Uma
escolha do coração
Hoje
é um dia muito especial, é o dia do casamento da minha menininha. Olho para
Clara deslumbrante em seu vestido de noiva e muitas coisas me vem à cabeça,
coisas boas e ruins. Parece que foi ontem que esse presente maravilhoso chegou a
minha casa, mas na verdade já fazem 18 anos.
Começo
a me recordar de quando a encontramos. Eu havia perdido um filho há três anos,
e depois de muitas terapias para aceitar que não poderia mais gerar um filho em
meu ventre, comecei a pensar na possibilidade de adotar uma criança. Carlos,
meu amado marido e fiel companheiro, sempre me apoiou e me ajudou a superar
nossa perda. Começamos a visitar alguns abrigos para encontrarmos uma criança
que fosse do jeito que queríamos. Visitamos diversos, mas foi apenas no sétimos
abrigo que encontramos o nosso anjinho. Tínhamos um padrão estabelecido para a
criança escolhida, queríamos que fosse fisicamente parecida com nós, para
evitarmos perguntas desnecessárias. Mas quando olhei para aquela linda menina
de pele chocolate e cabelos de molinhas tive a certeza que aquele perfil antes
definido não seria o do nosso filho.
A
garotinha estava sentada em um cantinho do quintal com um livrinho de histórias
na mão, e se encolheu quando me aproximei. Bastaram algumas poucas palavras
para que ela confiasse em mim e começasse a conversar. Falou-me que se chamava
Clara e que tinha seis anos. Disse também que seus pais haviam ido morar com o
papai do céu e que desde então ela morava ali. A cada palavra dela meu coração
se derretia ainda mais. A apresentei a Carlos e vi nos olhos do meu marido o
mesmo fascínio que estavam nos meus.
Depois
de conversarmos em casa decidimos que ela seria nossa filha. Não foi fácil!
Tivemos que enfrentar o preconceito que está enraizado na sociedade. As pessoas
a nossa volta não conseguiam aceitar que um casal branco seriam pais de uma
criança negra. Minha sogra era a mais difícil de todas, insistia que devíamos
adotar uma criança branca como nós, pois assim todos acreditariam que era nosso
filho biológico. Mas nós estávamos firme em nossa decisão e dizíamos a ela que
adotaríamos aquela que havia tocado nosso coração, aquela que desde o primeiro
olhar me fizera ter vontade de pegá-la no colo e levá-la para casa.
Quando
Clara chegou em casa ficou fascinada com seu novo lar. Preparamos um lindo
quarto para ela, branco e rosa, cheio de bonecas. Sua adaptação não foi
difícil, depois de seis meses que estava morando conosco parecia que passara a
vida toda ali. Desde o início conversei com ela a respeito de coleguinhas que
falariam coisas feias a respeito dela por causa da sua cor e do seu cabelo.
Dizia a ela que infelizmente existiam papais malvados que não ensinavam seus
filhos a respeitar o próximo. Mas que apesar dos comentários feios dos
coleguinhas, ela deveriam se amar do jeitinho que ela era. Que seu cabelinho
era diferente da maior parte dos amiguinhos da escola, mas que era lindo assim
como os deles. Assim minha menininha já foi crescendo sabendo bater de frente
com o preconceito e tendo orgulho de sua raça.
Minha
princesinha foi crescendo, cada dia mais linda e inteligente. Aos 12 anos
falava inglês e espanhol, tocava saxofone e era uma excelente bailarina. Aos 17
anos foi aprovada no vestibular de dança, pois escolhera que dedicaria sua vida
profissional a aquilo que mais gostava de fazer, dançar. Muitos criticavam a
escolha dela, mas eu sabia que ela seria perfeita em qualquer área que escolhesse.
No meio do curso ela foi convidada a cursar dois anos em uma universidade
francesa, e claro que Carlos e eu a acompanhamos. Foi lá que ela conheceu
Allyson, seu noivo e daqui a algumas horas marido.
Sou
tão grata a Deus pela filha que ele me deu. Pela escolha do meu coração. Nunca tive um filho biológico, mas
com Clara em minha vida nunca me fizeram falta. Quando eu soube que não poderia
ter filhos gerados em meu ventre e as pessoas começaram a falar para eu adotar,
achava que nunca amaria um filho adotivo como amaria um que saiu de dentro de
mim. Mas eu estava completamente enganada. Meu amor por minha filha é
incondicional, e ela e Carlos são tudo de mais precioso que tenho na vida. Sei
que daqui a pouco, daqui a alguns anos, esse amor será estendido para meus
netos. Ah, como sonho com eles! Muitas crianças enchendo minha casa de alegria.
“Heloísa”,
meu marido me chama e sorrio para ele. Como estou feliz! “Já está na hora de
levarmos nossa menina para a igreja”, diz segurando a mão de nossa filha.
Caminhamos todos para o carro e partimos para o local do casamento. Estou tão
emocionada, desse jeito minha maquiagem não vai durar. Passo a cerimônia toda
chorando, mas são lágrimas de felicidade. Felicidades por saber que cumpri bem
meu papel de mãe, que dei amor e um lar a alguém que estava sozinha no mundo, e
que hoje é uma linda mulher.
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