domingo, 30 de abril de 2017

O Espelho

Eu não me reconheço. Estou totalmente perdida. Mas não consigo mudar. Não sei por onde começar. Só sei que precisa ser diferente. Preciso sentir que sou eu. Onde foi que eu me perdi? Como isso tudo aconteceu? Não consigo entender. Não mesmo. A minha vontade é de gritar e gritar até que alguém me ajude. Mas nem pra isso eu tenho forças. Jogar tudo para o alto requer muita coragem. E às vezes eu tenho medo da mudança. Tenho medo do que posso encontrar se eu desistir da minha situação de agora. Estou longe de casa, longe da minha família e a única pessoa que me traz um acalento, que me faz recordar de quem eu já fui, é a minha amiga Lídia. A minha melhor amiga, a minha paz, a minha força. E falando nela, ela deve chegar daqui a pouco.
Tem três dias que o meu namorado, o Thiago, me pediu em casamento. Mas eu não consigo me decidir. Ainda não dei a resposta. Mesmo ele me pegando de surpresa com o pedido, já era pra eu saber. Eu tinha que saber. Mas não sei. Simplesmente não sei. Passei esses três dias avaliando tudo o que vivemos juntos. Foram grandes momentos. Afinal, três anos não é qualquer coisa. Não mesmo. Mas quando eu penso em casamento, penso em um compromisso mais intenso. Namoro, noivado, casamento, são apenas nomenclaturas. Só que quando o Thiago e eu brigamos é mais fácil resolver. Cada um vai pra sua casa e refletimos. Já no casamento, eu penso que é mais complicado. Vamos viver sob o mesmo teto, então tudo tem que ser resolvido ali. E eu fico pensando na minha maturidade para resolver os conflitos no casamento. Não sei se eu consigo. O Thiago e eu temos personalidades fortes, somos bastante difíceis. Tenho medo. E antes do medo, tem o fato de eu não saber responder de cara “sim” ou “não”. Depois desse tempo todo com alguém, deveria ser mais fácil. Vejo uns casais de amigos e penso que tudo foi mais simples. Por que eu tenho que deixar tudo tão complicado?
Eu conheci o Thiago no dia da minha formatura. Ele estava junto com a família e a irmã mais nova, que também estava formando. Bastou apenas uma troca de olhares e um sorriso. Naquele dia nós sabíamos o que queríamos. Eu queria o Thiago e ele me queria. Duas semanas depois estávamos namorando. A paixão existiu desde o primeiro segundo que o vi. O amor também não demorou a aparecer. Eu o amo. Muito. E ele me ama, eu tenho certeza. Passamos tantas coisas juntos. Crescemos, mudamos, melhoramos. Brigamos muito também. Mas isso já passou. Estamos numa fase em que brigar não é tão difícil. Já nos conhecemos tão bem, que é fácil conversar, ceder e encontrar uma solução para muitos dos problemas. Mesmo sendo pessoas difíceis, nós nos entendemos. E nos amamos. Isso tudo deveria bastar para eu ter a resposta. Talvez eu a tenha. Só que não consigo acreditar que tudo pode mudar. Tenho problemas com algumas mudanças. Estamos tão bem. Quando eu olho para o Thiago só consigo sentir amor e segurança. Ele me faz sorrir, me faz chorar (de emoção), me faz enxergar o melhor de tudo. Ele me dá força, me dá carinho e apoio. Eu o amo.

- Sofia, o que está acontecendo? – Lídia me assusta.

- Além da minha dúvida, nada.

- Você está com uma cara estranha. Credo. Isso tudo é medo de se casar? – Ela sorri.

- Não é medo de casar. É medo da mudança, eu já disse.

- Isso eu entendi. Você tem medo das coisas serem diferentes. Mas por que seriam tão diferentes? Vocês se amam, se respeitam e se entendem. – Ela fala e eu penso no meu amor. – Você só vai dividir as responsabilidades da casa com ele, vão oficializar um vínculo que vocês já têm. E eu sei que é forte.

- E vamos dividir a mesma cama todos os dias...

- Exatamente. E eu sei que ele já te viu nos piores momentos. – Dou uma risada ao me lembrar da primeira vez que dormimos juntos. Eu queria acordar mais cedo que ele e ir ao banheiro, dar uma arrumada. Mas meu sono é pesado. E eu dormi tão bem com ele que não consegui acordar cedo. Quando eu abro os olhos ele me olhava com doçura. Naquele momento ele disse o primeiro “eu te amo”. E naquele momento eu soube que também o amava.

- Eu devia ter respondido de cara o que queria, quando ele me propôs. Mas naquele momento passaram na minha cabeça todos os relacionamentos ruins que eu conheço. Pensei nas minhas amigas separadas e em pensei em como elas mudaram quando se casaram.

- Mas aí você devia se lembrar também porque elas mudaram. Não foi simples assim. Casou e mudou. Foram relacionamentos sem base, sem amor verdadeiro. Depois que perceberam isso, elas mudaram porque estavam arrependidas, tristes. Você sabe muito bem...

- É verdade... Tenho medo de me perder... E eu sempre fui bastante decidida. Por que quando ele me pediu em casamento eu não respondi?

- Eu entendo. Mas você não vai se perder. Com o amor e o apoio dele você só vai ganhar força pra ser quem você é. Mas é natural se sentir assim, não conseguir se decidir. É uma decisão importante. E você quer que dure...

- Pra sempre. – Digo.

- Olhe no espelho, Sô. Olhe para você e pense naquilo que te faz quem você é.

            Sorrio para a minha amiga e vou até o meu quarto. Olho para o meu reflexo no espelho. Um espelho com moldura branca. Um presente do Thiago. Vejo um reflexo cansado, mas cheio de esperanças. Meu cabelo está bagunçado. Não o penteei hoje. Dou uma risada. O meu amor gosta do meu cabelo bagunçado, porque ele diz que eu fico a vontade. Mas ele também gosta do meu cabelo arrumado, porque recorda quem eu sou. Uma pessoa centrada e organizada. Ele gosta de mim do jeito que eu estiver. É um bobo mesmo. E eu o amo. Mas a Lídia pediu pra eu olhar e pensar naquilo que faz quem eu sou. Acho que ela quer que eu pense em muito mais que a aparência. Mas de certa forma a minha aparência diz muito de quem eu sou. Não hoje, porque estou uma bagunça. Toco o espelho e me recordo de uma coisa que o Thiago me falou a um mês, no dia do meu aniversário. “Sofia, eu te amo e tenho a liberdade de te falar qualquer coisa. Gosto de você assim, sendo você mesma. Admiro a sua força, a sua organização, a sua capacidade de transformar tudo o que toca em alguma coisa com utilidade. Você é maravilhosa. Mas eu ainda vou gostar de você quando você quiser simplesmente se sentar e perder um dia inteiro, porque não queria fazer nada. Você é um ser humano e tem o direito de relaxar. Tente não se pressionar tanto. Vou te amar do mesmo jeito.” Acho que hoje essa sou eu. Sou organizada, centrada, um pouco perfeccionista, tenho dificuldades para relaxar...

- É difícil fazer esse exercício, né?! Chega a ser chato ter que pensar em tudo que nos faz quem é. Porque são pequenas e grandes coisas. E algumas são mais fáceis que outras.

- Eu entendi. – Estou chorando. Minha amiga sorri. – Obrigada. Te amo. – Dou um abraço na minha melhor amiga e percebo porque a amo tanto. Ela sempre soube me trazer de volta.

- Você sempre soube, mas é normal ter dúvidas. Vai ser uma mudança e tanto sim, mas não vai mudar quem você realmente é.

- Não vai. Porque o Thiago me aceita e me do jeito que eu sou.


