quinta-feira, 6 de abril de 2017

A intrusa

Você já se sentiu como se estivesse deslocada e incomodasse alguém? É assim que eu tenho me sentido há três meses. Isso é tão estranho, tão desconfortável. A minha vontade é de sair correndo e me isolar. Sozinha, apenas incomodando a mim mesma. Mas não consigo fazer isso. Eu já me acostumei... Tenho medo da solidão. Tenho medo do que virar depois se eu desistir de tudo e fugir. Mas ao mesmo tempo, não aguento mais. Estou sufocada. Poderia gritar tão alto que a cidade inteira me escutaria. Ah, eu poderia fazer isso sim. Olho para o lado. Lindo, moreno, sedutor, sorriso fatal. Pisca pra mim e depois volta os olhos para a tela do notebook. MU-RI-LO. Pronuncio as sílabas do nome dele em minha mente. Meu namorado. Meu concentrado namorado.
Murilo e eu nos conhecemos através do meu primo, Fernando. Nos apaixonamos de imediato. Não demorou muito e ele me pediu em namoro. Três encontros. Parecia pouco tempo para algumas pessoas. Mas para nós foi o tempo suficiente pra sabermos que queríamos a companhia um do outro. Uma paixão envolvente, uma relação intensa. A cada dia que passava nos sentíamos mais e mais apaixonados. Contei sobre toda a minha vida pra ele, porque eu me sentia a vontade. E ele me contou tudo sobre a vida dele. Continuamos apaixonados, mas aí também surgiu o amor. O sentimento que nos mantinha conectados. Estava tudo perfeito. Éramos um exemplo de casal. Ainda somos para os outros que não nos conhecem intimamente. São três anos de namoro com o Murilo. Três memoráveis anos.
Brigas? Algumas. Brigávamos como grande parte dos casais briga. Por ciúmes e algumas besteiras. No início ele era tão ciumento que eu cheguei a dizer que iria terminar. Depois ele disse que iria mudar e conseguiu. Ainda era ciumento, mas mais controlado. Dava pra aguentar, até porque eu também era ciumenta. No começo também a relação dele com meus pais foi difícil. Não havia motivo nenhum. Apenas protegiam demais a única filha. Foi bastante difícil, mas vencemos isso também. Era paixão, era amor, era um desejo enorme de ficarmos juntos. Com ele eu me sentia segura. Ainda me sinto. Isso não mudou.
Apesar de qualquer coisa, eu o amo. Um amor bonito, maduro. Crescemos juntos. A paixão não é a mesma. Não sei onde a perdemos. Talvez na rotina. Depois do primeiro ano de namoro a paixão também sumiu. Mas em certo dia a encontramos de novo. Não sei explicar. Simplesmente acordamos querendo o outro intensamente. O segundo ano foi o melhor. Com certeza. Nos formamos na faculdade, mais tempo livre. Ele estava menos ciumento. Fomos juntos para Buenos Aires. Boas lembranças... Começamos a fazer planos. O casamento iria demorar, fizemos esse acordo. Primeiro queríamos estabilidade financeira pra construir uma casa do nosso jeito. Não nos importávamos muito com isso. Não tínhamos pressa. Nos amamos, passamos momentos juntos, é isso. Não havia dúvida de que tínhamos pensamentos parecidos. Era fácil resolver as coisas, sempre cedíamos um pouco pelo bem do outro. Acho que é nesse ponto que somos um exemplo para quem olha de fora. Briga e discussão em público jamais. Uma relação invejável.
Mas acabou. Agora eu sinto inveja dos outros casais. Tem seis meses que o Murilo conseguiu um emprego novo, com grandes chances de crescimento. Uma grande oportunidade pra ele. O emprego dos sonhos. Estou muito feliz por ele. Só quero o bem do meu namorado. Do homem que eu compartilho tantas lembranças boas. Mas depois de um mês nesse trabalho ele mudou. E eu também mudei. Nosso tempo juntos diminuiu. Isso eu aceito. É normal. Tenho que apoiá-lo. Ele quer mostrar competência. E ele é muito competente. Eu sentia falta de mais tempo, claro. Mas eu já sabia que no começo seria assim. Um bom emprego para no futuro comprarmos a casa dos sonhos. Era o plano. Mas não falamos mais disso. Não fazemos mais planos. Por quê? Não sei. Não preciso saber.
