segunda-feira, 10 de abril de 2017

Amor passageiro

            Quem me vê aqui sentada não imagina o tanto de coisas que eu estou na cabeça. Preciso encontrar a minha amiga Maria Fernanda logo. Preciso conversar com alguém. Alguém que me entenda. Preciso da Nanda. Ela atura as minhas loucuras. Nós trabalhamos juntas numa empresa de publicidade e daqui a pouco vamos ter mais uma reunião com os investidores. Eles fizeram questão que viéssemos para a cidade vizinha, onde fica a sede da empresa deles, para tratar dos últimos detalhes da nova campanha. Eu adorei isso. Amo sair da minha rotina. Só que não gosto de viajar sozinha, mas dessa vez foi inevitável. A Nanda tinha outro compromisso e deve estar chegando daqui a pouco. Eu tive que vim mais cedo para adiantar os trabalhos por aqui. Eu vim ontem. Que viagem! A causadora da minha atual perturbação. Preciso da minha amiga. Preciso contar cada detalhe...
            Eu nunca saio adiantada. Sempre estou atrasada. Mas ontem o dia estava diferente. Cheguei à rodoviária com uma hora de antecedência. Comprei uma revista, um chocolate e jujubas. Folheei toda a revista, mas não li nada. Eu estava impaciente. Gosto de ter alguém pra conversar durante o trajeto. E, infelizmente, nem tirar um cochilo dentro do ônibus eu consigo. Fico ansiosa olhando pra fora toda hora. Mas o trajeto não seria longo. Olhando pra ontem, a viagem deve ter durado cerca de 1h30min. Tempo curto, pensando bem. Gostaria de ter tido mais tempo naquele ônibus. Mas enfim, depois de ter andado de um lado para o outro, comecei a conversar com uma moça que trabalha na rodoviária. Ela era tão simpática, que me contou tudo sobre a vida amorosa dela. Rimos juntas, porque a nossa vida amorosa é parecida. Só nós envolvemos com caras errados, que não nos levam a sério. Ela pediu licença e foi trabalhar. Olhei para o relógio no meu pulso, presente da minha madrinha Luiza. O ônibus já estava 15 minutos atrasado. Andei de um lado para o outro.
            Finalmente o ônibus apareceu, com 25 minutos de atraso. Entreguei a minha passagem, entrei no ônibus. Estava lotado. Procurei o meu assento. Eu teria companhia durante a viagem. Gosto de conversar com pessoas desconhecidas, mas esse caso foi diferente. “Com licença.” Digo, sem encarar o rapaz que estava sentado na poltrona ao lado da minha. Passando por ele senti um arrepio. Olhei para os lados, nenhuma janela aberta. Sentei no meu lugar e fiquei observando pela janela a partida. Seria uma viagem curta e longa. Peguei o meu fone, escolhi uma música no celular e tentei relaxar. Mas eu não conseguia concentrar. Mudei de música. Ontem estava mesmo difícil. Peguei o meu notebook e comecei a olhar os trabalhos que eu tinha para o dia seguinte (hoje). Fiz algumas correções e coloquei de volta na bolsa. Olhei novamente para o relógio. Apenas 10 minutos no ônibus. A hora não passava. Mudei de música mais duas, três vezes. A minha música preferida. Sorri e comecei a relaxar. Um espirro. Levei um susto. Olho para o lado e já falei “saúde”. Minha voz foi desaparecendo. Meus olhos encontraram aqueles olhos... Os olhos mais lindos e intensos que eu já vi na minha vida. Ele tinha um brilho, uma força. Era como um imã. “Obrigado.” Uma voz grossa e melodiosa disse e eu perdi a noção de tempo e espaço. Sorri feito uma boba e virei para o lado.
