava inglês e espanhol, tocava saxofone e era uma excelente bailarina. Aos 17 anos foi aprovada no vestibular de dança, pois escolhera que dedicaria sua vida profissional a aquilo que mais gostava de fazer, dançar. Muitos criticavam a escolha dela, mas eu sabia que ela seria perfeita em qualquer área que escolhesse. No meio do curso ela foi convidada a cursar dois anos em uma universidade francesa, e claro que Carlos e eu a acompanhamos. Foi lá que ela conheceu Allyson, seu noivo e daqui a algumas horas marido.
Sou tão grata a Deus pela filha que ele me deu. Pela escolha do meu coração. Nunca tive um filho biológico, mas com Clara em minha vida nunca me fizeram falta. Quando eu soube que não poderia ter filhos gerados em meu ventre e as pessoas começaram a falar para eu adotar, achava que nunca amaria um filho adotivo como amaria um que saiu de dentro de mim. Mas eu estava completamente enganada. Meu amor por minha filha é incondicional, e ela e Carlos são tudo de mais precioso que tenho na vida. Sei que daqui a pouco, daqui a alguns anos, esse amor será estendido para meus netos. Ah, como sonho com eles! Muitas crianças enchendo minha casa de alegria.
“Heloísa”, meu marido me chama e sorrio para ele. Como estou feliz! “Já está na hora de levarmos nossa menina para a igreja”, diz segurando a mão de nossa filha. Caminhamos todos para o carro e partimos para o local do casamento. Estou tão emocionada, desse jeito minha maquiagem não vai durar. Passo a cerimônia toda chorando, mas são lágrimas de felicidade. Felicidades por saber que cumpri bem meu papel de mãe, que dei amor e um lar a alguém que estava sozinha no mundo, e que hoje é uma linda mulher. 

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