domingo, 16 de abril de 2017

Desde o primeiro sorriso

A minha história de amor começou quando eu tinha apenas seis anos. Eu não conhecia meu pai, e nem sabia que tinha um, pois minha mãe evitava falar dele, sempre inventando desculpas rasas. Um certo dia ela acordou e disse “Vamos para o Rio de Janeiro conhecer o seu pai”. Vi que ela preparou duas malas enormes com coisas minhas e apenas uma pequena mala para ela. Eu nem imaginava o que estava por vir adiante. Embarcamos e quando chegamos a uma casa maravilhosa, que minha mãe dizia ser do meu pai, fomos recebidos por uma linda mulher grávida. A princípio ela nos olhou assustada, mas nos convidou a entrar e sentar. Meia hora depois chegou um homem que minha mãe simplesmente olhou pra ele e disse “Filipe, esse é seu filho Lucas, vou fazer uma longa viagem e a partir de agora ele é sua responsabilidade”. Naquele momento não sei quem ficou mais assustado: eu, o estranho ou a mulher bonita. Minha mãe e o homem conversaram e logo depois ela me deu um beijo e foi embora.
A mulher bonita e o cara ficaram me olhando assustados, ela resmungava algumas coisas para ele, e eu simplesmente chorava. Eu queria a minha mãe. Queria sair da casa daqueles estranhos. Foi então que uma linda garotinha loirinha, de expressivos olhos castanhos e um pouquinho menor que eu apareceu na sala. Ao contrário dos outros dois, ela me olhou e sorriu. Foi o sorriso mais lindo que eu recebi até então. Aquele sorriso ficaria marcado na minha memória para sempre. Não demorou muito para que fossemos brincar e minha tristeza se abrandar um pouco.
Quando enfim minha guarda estava oficializada ao meu pai, percebi que ali seria minha casa, que eu não ficaria mais com minha mãe. Mas não seria tão ruim, pois ali eu teria uma família de verdade, inclusive eu já tinha um irmãozinho a caminho. Minha adaptação inicial não foi fácil, eu chorava a todo instante querendo minha mãe. A moça bonita que me atendeu quando cheguei era Caroline, a esposa do meu pai, que depois de um tempo virou minha mãe, pois eu aprendi a amá-la como se houvesse saído do ventre dela, e ela me amou como filho. E a linda garotinha era Gabrielle, a filha da minha madrasta, e que futuramente seria a grande paixão da minha vida, que me viraria do avesso. Todos os meus familiares gostaram de mim, exceto meu primo Gabriel, que tinha a minha idade e se dizia namoradinho de Gaby. Além de tudo ele era o afilhado queridinho de Carol. Nem preciso dizer que não fui com a cara dele.
O tempo foi passando, e à medida que crescíamos meus sentimentos por Gaby floresciam. E o pior é que eu tinha que aguentar ouvir ela me chamar de irmão, me tratar como um. Era que isso que éramos, uma família. Meu coração se negava a aceitar que ela era minha irmã. Tive que calar meus sentimentos e seguir adiante, sendo o irmão mais velho dela. O irmão superprotetor. Quando eu tinha 16 anos veio a primeira ferida no meu coração causada por ela: Gabrielle e Gabriel começaram a namorar, com a permissão de nossos pais. Tinha que tolerar aquele idiota dentro da minha casa o tempo todo, trocando beijos e carinhos com a minha garota. O pior é que eu tinha que fingir estar feliz por minha “irmãzinha”. Mais uma vez sufoquei meus sentimentos e segui adiante. Toda vez que eles brigavam ela vinha chorar no meu colo, e eu tinha que consolá-la, conforme um irmão faria. Quando sentávamos para ver um filme juntos eu morria de vontade de acariciar seu rosto, beijá-la, dizer o quanto eu a achava linda, mas simplesmente tinha que me controlar e comportar-me como um irmão.
Dois anos se passaram e o namoro do meu “casalzinho preferido” ia ficando cada vez mais sério, ela cada vez mais apaixonada. Tudo parecia conspirar contra mim, até que um belo dia, na verdade um maravilhoso dia, Gabriel resolveu pedir um tempo a ela, segundo ele estava se sentindo sufocado. Fiquei com muita pena dela, a pobrezinha estava arrasada, mas no fundo eu estava radiante, aquela poderia ser minha chance de conquistá-la.
Estávamos a meses do vestibular, e costumávamos estudar juntos todas as tardes. Eu já havia notado que estava rolando certo clima entre nós nos últimos dias. Ela me olhava com mais atenção, parecia até ficar nervosa na minha presença. Em um dos dias de estudo quase nos beijamos, mas ela recuou. Um dia, enquanto estudávamos em meu quarto, decidi que era hora de abrir meu coração pra ela, que não podia mais esconder meus sentimentos. Disse a ela que precisávamos conversar. Ela se sentou na bancada de estudos e eu fiquei de pé em frente a ela. Peguei suas mãos, olhei nos olhos dela e soltei a bomba “Gaby, sei que pode parecer loucura, mas eu amo você. Amo desde a primeira vez que a vi, quando éramos apenas duas crianças”. Ela ficou surpresa. Aproveitei o momento e a beijei. Foi um beijo com tanta vontade, com tanta paixão, eu sentia que precisava demonstrar naquele beijo tudo que eu sentia por ela. Era um beijo que estava entalado há anos. No início ela ficou surpresa, mas acabou correspondendo o beijo na mesma intensidade. Ela confessou que também sentia algo por mim, não sabia definir ao certo o que era, mas não era simplesmente um carinho de irmãos. Começamos a nos relacionar escondido dos nossos pais, não era um namoro, mas eu sabia que futuramente viraria.