            Eu estava travada. Não conseguia falar nada. Como isso era possível? Se tem uma pessoa capaz de conversar com qualquer pessoa, sou eu. Mas as palavras não saiam. Fiquei olhando para a janela, mas nem sei o que eu estava vendo. Eu só pensava naqueles olhos verdes brilhantes e naquele sorriso encantador. Sorri novamente e torci para que ninguém estivesse me olhando naquele momento. Eu queria virar o rosto, mas não conseguia. Pela primeira vez eu não conseguia conversar com uma pessoa. E era um mau momento pra ficar travada. Eu queria ouvir novamente aquela voz, olhar para aqueles olhos e sentir o encanto daquele sorriso. Eu queria conversar com ele, saber o nome dele, saber tudo da vida dele.
            Deixei de lado as músicas. A concentração já era. Peguei o notebook novamente e decidi mexer num outro projeto. Eu precisava me distrair, já que não era capaz de puxar conversa com o meu vizinho de poltrona. Revisei algumas páginas, sem tirar o moço envolvente da cabeça. Confesso que vou ter que olhar tudo de novo. Não devo ter olhado nada direito. Digitei algumas sugestões e ideias. “Como você consegue escrever assim no ônibus?” Aquela voz... Meu coração disparou mais e mais. Virei para o lado. Nossos olhares se encontraram. Ele me olhava tão profundamente e eu estava perdida. Não sabia se encarava aquele olhar tão intenso ou se admirava aquele sorriso. O ônibus passou por um buraco. Demos uma sacolejada e eu acordei para a vida. “Ah! Queria me distrair e resolvi mexer nisso aqui.” Apontei para a tela. “Mas vou parar, estou sem muita inspiração agora.” Fecho o notebook. “Há outras formas de se distrair, do que ficar trabalhando no ônibus... Olha Que vista linda lá fora!” Ele sorri e eu me derreto. Meu coração batia tão forte, mais tão forte que eu pensei que iria passar mal.
            Voltei a ser falante. Conversamos bastante sobre a paisagem. Ele me contou sobre os lugares que já conheceu e eu descobri sua paixão por cachoeiras. Eu sorri e disse que também era apaixonada por cachoeiras. Na mesma hora vários pensamentos “bobos” surgiram na minha cabeça. Ele falava, contava sobre suas experiências e gostos e, eu ficava cada vez mais encantada com aquele homem. O que começou com algo visual, passou para algo mais profundo. Algo que a cada minuto tocava mais dentro de mim. Era possível? Eu estava experimentando um amor a primeira vista? Não sei. Melhor não rotular. Posso dizer que não sai da minha cabeça. Eu consigo enxergar claramente aqueles olhos, aquele sorriso, aquele homem, na minha mente. E meu coração insiste em me cutucar também. Nós conversamos e o tempo voou. Eu poderia continuar aquela viagem por horas, se ele estivesse lá também. Mas o meu destino chegou e ele ia continuar a viagem. Me levantei. Ele me deu um beijo no rosto e eu segui pelo corredor. “Qual o seu nome?” Ele gritou e todo mundo olhou pra mim. “Clara”. Gritei e sorri pra ele. Mas eu fui burra. Não fiz o mesmo. Não sei o nome do meu vizinho de poltrona.
            Agora estou aqui sentada, esperando a minha amiga e cheia de coisas na cabeça. Não consigo esquecê-lo. Quero continuar conversando com ele por horas e horas. Quero que ele me olhe com aquela intensidade. De um jeito que ninguém nunca me olhou antes. De um jeito intenso sem ser ofensivo, com cuidado e admiração. Com amor e brilho. E aquele sorriso... Minha amiga chegou. Não deixei ela falar. Contei tudo... Ela me repreende e não entende por que eu deixei uma oportunidade dessas passar. “Mas vocês vão se reencontrar. Quando tem que ser, acontece.” Ela me diz e eu sinto confiança. Meu coração vibra. Eu acredito nisso mesmo. Vamos nos reencontrar... “Olha que eu encontrei. A moça mais linda que eu já vi.” Recebo uma mensagem no facebook. “Ele me encontrou.” Grito e a minha amiga Nanda se assusta. O meu vizinho de poltrona, o meu amor passageiro. Breno é o nome dele.

            

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