            Lídia me entrega o meu celular e eu sei o que devo fazer. Escrevo uma mensagem para o Thiago. “Meu amor, temos que conversar. Desde o começo você me conheceu melhor que eu. Por isso foi paciente e me esperou. Te amo.” Envio a mensagem e sorrio. Ele não reclamou por eu não ter a resposta de imediato. Ele já sabia, desde o começo, que eu precisaria de tempo. Ele me dizia para tirar um dia e relaxar. Agora não pode reclamar. Tirei três dias. Eu realmente estava sufocada. Aí quando ele propôs me senti meio perdida. Não me reconhecia. Eu sou conhecida por ser a decidida, a correta. Mas às vezes é preciso fugir do meu conforto e fazer o que é necessário para ficar bem comigo mesma de uma forma diferente. Eu vou me casar e sei que vamos ser muito felizes. Porque nos amamos e respeitamos quem somos. 

sábado, 29 de abril de 2017

O estranho conhecido

Era uma linda noite de sábado. O céu estava estrelado e a lua cheia. Olhei para o céu e imaginei como aquela noite seria perfeita para encontrar um grande amor. Aquele pensamento era uma bobeira, mas eu era uma romântica incorrigível. Ainda mais por estar indo a um baile de máscaras, vestida com um traje de época, igualzinha as mocinhas dos romances históricos que eu gostava de ler. Fiquei imaginando como seria lindo encontrar um amor naquele baile. Eu me sentiria como as protagonistas dos meus livros preferidos.
Olhei meu reflexo no espelho e achei que realmente parecia uma dama do século XIX. Usando um vestido rosa com babados brancos, e os cabelos presos em um coque desestruturado, eu me sentia a própria Elisa Clark do romance Prometida, da Carina Rissi, uma das minhas autoras preferidas. Talvez fosse a semelhança física com a personagem, cabelos negros e olhos azuis. Fiquei pensando: já que estou me sentindo a Elisa, bem que o meu Lucas Guimarães poderia aparecer hoje. Comecei a rir do meu pensamento bobo. Bianca, minha amiga que me acompanharia ao baile, entrou apressada no quarto, arrastando seu lindo vestido prata:
-Vamos Letícia, pare de se olhar no espelho e vamos, desse jeito vamos chegar atrasadas.
Bia estava linda, seus lindos cabelos loiros formavam ondas por suas costas. Parecia uma mocinha inglesa, fiquei pensando qual personagem que eu conhecia ela poderia ser. Ah sim, claro! Bia parecia Sophie Beckett, de Um Perfeito Cavalheiro, da minha querida Julia Quinn. Como não pensei nisso antes?! Ouço um estalar de dedos e volto meus pensamentos para meu quarto. Minha amiga me olha abismada. Mesmo sabendo que minha cabeça vive viajando por outros lugares, ela ainda se assusta quando me perco em meus pensamentos.
Saio de casa arrastando meu vestido e começo a pensar como as mulheres conseguiam respirar com aqueles espartilhos tão apertados e como andavam com aquelas anáguas enormes. Tento ao máximo me equilibrar com tanta roupa. Ao chegar à porta do local onde seria o baile coloco minha linda máscara dourada. Estou tão ansiosa. Sempre fui louca por ir a um baile assim. É um misto de ansiedade e alegria. Atravesso o salão e vejo muitos vestidos como o meu, exceto pelas cores, diversos homens usando coletes e ternos, e milhares de máscaras. Olho para todas aquelas pessoas com os rostos cobertos e começo a imaginar que era exatamente em bailes assim que as mocinhas costumavam aprontar, já que suas identidades estavam escondidas.
Resolvo sair em busca de uma taça de vinho, a única bebida que realmente aprecio. Quando passo em frente à porta de entrada vejo surgir um lindo cavalheiro, alto, de cabelos negros e pele bronzeada. Não sei distinguir qual a cor dos seus olhos, pois estou a certa distância dele, só sei que são escuros. Fico parada por um tempo olhando para aquele desconhecido, e só depois de alguns minutos é que saio à procura do meu vinho. Encontro Bia conversando com uma velha amiga nossa e paro para cumprimentá-la. Resolvo sair dali e tentar encontrar algumas colegas que ainda não vi. Piso na barra do meu vestido e tropeço. Oh meu Deus, vou me estatelar no chão! Antes que eu caia sinto meu corpo bater contra um corpo musculoso. Levanto a cabeça e dou de cara com o lindo rapaz da entrada. Fico vermelha de vergonha e agradeço. O garçom passa por nós e ambos pegamos uma taça de vinho. Afastamos-nos um pouco de minhas amigas e começamos a conversar. Fico observando os traços de seu rosto. Agora consigo ver com clareza que seus olhos são castanhos escuros, e sua boca é carnuda. Que vontade beijá-la! Depois de algum tempo conversando, o gato mascarado segura meu rosto e me beija. Seu beijo me parece tão familiar.
Caminhamos para o jardim da casa de eventos e começamos a conversar. Depois de tanto observar aquele rosto e experimentar seu beijo, tenho a sensação que conheço aquele homem. Ele me beija novamente, e quando nossas bocas se desgrudam ele resolve tirar a máscara.
- Pedro! – exclamo ao encarar meu primeiro amor, o garoto por quem fui apaixonada minha adolescência inteira. Ele sorri, e me beija novamente. Dessa vez me entrego profundamente ao beijo. Meu coração dispara como há muito tempo não fazia.
- O que você faz aqui?- pergunto ainda trêmula.
- Estou de férias na casa dos meus pais, e soube do baile. Imaginei que a garota mais linda dessa cidade, que é apaixonada por histórias de época, estaria aqui. Então pensei que não poderia deixar essa oportunidade passar.
- Como você soube que era eu, já que estou de máscara?
- Jamais esqueceria esses lindos olhos azuis, mesmo após cinco anos sem vê-los. E ao beijá-la tive a certeza que era você. Esses lábios doces nunca saíram dos meus pensamentos.
Meu coração se derrete todo ao ouvir tais palavras. É nesse momento que percebo que nunca o esqueci. Meus sentimentos só estavam adormecidos. Sentamos e começamos a conversar, contamos um ao outro tudo que fizemos nesse tempo. Depois de mais alguns beijos ele me confessa que sempre foi apaixonado por mim, que nunca me disse nada porque eu namorava um cara que ele detestava. Que nesses anos que ficou sem me ver pensava em mim todos os dias, e imaginava se um dia teríamos uma chance de ter algo de verdade. Aproveitei o embalo e disse a ele tudo que eu também estava sentindo. Não acredito quando Far Away, do Nickelback, a música que me fazia pensar nele, começa a tocar, imagino que tem um dedinho de Bia por trás da trilha sonora. Depois da revelação nos beijamos novamente, dessa vez um beijo apaixonado, que expressa tudo que estamos sentindo.
Mais tarde, quando Pedro me deixa em casa, me promete ligar no dia seguinte para sairmos. E é exatamente o que ele faz no outro dia. Vamos a um restaurante super aconchegante, e ali, em meio a um delicioso jantar a luz de vela e duas taças de vinho, meu primeiro amor me pede em namoro. Sei que nosso reencontro é recente, mas não posso perder essa chance novamente. Mais que rapidamente aceito, mesmo sabendo que ao final das férias ele retornará para a cidade onde trabalha.
Dias depois recebo uma notícia que me deixa ainda mais radiante. Fui aprovada para o mestrado em História Medieval na cidade em que Pedro mora. É muita alegria para uma pessoa só. Sei que é apenas o início de uma grande jornada, um longo caminho a percorrer, mas que ficará mais fácil com meu grande amor ao meu lado.


quarta-feira, 26 de abril de 2017

Voo atrasado

            Eu tinha tudo planejado, mas a companhia aérea não me ajuda. O aeroporto está um caos... Pelo jeito não é somente o meu voo que está atrasado. Isso nunca aconteceu comigo. Já peguei vôos com no máximo 30 minutos de atraso. Por isso sempre me organizo para esses possíveis 30 minutos. Estou sentado aqui nesse banco, pouco confortável, há uma hora. E ninguém sabe explicar nada. “É a chuva forte”, me disseram... Estou ansioso, tenho muita coisa pra fazer... Uma reunião importante na filial de São Paulo da empresa onde trabalho, encontros com uns tios que não vejo há muito tempo... Eu devia ter pegado esse voo ontem, mas meu amigo Daniel insistiu que eu saísse com ele e outros amigos. Eu devia ter planejado melhor. Vou chegar em cima da hora para a reunião. Justamente na reunião mais importante do ano... E ainda estou sob avaliação. Quero tanto aquela promoção, eu preciso. Estou a 10 anos naquela empresa, na área financeira. E agora a vaga de gerente está disponível. É uma grande oportunidade e um desafio também. Mas vou crescer muito profissionalmente. “Tirando a responsabilidade que aumenta, você já vai ter um horário de trabalho melhor. Porque esse seu horário te consome demais... Quase não podemos sair juntos. E me conta, há quando tempo você não sai com uma mulher? Você só trabalha. Credo.” Ontem o meu amigo insistente, Daniel, me falou isso e eu fiquei pensando... Ele tem razão. Não tenho vivido nada.
            As coisas tem sido bastantes corridas mesmo. Eu não tenho tido muito tempo. E não tenho feito esforço pra tirar um tempo só pra mim ou para encontrar outras pessoas. Mas eu estou focado na minha vida profissional, tenho ansiedade pelo crescimento. Por isso estou nervoso com esse atraso. Vou até mandar uma mensagem para um colega. A reunião é daqui a 4 horas, mas não sei quanto tempo ainda demora aqui, além disso, tenho que pegar um táxi do aeroporto até a filial... Enfim, tenho que prevenir. Olho para os lados e vejo várias pessoas na mesma situação que eu... Ah! Aquela moça ali não parece nervosa com o atraso. Ela sorri, está relaxada... Que sorriso! Estou meio abalado com a minha visão. Como ela pode estar tão tranquila? Como pode ser tão linda? Ela tem um brilho, alguma coisa além da beleza externa. Acho que estou carente, porque já estou criando mil ideias nessa minha cabeça. Não posso julgá-la sem conhecer... Mas ela é mesmo diferente... E está vindo em minha direção...