Era a nossa rotina ligar no final do dia, quando não dormíamos juntos, e falar do nosso dia. Era uma rotina que nos mantinha conectados. Nos últimos meses, mesmo depois de terminar de ver tudo do trabalho, o Murilo não se mostra mais interessado em fazer isso. Eu fico falando 20 minutos seguidos e ele apenas concorda. Depois que eu falo tudo, pergunto como foi o dia dele. Ele diz “foi bom”, “cansativo”, “legal”. Só isso. Até que eu parei de ficar falando sozinha. Uma vez ou outra eu ligo e reclamo de alguma coisa. E quando estamos juntos, a conversa não rende muito. Ele está sempre cansado e todo dia é sempre a mesma coisa. Cheguei a pensar que ele tinha outra. Conheci uma colega de trabalho dele, muito linda e aparentemente interessada nele. No dia que a conheci, e até uns dias depois, fiquei com ciúme, muito. Mas os dias foram passando e eu esqueci que ela existia. O ciúme morreu. Ontem mesmo ele me falou que ela o convidou para o seu aniversário no final de semana. Não consegui me importar.
Eu daria tudo para descobrir o que aconteceu e voltarmos a ser como antes. Eu o amo e acho que ele me ama. Poderíamos dar um jeito de recuperar a paixão e o interesse um pelo outro. Mas não tenho forças. Não mais. Nos últimos meses tenho lutado sozinha. E a relação não é composta só por mim. Me sinto uma intrusa na vida dele. E tem certos momentos que sinto que estou atrapalhando. Eu fico com saudades do corpo dele, do coração, da mente e da voz, então peço carinho. Geralmente ele não recusa, mas é tão estranho. Me sinto carente dele, mas ele não está carente de mim. Pelo menos não demonstra. Me sinto abandonada, vazia, sozinha numa relação de duas pessoas. Mas tenho medo de terminar e piorar. De me sentir mais vazia sem a presença dele.
Ele se levanta e vai até a cozinha. Olho para o meu namorado e sinto dor. Quero carinho. Quero que ele me escute e que fale comigo. Quero que compartilhe sua vida comigo, como antes. Ele volta. “Renata, meu amor, você está assistindo televisão?” Ele me pergunta. Fiquei perdida em meus pensamentos que até me esqueci de prestar atenção no filme. “Vou desligar, não estou assistindo mais”. Desliguei. Ele está bebendo uma taça de vinho e trabalhando com algum projeto do escritório de advocacia. Por que deixamos isso acontecer? Era tão bom... Agora que eu percebo que ele não me ofereceu o vinho. Ele sabe que eu amo vinho. Parece delicioso. Isso não pode continuar. Cansei de ser a intrusa. Cansei de estar sozinha ao lado dele. Não dá pra piorar. Eu o amo sim. Mas não posso viver só do meu amor. E eu não consigo mais lutar por isso SO-ZI-NHA. Novamente pronuncio mentalmente as silabas de uma palavra. Pego a taça de vinho da mão dele. Ele me encara e não fala nada. Dou um longo gole e me levanto. “Vou embora, Murilo. E acabou para nós. Obrigada por esses três anos. Nunca vou te esquecer e nem deixar de te amar. Mas não quero viver sozinha essa relação. Cansei de ser uma intrusa na sua vida. Depois que você estiver com menos obrigações no trabalho nós conversamos. Eu vou mesmo voltar. São três anos, precisamos conversar. Mas acabou. Te amo. Até logo!” 

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