Infelizmente não durou muito. Dias depois Gabriel se arrependeu de sua decisão e pediu a ela para retomarem o namoro. Tola e apaixonada como era acabou aceitando. Foi a segunda vez que meu coração foi dilacerado por ela. Dois meses depois, após ela ter se entregado a ele, ele terminou em definitivo com ela. O estado dela era lastimável, só chorava. Demorou para ela entender que realmente havia acabado, e que precisava esquecê-lo e seguir em frente. Felizmente fomos aceitos em uma universidade dos EUA, e isso encheu a vida dela de alegria novamente. Ela mergulhou de cabeça nos preparativos da mudança, e evitava encontrá-lo.
Naturalmente fomos nos aproximando, e quando estávamos prestes a ir para o EUA assumimos nosso relacionamento para nossos pais. No início foi difícil para eles aceitarem, mas ao ver nossa felicidade eles amoleceram. Mudamos-nos para solo americano e fomos morar juntos. Pouco a pouco fui conquistando-a, e meses depois ela estava perdidamente apaixonada por mim. Quanto mais o tempo passava, melhor nosso relacionamento ficava. Eu fazia todas as vontades dela, a enchia de amor e carinho. Tentava de todas as maneiras demonstrar o quanto a amava, desde presentes a gestos e atitudes românticas. Ela era o centro do meu mundo. Era incrível como combinávamos. Raramente brigávamos, e quando isso acontecia só apimentava nossa relação. Nossos gostos eram tão parecidos. Ambos gostávamos de viajar e tínhamos o desejo de conhecer o mundo todo. Nossas férias eram divididas em um mês no Brasil com nossos pais e um mês viajando por algum lugar do planeta. Por dois anos consegui evitar que em nossas idas para o Rio ela encontrasse Gabriel. Mas o inevitável aconteceu. Sei que ele ficou encantado ao vê-la, e tentou beijá-la, mas minha garota resistiu bravamente.
Os anos seguintes foram ainda melhores. Cada dia eu tinha mais certeza de que ela me amava. Planejávamos o futuro, depois da formatura nos casaríamos e continuaríamos morando no EUA. Já até pensávamos nos nossos filhos. Às vezes tudo parecia um sonho, um sonho que eu não queria acordar. À medida que minha formatura ia se aproximando comecei a planejar nossos próximos passos. Eu sabia que seu maior desejo era fazer uma volta ao mundo por um ano, por isso planejei uma surpresa pra ela. Iríamos passar o natal e o ano novo com nossos pais no Brasil, e logo depois partiríamos pelo mundo por 365 dias, exatamente como ela desejava. Em algum lugar mágico e romântico eu a pediria em casamento, e quando voltássemos para casa marcaríamos o casamento. Depois eu começaria minha especialização em neurocirurgia e ela começaria a carreira dela na área de literatura inglesa. Seria tudo perfeito!
Tudo teria sido perfeito, se não tivéssemos ido para o Brasil. Ela estava muito mudada, agora era uma mulher, uma mulher muito linda, confiante de si, que ganhava olhares masculinos por onde passava. E claro que ela não passou despercebida aos olhos de Gabriel, do ogro que a ferira anos antes. Ele também havia mudado, agora era um homem, não digo que ele era bonito, mas pela expressão de Gaby quando o viu pude perceber que ela achava que ele estava lindo. Quando um olhou para o outro vi pela troca de olhares entre eles que aquele sentimento que estava adormecido há anos estava acordando. Eu sei que ela tentou resistir, tentou convencer a si mesma que era apenas uma recaída depois de tanto sem vê-lo, mas não foi forte o suficiente para não sucumbir quando ele disse que a amava e que lutaria por ela. Infelizmente meu sonho acabou.
Meu mundo desabou quando ela me disse “Lucas, eu amo você, nós vivemos uma história de amor incrível, você é muito especial, mas o grande amor da minha vida é ele”. O meu sonho terminava ali. Foi difícil aceitar que ela estava trocando eu, que a amava incondicionalmente, que a tratava como uma princesa, que estava disposto a tudo para realizar seus sonhos, por um ogro que não era capaz de abrir mão de seus objetivos para concretizar os dela, um idiota que a usara e depois descartara como se fosse um objeto. Por um bom tempo achei que ela recobraria a consciência e viria ao meu encontro, mas isso nunca aconteceu. Demorei muito tempo, anos na verdade, para conseguir arrancá-la do meu coração e me abrir novamente ao amor.


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