- Bom dia! Posso me sentar ao seu lado? Aqui está tão cheio e está uma bagunça... Passo por aqui duas vezes por semana e nunca tinha visto tão cheio. – Ela fala e eu me levanto, dando espaço para ela passar e se sentar ao meu lado. Ela tem uma voz tão doce, que me faz sorrir.

- Bom dia! Fique a vontade. – Eu digo.

- Eu te vi de longe e você é muito sério. Na verdade, todo mundo aqui está tão sério. Eu entendo e não entendo. Os vôos estão atrasados, isso é péssimo. Mas eu aproveitei esse atraso pra ter um tempo pra mim. Nos últimos meses eu não respiro. E eu odeio isso. Então eu tenho adorado os atrasos. É uma boa desculpa para relaxar. – Ela fala bastante, mas estou gostando. Acalmou-me. – Desculpa, estou te enchendo.

- Não. Como você mesma disse, até que o atraso não é totalmente ruim. Também estou precisando parar um pouco e relaxar. Qualquer dia fico louco. E você não disse qual é o seu nome. – Ela sorri enquanto falo e isso me deixa tão à vontade. Há muito tempo não vejo uma pessoa tão inspiradora e cheia de vida.

- Ah, verdade. Que desatenta que eu sou. Meu nome é Valentina. É um prazer conhecer você...

- Leonardo. É o meu nome. – Damos uma risada e ela aperta a minha mão. Sinto um arrepio com o seu toque. Que mulher intrigante. Que mulher linda...

            Ela sorri e encara a vida com muito positivismo. Ela faz jus ao nome. Ela é valente, é forte e doce. Uma pessoa extremamente encantadora. O que eu achava quando a vi de longe acaba de ser confirmado. Ela é muito mais que só uma pessoa externamente linda. Ela é muito mais... Estou ficando louco. Mas não consigo parar de prestar atenção nela. Não parei de sorrir desde que ela se sentou ao meu lado. E eu não costumo rir com frequência. Pra falar a verdade, só sorrio quando bebo um pouco mais. Costumo ser travado e não me abro para as pessoas. Acho que é por isso que estou há três anos solteiro. Ela conta muitas coisas sobre a vida dela e, por incrível que pareça, eu também conto coisas sobre mim, coisas que eu não falo nem com alguns amigos.

- Eu te entendo, Leonardo. Também estou há bastante tempo esperando ser reconhecida no meu trabalho. Continuo dando o melhor de mim, continuo tentando. Mas parei de deixar que essa ansiedade ocupe todo o meu pensamento. Não estava me fazendo bem. A vida é muito mais que trabalho. Claro que não tenho tido muito tempo pra mim. Mas sempre faço o possível pra dar uma fugida e respirar. Não quero me perder... – Ela tem razão, não posso me perder.

- Você está certa. Preciso relaxar...

            Algo me faz parar de falar e ela não dá sinal de que vai falar outra coisa. Parece que está pensando. Olho em seus olhos e enxergo um brilho, uma luz... Que lindos. Estou mesmo abalado com esses olhos, com esse sorriso. Ela despertou algo em mim, uma coisa que eu nem conhecia. Meu coração palpita e estou com medo de não vê-la nunca mais. Quero continuar conversando com ele, olhando pra ela...

- Parece que os vôos vão começar a decolar. Já pode ficar tranquilo. Você vai chegar a tempo para a reunião. – Ela pisca pra mim.

- Agora estou estranhamente tranquilo. Conversar com você ajudou. Obrigado.

- O prazer foi meu. Você é intenso. – O que ela quis dizer com intenso? Queria perguntar.

- Sério e intenso? Já são dois adjetivos. – Ela dá uma gargalhada. Nunca tinha escutado uma gargalhada tão gostosa.

- Meio sério. Consegui alguns sorrisos e então seu caso não está totalmente perdido. – Queria dizer algumas coisas pra ela. Queria mais tempo com ela. Se eu pudesse a convidaria pra trocar o voo e sair por aí comigo. Mas não sou assim e não posso. – Foi muito bom te conhecer, mas agora vou ali saber do meu voo. – Eu me levanto para deixá-la passar.

- Obrigado pela conversa, me fez muito bem.

            Ela me dá um beijo no rosto e vai embora. Não acredito que não consegui falar mais nada. Não acredito que nosso encontro acabou assim. Recebi uma mensagem do meu colega e parece que está tudo tranquilo lá na filial. Vai dar tempo. Já a perdi de vista. Queria mais tempo... Estão chamando o meu vôo. Agora vou voltar a focar no trabalho... Não acredito que eu não pedi nem o telefone dela. Sou muito burro. Pelo menos tenho uma coisa muito melhor pra pensar, pra me fazer relaxar...
            Sou o primeiro a entrar no avião e sento-me na poltrona da janela. Gosto de admirar o céu, me tranquiliza. Um senhor se senta na poltrona do corredor e eu o cumprimento. Ele parece estressado. Faz sentido, depois desse atraso. Se eu não tivesse encontrado a Valentina também estaria assim. Sorrio só de pensar nela. Mas aqueles olhos, aquela boca, aquela doçura e força de viver...

- Com licença, senhor. Quase entrei no avião errado. – Conheço essa voz. É ela. O senhor da poltrona do corredor sorri e eu o entendo. É impossível não sorrir quando ela está perto.

- Você? – Ela não tinha me visto. Senta-se na poltrona do meio e dá uma curta gargalhada, balançando a cabeça.

- Nós ficamos um tempão conversando e não falamos do voo. É bom sentar ao lado de alguém quase conhecido. – Sorrio. – Bom que agora você vai poder fazer uma coisa que ainda não fez.

- O quê? – Penso em várias coisas, mas não sou corajoso pra arriscar uma.

- Pedir o número do meu telefone. Eu gostei de você e acho que você gostou de mim, cara meio sério. – O senhor da poltrona do lado dá uma gargalhada. Ele estava escutando a nossa conversa. Ela percebe e olha pra ele. – Estou certa, senhor. As coisas têm que ser mais certas agora. Ele não pode perder uma segunda oportunidade. – Ela fala com ele.

- Por que você não fez isso na primeira oportunidade? – Ele me pergunta.


- Sinceramente não sei explicar. Mas não vou perder a segunda. Não é todo dia que esbarro com alguém como ela. – Ele balança a cabeça concordando comigo. – Valentina, qual o seu número? 

segunda-feira, 24 de abril de 2017


Meu pé esquerdo da sorte

Sabe aqueles dias que tudo parece dar errado? Foi em um dia desses que minha vida mudou. Era um dia importante, eu entregaria um projeto a um cliente pela manhã e depois do almoço teria uma reunião com os investidores da empresa em que trabalho. Era pra eu ter percebido desde a hora que acordei que seria um dia “daqueles”. Para início de conversa acordei atrasada. Levantei correndo, tomei banho, me arrumei e sai na maior correria. A reunião foi um fiasco, o cliente simplesmente não gostou do projeto que passei quase um mês inteiro trabalhando nele. Sem contar que ele falou até na minha cabeça por ter me atrasado para nosso encontro.
Na hora do almoço resolvi ir a um restaurante que fica na esquina da rua do meu emprego. Tenho o hábito de sempre tomar uma xícara de café após o almoço. Aquele, definitivamente, não era um bom dia para praticar esse hábito. Quando eu levava a xícara a boca me assustei com uma criança que entrou no local gritando. Resultado: ensopei minha camisa branca de café, sendo que eu tinha uma reunião importantíssima minutos depois, e não havia levado outra peça de roupa. Passei um guardanapo úmido pela camisa, na esperança de disfarçar a mancha, mas o que consegui foi espalhá-la ainda mais. Meu chefe iria me matar por ir a reunião com a camisa manchada, mas infelizmente não havia nada que eu pudesse fazer.
Quando entrei na sala de reuniões todos os olhares voltaram-se diretamente pra mim, ou melhor, pra mim não, para minha camisa. Todos me olhavam com aquela expressão de perplexidade, imaginei que a qualquer momento alguém iria dizer “Essa mulher é louca”. Ignorei os olhares e me dirigi ao meu lugar. Mesmo de cabeça baixa eu podia sentir os olhares do meu chefe em mim, com um olhar que dizia “Lívia, eu vou te matar”. Mais uma vez algo deu errado no meu dia. Jogaram alguns erros da empresa em cima de mim. Saí da sala morrendo de vontade de chorar e pedir demissão, mas eu precisava desesperadamente daquele emprego.
Ao entrar no meu carro para ir embora, comecei a analisar o fiasco que havia sido o meu dia. Então fiz a idiotice de olhar para o céu e perguntar “O que mais pode acontecer de ruim hoje?”. Me arrependi da pergunta oito quilômetros depois, quando meu carro furou o pneu bem no meio de uma estrada deserta, um local que dificilmente eu encontraria alguém para trocá-lo. Debrucei sobre o volante e comecei a chorar. Eu nunca havia trocado um pneu na vida, o que iria fazer? Não havia opção. Tirei meus sapatos de salto e sai do veículo, arregacei as mangas da minha camisa e fui tentar fazer o serviço. Nos quarenta minutos que se seguiram fiquei perguntando “Ô meu Deus, porque fui nascer com dois pés esquerdos?”. Quarenta minutos haviam se passado e nada de conseguir trocar o pneu.
Minutos depois parou um carro atrás do meu, não sei se senti medo ou alívio. Para minha sorte, a porta do carro se abriu e de lá saiu um lindo moreno. Perguntou-me qual era o problema. A essa altura minha camisa branca e meu rosto estavam cobertos de graxa. Fiquei morta de vergonha por estar nessas condições perto de um homem tão bonito. Disse a ele qual era o problema e dez minutos depois ele o havia resolvido. Foi incrível! Fiquei quarenta minutos tentando trocar o pneu e não consegui nem tirá-lo do lugar, enquanto que o bonitão fizera a troca em apenas dez minutos.
Agradeci ao bonitão e já ia caminhando para o carro quando ele se aproximou e me pediu meu telefone, disse que me ligaria no dia seguinte para sairmos juntos. Sinceramente eu não estava acreditando. Mesmo eu estando coberta de graxa o bonitão estava flertando comigo, parecia mentira. Passei meu número, afinal, eu estava solteira e ele era um gato. Agradeci mais uma vez e fui embora. No dia seguinte meu telefone tocou na hora do almoço, e quase não acreditei quando Marcos, meu salvador do dia anterior, me convidou para sair à noite.
Fomos a um barzinho super aconchegante e tivemos uma noite maravilhosa. Marcos era encantador: bonito, inteligente, engraçado e gentil. Saímos outras vezes, e cerca de um mês depois estávamos namorando. Hoje, três anos depois daquele dia desastroso, não sei definir exatamente o que foi aquele dia. Aparentemente foi um dia de muito azar, mas naquele dia também tive a maior sorte da minha vida, encontrei o meu grande amor . Quando tudo parecia perdido, eis que o destino conspirou a meu favor.

sábado, 22 de abril de 2017

Um dia

            O que você faz num espaço de 24 horas? Na verdade é difícil pensar em 24 horas ativas, considerando dias normais em que temos que dormir seis ou oito horas. Pensando nas horas gastas dormindo, eu tenho inveja de mim há uns três anos atrás. Eu era feliz e não sabia. Mas nos últimos anos passei horas e mais horas em claro... Não lembro quando foi a última noite que eu dormi bem. Passei mais tempo do que deveria, e achava que conseguia, num emprego insuportável. Sou obrigada a conviver com a irmã do namorado da minha melhor amiga. Evito brigas, mas ela acha que sou sua inimiga, tudo isso porque ela descobriu que uma vez dei um beijo (sério, só um beijo mesmo e nem gostei) no atual namorado dela. Eu nem conhecia a menina, nem me lembrava do cara. Não sei onde ela resgatou uma mensagem antiga numa rede social em que ele falava de mim com algum amigo. Ainda não entendo e nem quero saber os detalhes. Prefiro ficar longe deles. Ela é louca. O caso é que ela me odeia e sempre está no meu apartamento, dando desculpas para falar com a Maria (a única razão pela qual eu a aturo). Se não bastasse, o emprego ruim e a minha “inimiga” o dia todo na minha casa, ainda tem o meu ex-chefe. Júlio, um cara alto e bastante charmoso, mas muito insuportável e machista. Passou semanas me perseguindo, tudo porque não entrei no “joguinho” de sedução dele.
            Se forem pensar mesmo, talvez achem que eu exagero um pouco. Mas tentem estar no meu lugar por um momento. Você é animada, sonhadora e tem milhares de planos. Acaba a faculdade achando que o a vida iria começar a dar certo. Acaba encontrando um emprego muito bom (no começo era mesmo muito bom, porque sempre gostei de decoração). Pensa que aquilo seria um começo, pra ter uma experiência. Certo, emprego super válido. Eu poderia pagar as minhas contas, viver num apartamento com a minha melhor amiga (eu a amo e isso é o que me mantêm firme), viajar um pouquinho nos feriados e continuar sonhando, investindo um pouco do meu tempo na carreira de romancista (escrevo nas horas vagas e sonho com o futuro). Mas depois de um tempo conheci a minha “inimiga”, chamada Nicole, e ela fez de tudo para me cutucar. Em alguns momentos eu simplesmente fingia que ela não existia e conseguia seguir a minha vida. O trabalho piorou. Mudou de chefe. Júlio num primeiro momento parecia ótimo, além de ser muito gato. Passaram uns dias e ele surgiu com algumas regras. Nós não poderíamos ter nada nas redes sociais que mostrasse mais de uma carreira (eu não poderia divulgar os pequenos textos que eu escrevia, que era uma forma de mostrar para as pessoas algo mais que eu fazia. Só podia compartilhar coisas da empresa, que é uma revista impressa e online de decoração.), não podíamos usar os contatos conhecidos através da empresa para beneficio particular (eu não queria passar o contato para uma empresa rival, mas haviam certos eventos que eu simplesmente esbarrava com algum autor que poderia me ajudar. Mas ele sempre estava por perto mandando sinais de censura.). Ele simplesmente fazia do convívio no trabalho um momento terrível. Eu estava me acabando.
            Prazos desnecessários, silêncio absoluto na redação (sério! ele não gostava que conversássemos, mas não tem como. Um gostava de ajudar o outro, pelo menos quando ele não era o chefe.). De repente o meu trabalho pareceu um campo de disputa. As pessoas o odiavam, mas tentavam chamar a atenção dele, puxavam o saco mesmo. E eu não tinha paciência para aquilo tudo. Pensei que não tinha como piorar. Mas pensei errado. Um dia, eu simplesmente fiquei louca e aceitei ir a um bar com os colegas de trabalho. Quem apareceu? O chefe. Credo. Eu tinha um nojo inexplicável dele. Só trabalhando com ele pra entender. Eis que a criatura resolve me paquerar. Oi? Não acreditei, ri muito, ainda mais porque eu estava um pouco bêbada. Ele achou aquilo um absurdo, que eu não poderia rejeitá-lo. Fez um escândalo e disse que ele era idiota por “quase” se apaixonar por mim e que eu era mais idiota ainda por não querer ficar com ele. Sai daquele lugar brava... Tudo piorou. Qualquer coisa ele brigava comigo, sempre fazendo escândalos e exagerando, para chamar a atenção de todos para mim. Apenas uma colega me dava um apoio e me ajudava falando mal dele.
            Comecei a ter problemas de concentração. Travei. Não conseguia continuar escrevendo o meu livro. Tive ansiedade e passei noites em claro, apenas olhando para a tela do computador. Nem me socializar eu conseguia. Nem me lembro quando foi a última vez que sai com algum homem. E no auge da minha carência, a minha querida “inimiga” surge fazendo escândalos. “Fica longe do meu Gigi. Ele nunca gostou de você. E nós vamos nos CA-SAR!” Olhei surpresa pra ela, não acreditando naquilo. Ela levava tudo muito a sério. Toda hora ficava falando, “estou noiva”, “já escolhi o vestido”, “Maria, você não pode levar nenhuma acompanhante”, “Ah, foi lindo ele me pedindo”. Fiquei com tanto nojo que passei a caminhar todas as noites, para evitar encontrar com ela. Criei um habito que me acalmava e ocupava o meu tempo (eu não conseguia dormir mesmo). Até consegui voltar a escrever um pouco (não como antes)... Eu caminhava uns cinco quilômetros até uma praça, carregando um livro que eu já tinha lido pela metade. Terminava de ler o livro e deixava no banco. Deixava três livros por semana naquela praça. E alguém pegava os livros. Porque no outro dia não estava mais ali. Tenho a sensação de que era a mesma pessoa. Não sei explicar, mas sinto isso. Não me importo. Eu queria apenas passar para alguém aquele meu prazer. E espero, sinceramente, que essa pessoa passe adiante o livro. Sorrio todas as vezes que imagino a pessoa surpresa ao ler um livro diferente. Será que ela tem as mesmas impressões que eu?
            Então o dia de hoje começou. Parece interminável. Acordei as 6hrs, como sempre, depois de dormir quatro horas (um avanço). Tomei um chá e duas torradas, porque eu estava inexplicavelmente sem fome (teria ido trabalhar sem comer, mas acredito que passaria mal). Passei a manhã escrevendo um texto de cinco páginas para a revista impressa. Eu gostava de fazer isso, quando o Júlio não estava me encarando. Ele estava concentrado na sala dele naquela manhã. Terminei meu texto, muito rápido e fiquei muito feliz. Encontrei nas minhas coisas um rabisco de um romance que eu estava escrevendo em casa na noite anterior e comecei a ler. Eu pensava que não teria problema, desde que ninguém estivesse vendo. E eu já tinha terminado meu trabalho (quatro horas adiantada). Achei que roubar 15 minutos do meu trabalho para reler o começo do que seria um livro no futuro não fosse errado. Enganei-me, de novo. Se fosse o antigo chefe até iria pedir pra ler. Júlio se aproximou, fiquei to nervosa que meu papel caiu no chão, perto dos seus pés. Ele pegou e leu a primeira linha. Aí o escândalo começou. Falou, falou, até engasgar. Tive que guardar um riso. E pra piorar, ele zombou do meu texto. A parte mais sensível e vulnerável de mim. “Você é muito iludida. Quem vai querer ler isso? Ridícula! Todos vocês, olhem pra cá! Podem rir muito, porque essa Daniela é a pessoa mais ridícula que eu já conheci.” As pessoas se assustaram e eu encontrei o olhar preocupado da minha colega. Engoli o choro. Eu precisava ser forte. Levantei-me, tentando ficar um pouco menos baixa que ele. Sentada eu era mais vulnerável. “Desculpe, Júlio. Não era minha intenção causar qualquer desconforto para a empresa, ao ler por alguns minutos o meu texto, depois de terminar meu trabalho com quatro horas de antecedência. E, por favor, me desculpe por fazer o senhor gastar seus olhos tento que ler algumas linhas de algo tão desagradável. Peço licença aos queridos colegas, companheiros de três anos de trabalho. Devo me retirar e procurar um lugar mais humano para trabalhar.” Não sou boa em discursos. A minha vontade era de gritar e falar algumas duras verdades para ele. Mas sou assim, calma para os outros. Esse é um grande problema, guardo tudo. Peguei as minhas coisas e fui embora.
            Almocei com tanta fome, como há muito tempo eu não fazia. Senti os ombros mais leves e me senti estranhamente relaxada. Era um dia diferente, novo e eu estava gostando. De repente me senti inspirada. Peguei meu caderno e continuei aquele texto, o da noite anterior. Fiquei quatro horas sentada na praça de alimentação do shopping, escrevendo o que no futuro poderá ser um livro. Não vou me deixar abater, não por causa daqueles comentários do Júlio. Vi minha amiga Maria passando. Estava com a Nicole. Suspirei e fui até elas. Parece que fazia compras. Antes de começar as frases idiotas da minha “inimiga”, agarrei a minha melhor amiga e a abracei. Contei baixinho o que havia feito e ela suspirou de alivio. Ela me conhece muito bem. Falei qualquer coisa com a criatura sistemática e sai fugindo com a minha amiga. Pude ver a Nicole ferver de raiva, de ser deixada para trás. Maria e eu assistimos a um filme, o que há muito tempo não fazíamos. Compramos um pote de dois litros de sorvete e tomamos tudo dentro do cinema. Eu estava feliz. As coisas pareciam diferentes... Entramos em algumas lojas. Comprei um vestido. Permiti-me fazer isso. Eu tenho economizado cada centavo, esperando o momento certo para sair do trabalho. Não havia momento certo. Existia o hoje e eu resolvi mudar o rumo da minha vida.
            Fomos para casa. Queria mais tempo com a minha amiga, mas ela e o namorado teriam um jantar especial. Comemoração de aniversário de namoro. Eu realmente consigo “aturar” a irmã do namorado dela só por causa dos dois. Eu a amo e amo ver os dois juntos. Mas algum dia não vou aguentar e gritar um pouco com ela (esse dia está próximo). Passei o rascunho do meu texto para o computador. Olhei para a tela animada. O meu segundo livro estava criando vida. Senti uma onda de animação. Peguei um arquivo antigo, de dois anos atrás. Meu primeiro livro, meu bem mais precioso. Criei coragem e enviei para cinco editoras. Nada poderia piorar. Eu sentia esperança e alguma coisa arder dentro do peito. Ainda sinto. Tomei meu banho e sai para a caminhada noturna. Olhei para aquele céu estrelado, lindo e arrepiei. Era o começo de alguma coisa. Olho para o relógio do celular. O dia está acabando... Estou pronta para deixar mais um livro nesse banco da praça. Mas há uma energia diferente no ar. Eu poderia ficar aqui a noite toda, até amanhecer.
Em minha direção enxergo um vulto grande. Não estou com medo. Ele se aproxima ainda mais... Só consigo enxergar uns olhos brilhantes e animados. Ah, e um sorriso perturbador de tão lindo. Ele está na minha frente me encarando. Agora tenho medo. “Desculpe te assustar. Mas queria te conhecer. Tem bastante tempo que venho aqui e há alguns dias tenho te observado colocar esses livros... Li todos.” Sorrio. É ele! “Eu fico feliz que alguém mais os leia... Sou a Daniela. Prazer.” Estico a minha mão para um cumprimento e ele se senta ao meu lado. “Murilo. E o prazer é meu. Eu estou encantando desde o primeiro livro que encontrei aqui. E depois de te observar, o meu encanto só tem aumentado. Eu realmente estou curioso para conhecer você. Entender esse seu olhar de encanto ao olhar para os livros e de satisfação ao olhar para o céu. Que brilho maravilhoso, que serenidade.” Penso em como ele pode achar tudo isso, logo de mim que tenho passado tanto tempo perturbada, sem dormir e um pouco desanimada com o futuro. Mas acabo de perceber que quando estou aqui, lendo ou admirando o céu, eu esqueço tudo e começo a sonhar. “Se você quiser pode me entender fazendo o mesmo que eu. Nada que eu dissesse seria suficiente para explicar. Olhe para o céu e apenas sinta essa energia, essa noite magnífica. Se permita sonhar, flutuar em seus pensamentos mais intensos... Sinta.” Digo e ele segura a minha mão. Olhamos para o céu. Estou sozinha numa praça, com um homem desconhecido (e extremamente lindo e encantador), olhando para o céu... É inexplicável, é estranhamente bom. Eu poço ficar assim pra sempre. Sinto-me em paz, segura. Parece que o conheço há uma eternidade (e acredito que isso seja possível). Meia noite. E foram mais outras 24 horas, dentre tantas outras. Mas eu sinto que foi um novo dia, um recomeço. 

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Uma escolha do coração

Hoje é um dia muito especial, é o dia do casamento da minha menininha. Olho para Clara deslumbrante em seu vestido de noiva e muitas coisas me vem à cabeça, coisas boas e ruins. Parece que foi ontem que esse presente maravilhoso chegou a minha casa, mas na verdade já fazem 18 anos.
Começo a me recordar de quando a encontramos. Eu havia perdido um filho há três anos, e depois de muitas terapias para aceitar que não poderia mais gerar um filho em meu ventre, comecei a pensar na possibilidade de adotar uma criança. Carlos, meu amado marido e fiel companheiro, sempre me apoiou e me ajudou a superar nossa perda. Começamos a visitar alguns abrigos para encontrarmos uma criança que fosse do jeito que queríamos. Visitamos diversos, mas foi apenas no sétimos abrigo que encontramos o nosso anjinho. Tínhamos um padrão estabelecido para a criança escolhida, queríamos que fosse fisicamente parecida com nós, para evitarmos perguntas desnecessárias. Mas quando olhei para aquela linda menina de pele chocolate e cabelos de molinhas tive a certeza que aquele perfil antes definido não seria o do nosso filho.
A garotinha estava sentada em um cantinho do quintal com um livrinho de histórias na mão, e se encolheu quando me aproximei. Bastaram algumas poucas palavras para que ela confiasse em mim e começasse a conversar. Falou-me que se chamava Clara e que tinha seis anos. Disse também que seus pais haviam ido morar com o papai do céu e que desde então ela morava ali. A cada palavra dela meu coração se derretia ainda mais. A apresentei a Carlos e vi nos olhos do meu marido o mesmo fascínio que estavam nos meus.
Depois de conversarmos em casa decidimos que ela seria nossa filha. Não foi fácil! Tivemos que enfrentar o preconceito que está enraizado na sociedade. As pessoas a nossa volta não conseguiam aceitar que um casal branco seriam pais de uma criança negra. Minha sogra era a mais difícil de todas, insistia que devíamos adotar uma criança branca como nós, pois assim todos acreditariam que era nosso filho biológico. Mas nós estávamos firme em nossa decisão e dizíamos a ela que adotaríamos aquela que havia tocado nosso coração, aquela que desde o primeiro olhar me fizera ter vontade de pegá-la no colo e levá-la para casa.
Quando Clara chegou em casa ficou fascinada com seu novo lar. Preparamos um lindo quarto para ela, branco e rosa, cheio de bonecas. Sua adaptação não foi difícil, depois de seis meses que estava morando conosco parecia que passara a vida toda ali. Desde o início conversei com ela a respeito de coleguinhas que falariam coisas feias a respeito dela por causa da sua cor e do seu cabelo. Dizia a ela que infelizmente existiam papais malvados que não ensinavam seus filhos a respeitar o próximo. Mas que apesar dos comentários feios dos coleguinhas, ela deveriam se amar do jeitinho que ela era. Que seu cabelinho era diferente da maior parte dos amiguinhos da escola, mas que era lindo assim como os deles. Assim minha menininha já foi crescendo sabendo bater de frente com o preconceito e tendo orgulho de sua raça.
Minha princesinha foi crescendo, cada dia mais linda e inteligente. Aos 12 anos falava inglês e espanhol, tocava saxofone e era uma excelente bailarina. Aos 17 anos foi aprovada no vestibular de dança, pois escolhera que dedicaria sua vida profissional a aquilo que mais gostava de fazer, dançar. Muitos criticavam a escolha dela, mas eu sabia que ela seria perfeita em qualquer área que escolhesse. No meio do curso ela foi convidada a cursar dois anos em uma universidade francesa, e claro que Carlos e eu a acompanhamos. Foi lá que ela conheceu Allyson, seu noivo e daqui a algumas horas marido.
Sou tão grata a Deus pela filha que ele me deu. Pela escolha do meu coração. Nunca tive um filho biológico, mas com Clara em minha vida nunca me fizeram falta. Quando eu soube que não poderia ter filhos gerados em meu ventre e as pessoas começaram a falar para eu adotar, achava que nunca amaria um filho adotivo como amaria um que saiu de dentro de mim. Mas eu estava completamente enganada. Meu amor por minha filha é incondicional, e ela e Carlos são tudo de mais precioso que tenho na vida. Sei que daqui a pouco, daqui a alguns anos, esse amor será estendido para meus netos. Ah, como sonho com eles! Muitas crianças enchendo minha casa de alegria.
“Heloísa”, meu marido me chama e sorrio para ele. Como estou feliz! “Já está na hora de levarmos nossa menina para a igreja”, diz segurando a mão de nossa filha. Caminhamos todos para o carro e partimos para o local do casamento. Estou tão emocionada, desse jeito minha maquiagem não vai durar. Passo a cerimônia toda chorando, mas são lágrimas de felicidade. Felicidades por saber que cumpri bem meu papel de mãe, que dei amor e um lar a alguém que estava sozinha no mundo, e que hoje é uma linda mulher. 

terça-feira, 18 de abril de 2017

Meu anjo

            Existem pessoas que passam por nossas vidas e deixam marcas, lembranças. E existem aquelas pessoas que, além disso, também mudam as nossas vidas. Eu falo isso porque hoje faz dois anos que uma pessoa entrou em minha vida. Uma pessoa que eu não deixaria por nada, uma pessoa que eu amo e me ama. Uma pessoa que me mudou (pra melhor) e que todos os dias me enche de alegria e me faz acreditar que o amor é real. Sim, é real! E eu estou vivendo isso. Mas nem sempre eu fui assim. Costumava ser fria, ser dura com coisas relacionadas ao coração. Eu simplesmente não acreditava que alguém era capaz de me amar de verdade e, por isso, não me abria para viver o amor. Eu gostei de várias pessoas, me apaixonei, isso posso dizer. Mas não vivi isso profundamente, não expus o meu amor. Eu não me dava a oportunidade de amar o outro e ser amada. A verdade é que eu tinha medo de me perder, de perder quem sou eu.
            Aos poucos descobri que quando encontramos a pessoa certa, esse medo não precisa existir, porque quem te ama não te muda, não te impede de nada. A mudança que eu tive, partiu de mim, depois que eu conheci o meu anjo. Mas em nenhum momento ele me pediu pra ser diferente. Só disse para eu me permitir sentir e viver o que meu coração pedia. Assim eu fiz. Perdi o medo. E devagar pude sentir a emoção que é ser amada e poder amar alguém. Hoje não consigo entender muito bem porque eu não vivia isso. Tinha o medo, certo. Mas o que mais? Enfim, não importa. Continuo sendo eu, mas um pouco mais leve e aberta e muito mais feliz.
            Antes de conhecer o meu anjo, o meu Henrique, o meu grande amor, eu nunca tinha namorado e nem criado laços fortes com nenhum homem. Conheci algumas pessoas bem legais e interessantes. Mas tinha alguma coisa que me impedia, que não me dava o impulso para continuar e me envolver. Às vezes penso que eu nunca tinha amado de verdade. Porque o amor dá força e coragem. Uma vez conheci um rapaz que até cheguei a me imaginar junto, um namoro mesmo. Mas não passou da imaginação. Quanto mais ele se aproximava, mais eu recuava. Podem achar que sou louca e talvez eu seja mesmo. Mas pra mim faltava alguma coisa, uma emoção a mais. Como não aconteceu isso, eu continuei apegada ao meu medo da mudança e esfriei mais uma vez.
            Olhando para trás e pensando, principalmente, nesse rapaz que me fez feliz e que eu não fui capaz de amar, dá leve tristeza. Sinto-me um pouco culpada. Não fui sempre sincera com ele. Só que era difícil ser sincera com ele, quando nem comigo eu conseguia ser. Eu achava que iria conseguir atender as expectativas dele, de fazê-lo feliz mesmo. Mas não consegui. Ele é uma pessoa maravilhosa e qualquer mulher amaria ser amada por ele. É fácil gostar de pessoas alegres, que preocupam e te faz feliz. Mas eu sempre esperei mais e não queria começar alguma coisa com outra na cabeça. No começo seria bom, mas depois eu tinha as minhas dúvidas. Talvez teríamos dado certo, provavelmente sim. Mas eu não estaria vivendo aquilo que eu realmente queria. O problema era que eu não sabia exatamente o que eu queria. Só sabia que queria uma pessoa que só de pensar me fizesse arrepiar, que a cada encontro me deixasse ansiosa e que eu sentisse saudades sempre (mesmo que eu a tivesse visto há uma hora). Queria uma pessoa que fizesse meus olhos brilharem e meu coração vibrar. Eu não sabia ao certo, mas o que eu queria só descobriria quando encontrasse.
            E eu encontrei, há cinco anos. Eu lia meu livro preferido, pela milésima vez, numa confeitaria na minha nova cidade. Tinha me mudado há poucos meses e já tinha minha confeitaria preferida. Eu tomava chá branco e comia um croissant de chocolate. Eu me sentia bem ali, lendo e aproveitando a calmaria do fim de tarde. Sentia-me segura, livre. Eu estava feliz e não esperava nada. Era mais um lindo dia de sábado, com sol e algumas nuvens, um gostoso começo de primavera. E aquela seria a melhor primavera da minha vida. Fechei meu livro, dei uma mordida no croissant e tomei um pouco do chá. Olhei para o céu e sorri. Aquele dia estava tão lindo, que sorrir era inevitável. Voltei meus olhos para frente e me deparei com um homem alto e moreno. Não enxerguei o seu rosto de imediato.
            “Posso me sentar?” Aquela voz vibrou em meus ouvidos e eu arrepiei. Sorri de vergonha e concordei que ele se sentasse. Um sorriso largo e encantador, olhos tão profundos e brilhantes, que senti que ele me lia. Ele me olhava com emoção e parecia tentar me desvendar. Fiquei mais tímida. Eu sempre fui tímida, mas naquele momento sentia uma ansiedade, não sabia bem o que fazer. Eu sorria, sorria muito. “De longe eu já admirava esse sorriso. E agora de perto parece que estou no céu. Estou encantado com você.” Eu não acreditei no que ele falava. Devo ter ficado muito vermelha de vergonha. Mas eu queria que ele continuasse ali. Não o conhecia de verdade, mas olhando dentro daqueles olhos era como se nos conhecêssemos há anos. Finalmente consegui falar direito. “E agora posso saber o nome do meu admirador?” Ele sorriu mais ainda. “Henrique. É um enorme prazer poder te conhecer, alguém de tanta luz como você. E qual é o nome desse anjo?” Parecia que meu mundo tinha virado de cabeça para baixo. Mas parecia que eu tinha encontrado o meu mundo. Eu sentia emoção, ansiedade. Eu poderia ficar ali olhando pra ele por horas e mais horas, que não me cansaria. “Felícia e, eu não sou um anjo.” Demos uma gargalhada. Com o tempo eu teria a certeza que ele seria um anjo em minha vida, o meu anjo. E ele sempre diz que eu sou o seu anjo.
            Então seremos sempre um anjo um na vida do outro. Convivendo com ele e vivendo o nosso amor, eu me permitir ser amada de verdade. Hoje sei reconhecer os meus valores e a aceitar que posso ser boa na vida de outras pessoas. Eu era fria, não me doava. Eu tinha medo, eu fugia. Mas desde que o conheci descobri que o amor era possível. Eu o amo demais. Ele me mudou, fazendo-me enxergar o amor nos outros. Hoje amo mais os meus familiares (até com eles eu era um pouco fria) e os meus amigos. Hoje sei dizer “eu te amo”, com vontade e força. Hoje consigo sentir de verdade. Ele me mudou bem aqui dentro do meu coração. Agora tenho um coração mais leve, aberto aos outros e que sabe amar. Eu vivo de verdade a vida. Vivo o nosso amor. Ter o meu anjo é ter o céu bem na minha frente. 

domingo, 16 de abril de 2017

Desde o primeiro sorriso

A minha história de amor começou quando eu tinha apenas seis anos. Eu não conhecia meu pai, e nem sabia que tinha um, pois minha mãe evitava falar dele, sempre inventando desculpas rasas. Um certo dia ela acordou e disse “Vamos para o Rio de Janeiro conhecer o seu pai”. Vi que ela preparou duas malas enormes com coisas minhas e apenas uma pequena mala para ela. Eu nem imaginava o que estava por vir adiante. Embarcamos e quando chegamos a uma casa maravilhosa, que minha mãe dizia ser do meu pai, fomos recebidos por uma linda mulher grávida. A princípio ela nos olhou assustada, mas nos convidou a entrar e sentar. Meia hora depois chegou um homem que minha mãe simplesmente olhou pra ele e disse “Filipe, esse é seu filho Lucas, vou fazer uma longa viagem e a partir de agora ele é sua responsabilidade”. Naquele momento não sei quem ficou mais assustado: eu, o estranho ou a mulher bonita. Minha mãe e o homem conversaram e logo depois ela me deu um beijo e foi embora.
A mulher bonita e o cara ficaram me olhando assustados, ela resmungava algumas coisas para ele, e eu simplesmente chorava. Eu queria a minha mãe. Queria sair da casa daqueles estranhos. Foi então que uma linda garotinha loirinha, de expressivos olhos castanhos e um pouquinho menor que eu apareceu na sala. Ao contrário dos outros dois, ela me olhou e sorriu. Foi o sorriso mais lindo que eu recebi até então. Aquele sorriso ficaria marcado na minha memória para sempre. Não demorou muito para que fossemos brincar e minha tristeza se abrandar um pouco.
Quando enfim minha guarda estava oficializada ao meu pai, percebi que ali seria minha casa, que eu não ficaria mais com minha mãe. Mas não seria tão ruim, pois ali eu teria uma família de verdade, inclusive eu já tinha um irmãozinho a caminho. Minha adaptação inicial não foi fácil, eu chorava a todo instante querendo minha mãe. A moça bonita que me atendeu quando cheguei era Caroline, a esposa do meu pai, que depois de um tempo virou minha mãe, pois eu aprendi a amá-la como se houvesse saído do ventre dela, e ela me amou como filho. E a linda garotinha era Gabrielle, a filha da minha madrasta, e que futuramente seria a grande paixão da minha vida, que me viraria do avesso. Todos os meus familiares gostaram de mim, exceto meu primo Gabriel, que tinha a minha idade e se dizia namoradinho de Gaby. Além de tudo ele era o afilhado queridinho de Carol. Nem preciso dizer que não fui com a cara dele.
O tempo foi passando, e à medida que crescíamos meus sentimentos por Gaby floresciam. E o pior é que eu tinha que aguentar ouvir ela me chamar de irmão, me tratar como um. Era que isso que éramos, uma família. Meu coração se negava a aceitar que ela era minha irmã. Tive que calar meus sentimentos e seguir adiante, sendo o irmão mais velho dela. O irmão superprotetor. Quando eu tinha 16 anos veio a primeira ferida no meu coração causada por ela: Gabrielle e Gabriel começaram a namorar, com a permissão de nossos pais. Tinha que tolerar aquele idiota dentro da minha casa o tempo todo, trocando beijos e carinhos com a minha garota. O pior é que eu tinha que fingir estar feliz por minha “irmãzinha”. Mais uma vez sufoquei meus sentimentos e segui adiante. Toda vez que eles brigavam ela vinha chorar no meu colo, e eu tinha que consolá-la, conforme um irmão faria. Quando sentávamos para ver um filme juntos eu morria de vontade de acariciar seu rosto, beijá-la, dizer o quanto eu a achava linda, mas simplesmente tinha que me controlar e comportar-me como um irmão.
Dois anos se passaram e o namoro do meu “casalzinho preferido” ia ficando cada vez mais sério, ela cada vez mais apaixonada. Tudo parecia conspirar contra mim, até que um belo dia, na verdade um maravilhoso dia, Gabriel resolveu pedir um tempo a ela, segundo ele estava se sentindo sufocado. Fiquei com muita pena dela, a pobrezinha estava arrasada, mas no fundo eu estava radiante, aquela poderia ser minha chance de conquistá-la.
Estávamos a meses do vestibular, e costumávamos estudar juntos todas as tardes. Eu já havia notado que estava rolando certo clima entre nós nos últimos dias. Ela me olhava com mais atenção, parecia até ficar nervosa na minha presença. Em um dos dias de estudo quase nos beijamos, mas ela recuou. Um dia, enquanto estudávamos em meu quarto, decidi que era hora de abrir meu coração pra ela, que não podia mais esconder meus sentimentos. Disse a ela que precisávamos conversar. Ela se sentou na bancada de estudos e eu fiquei de pé em frente a ela. Peguei suas mãos, olhei nos olhos dela e soltei a bomba “Gaby, sei que pode parecer loucura, mas eu amo você. Amo desde a primeira vez que a vi, quando éramos apenas duas crianças”. Ela ficou surpresa. Aproveitei o momento e a beijei. Foi um beijo com tanta vontade, com tanta paixão, eu sentia que precisava demonstrar naquele beijo tudo que eu sentia por ela. Era um beijo que estava entalado há anos. No início ela ficou surpresa, mas acabou correspondendo o beijo na mesma intensidade. Ela confessou que também sentia algo por mim, não sabia definir ao certo o que era, mas não era simplesmente um carinho de irmãos. Começamos a nos relacionar escondido dos nossos pais, não era um namoro, mas eu sabia que futuramente viraria.
Infelizmente não durou muito. Dias depois Gabriel se arrependeu de sua decisão e pediu a ela para retomarem o namoro. Tola e apaixonada como era acabou aceitando. Foi a segunda vez que meu coração foi dilacerado por ela. Dois meses depois, após ela ter se entregado a ele, ele terminou em definitivo com ela. O estado dela era lastimável, só chorava. Demorou para ela entender que realmente havia acabado, e que precisava esquecê-lo e seguir em frente. Felizmente fomos aceitos em uma universidade dos EUA, e isso encheu a vida dela de alegria novamente. Ela mergulhou de cabeça nos preparativos da mudança, e evitava encontrá-lo.
Naturalmente fomos nos aproximando, e quando estávamos prestes a ir para o EUA assumimos nosso relacionamento para nossos pais. No início foi difícil para eles aceitarem, mas ao ver nossa felicidade eles amoleceram. Mudamos-nos para solo americano e fomos morar juntos. Pouco a pouco fui conquistando-a, e meses depois ela estava perdidamente apaixonada por mim. Quanto mais o tempo passava, melhor nosso relacionamento ficava. Eu fazia todas as vontades dela, a enchia de amor e carinho. Tentava de todas as maneiras demonstrar o quanto a amava, desde presentes a gestos e atitudes românticas. Ela era o centro do meu mundo. Era incrível como combinávamos. Raramente brigávamos, e quando isso acontecia só apimentava nossa relação. Nossos gostos eram tão parecidos. Ambos gostávamos de viajar e tínhamos o desejo de conhecer o mundo todo. Nossas férias eram divididas em um mês no Brasil com nossos pais e um mês viajando por algum lugar do planeta. Por dois anos consegui evitar que em nossas idas para o Rio ela encontrasse Gabriel. Mas o inevitável aconteceu. Sei que ele ficou encantado ao vê-la, e tentou beijá-la, mas minha garota resistiu bravamente.
Os anos seguintes foram ainda melhores. Cada dia eu tinha mais certeza de que ela me amava. Planejávamos o futuro, depois da formatura nos casaríamos e continuaríamos morando no EUA. Já até pensávamos nos nossos filhos. Às vezes tudo parecia um sonho, um sonho que eu não queria acordar. À medida que minha formatura ia se aproximando comecei a planejar nossos próximos passos. Eu sabia que seu maior desejo era fazer uma volta ao mundo por um ano, por isso planejei uma surpresa pra ela. Iríamos passar o natal e o ano novo com nossos pais no Brasil, e logo depois partiríamos pelo mundo por 365 dias, exatamente como ela desejava. Em algum lugar mágico e romântico eu a pediria em casamento, e quando voltássemos para casa marcaríamos o casamento. Depois eu começaria minha especialização em neurocirurgia e ela começaria a carreira dela na área de literatura inglesa. Seria tudo perfeito!
Tudo teria sido perfeito, se não tivéssemos ido para o Brasil. Ela estava muito mudada, agora era uma mulher, uma mulher muito linda, confiante de si, que ganhava olhares masculinos por onde passava. E claro que ela não passou despercebida aos olhos de Gabriel, do ogro que a ferira anos antes. Ele também havia mudado, agora era um homem, não digo que ele era bonito, mas pela expressão de Gaby quando o viu pude perceber que ela achava que ele estava lindo. Quando um olhou para o outro vi pela troca de olhares entre eles que aquele sentimento que estava adormecido há anos estava acordando. Eu sei que ela tentou resistir, tentou convencer a si mesma que era apenas uma recaída depois de tanto sem vê-lo, mas não foi forte o suficiente para não sucumbir quando ele disse que a amava e que lutaria por ela. Infelizmente meu sonho acabou.
Meu mundo desabou quando ela me disse “Lucas, eu amo você, nós vivemos uma história de amor incrível, você é muito especial, mas o grande amor da minha vida é ele”. O meu sonho terminava ali. Foi difícil aceitar que ela estava trocando eu, que a amava incondicionalmente, que a tratava como uma princesa, que estava disposto a tudo para realizar seus sonhos, por um ogro que não era capaz de abrir mão de seus objetivos para concretizar os dela, um idiota que a usara e depois descartara como se fosse um objeto. Por um bom tempo achei que ela recobraria a consciência e viria ao meu encontro, mas isso nunca aconteceu. Demorei muito tempo, anos na verdade, para conseguir arrancá-la do meu coração e me abrir novamente ao amor.


sábado, 15 de abril de 2017

Minha querida amiga

            Sabe quando você se depara com um sorriso tão gostoso, tão encantador, que ele não sai da sua cabeça? E quando esse sorriso vem acompanhado de um olhar intenso e brilhante? E esses dois estão no corpo do homem mais enigmático e lindo que você já viu? Pois bem, passei por isso há duas semanas. Fui à cidade vizinha participar de um workshop e me perdi naquele homem. Minhas pernas bambearam, meus olhos brilharam e eu não parei de sorrir. E melhor, ele sorriu pra me mim. Ficou o dia todo me encarando e por fim veio até mim. Conversamos e tudo piorou. Parecia brincadeira. Não podia ser real. Eu nunca fiquei assim por causa de um homem. “Você é muito fria, Renata.”, minha melhor amiga costuma falar comigo. Na maioria das vezes sou fria mesmo. Mas devo me justificar. Eu nunca tinha conhecido alguém assim e não digo pela aparência. Ele é lindo, claro. Alto, moreno, cabelo preto liso com cachos nas pontas, olhos da cor do céu e aquele sorriso encantador. Mas depois que conversamos, descobri uma beleza ainda maior. Apaixonado por literatura, como eu. Nada machista. Cavalheiro, culto, atencioso (a mãe dele ligou pra ele e a atenção que ele teve quase me fez chorar), e um monte de coisas mais que me encantaram. Estendi a minha estadia (não precisava), por causa dele. Em uma semana, conheci toda a história de vida dele e ele conheceu a minha. Ele era maravilhoso demais pra ser verdade. Mas naquela semana nem pensei nisso. Só queria ouvir, falar e estar com aquele homem. O dono dos beijos mais quentes e doces, o dono da voz mais charmosa. O intenso Guilherme.
            Não fui mais a mesma. Eu estava apaixonada por Guilherme e nem sabia que isso era possível. “Estou tão feliz por você, Rê. A primeira vez que eu te vejo assim.” Minha querida amiga Bianca estava certa. Eu posso dizer que nunca me apaixonei. Nunca namorei também, mas isso não me incomoda. Assim que conheci o Guilherme comecei a imaginar coisas. Imaginei nós dois namorando, passeando por aí de mãos dadas, lendo juntos, fazendo mil coisas. E também imaginei apresentando ele para os meus pais. Senti-me uma boba, mas uma boba feliz. A nossa semana juntos acabou. E eu estava preocupada. Eu voltaria pra casa e ele continuaria na cidade dele. Está certo que são cerca de 50 minutos de carro, mas eu nunca namorei antes. E ele trabalha bastante e eu também. Mas ele me disse que daríamos um jeito. Eu amei aquilo. Combinamos de nos ver duas vezes por semana, além de conversar todos os dias pelo telefone. Fiquei cada vez mais encantada com aquele homem. Um homem diferente de todos que eu já conheci. Confesso que ainda estou encantada e apaixonada. Mas a vida nem sempre é boa.
            Eu voltei pra casa. Queria contar cada detalhe para a minha melhor amiga. Mas como eu estendi a minha estadia lá, nós nos desencontramos. Ela já tinha marcado uma viagem de final de semana com duas colegas de trabalho. Iriam comemorar o aniversário de uma delas em um sitio aqui perto. Eu queria a minha amiga nesse momento. Ela tem um pouco mais de experiência que eu. Namorou por quatro meses quando tinha 17 anos. Já é alguma coisa, quando comparado a minha experiência. Além disso, ela já se apaixonou de verdade. Queria conselhos. Mas eu teria isso, só que dois dias depois. Enquanto isso, passei o final de semana fazendo um projeto de um apartamento, lendo e assistindo filmes. Ah, e comi bastante também. Eu estava muito ansiosa. O Guilherme me adicionou nas redes sociais e me mandou mensagens durante toda a manhã de sábado. À tarde ele disse que iria sair com uns amigos e iria ficar sem contato até o domingo de manhã. Assim que retornasse pra casa me ligaria. O estranho é que ficou com um pouco de saudades de ouvir a voz dele. E quando ele me ligou no domingo, fiquei até emocionada. Mas eu estava muito boba mesmo. Será que ainda estou? Isso tudo me assusta, é tão novo pra mim. Posso dizer que era (ou é, não sei) mesmo paixão.
            Amor? Tenho medo de responder. Prefiro não pensar nisso agora, ainda mais depois do que aconteceu. Na segunda-feira, depois desse final de semana ansioso, sem falar com a minha amiga, foquei no trabalho e não vi a Bianca o dia todo. Algumas vezes nós saímos para almoçar juntas, mas naquele dia eu tive uma reunião muito demorada com o meu chefe. Depois de apresentar o meu projeto, ele me deu uma promoção. Fiquei tão feliz e com tanto medo. Estava tudo dando muito certo para ser real. O Guilherme me ligou de manhã naquele dia, reforçando o nosso encontro na quarta-feira. Ele tem um horário flexível no trabalho nas quartas, então viria até a minha cidade me ver. Eu estava mesmo feliz e empolgada. Do jeito que estávamos tão bem, parecia que o namoro não iria demorar. Ele era o cara certo, o único que eu sonhei um futuro. Na verdade, ele é. Mas agora é apenas um sonho.
            À noite naquele dia pude conversar com a minha amiga. Finalmente eu pude contar tudo que eu vi naquela semana e confessei que eu estava apaixonada. Consegui falar em voz alta. “Bia, estou apaixonada. E estou feliz!” Ela me abraçou e ficamos alguns minutos aproveitando o carinho que temos uma pela outra. Depois de contar tudo, eu quis saber do final de semana dela. Ela contou como foi... Muita coisa pra comer e beber e muitas pessoas. Eu não sabia que seria uma festa tão grande. Mas foi. Enfim, depois de contar cada detalhe, ela chegou numa parte que nos abalou. Ela conheceu um homem... Deu alguns detalhes de como ele era e disse que estava encantada. Ficou curiosa e perguntei se rolou uma promessa de um novo encontro. “Ah, nada muito explicito. Trocamos nossos números, conversamos um pouco. O encanto é por minha parte mesmo. Ele estava meio travado. Pode ser que seja comprometido.” Eu a incentivei a ter esperanças, porque tudo é possível. E não sabia ao certo se ele tinha mesmo alguém. Foi aí que eu fiquei desconfiada.
Depois de alguns detalhes mais específicos eu perguntei o nome dele. “Guilherme, o mesmo nome do seu boy... Olha só, vamos ver o facebook dele, parece que...” Ela nem precisou terminar a frase, porque pelo modo que eu a olhei mostrava como eu também estava preocupada. A nossa preocupação estava certa. Ficamos nos olhando por alguns minutos... Eu não precisei nem confirmar. Ela viu que eu era uma amiga em comum com ele... Por que isso tinha que acontecer com nós? A minha querida amiga estava encantada pelo mesmo boy que eu estava apaixonada. Ficamos estranhas e não conseguimos falar nada... Guilherme me ligou, eu não atendi. Mais tarde mandei mensagem falando que estava passando mal. Ele ficou preocupado e insistiu em ouvir a minha voz. Liguei pra ele, mas não falei muito.
           Hoje eu tenho um encontro com ele, mas estou confusa. Estou perdida, não sei o que fazer. Bia e eu não estamos conversando muito bem. Não quero perder a minha amiga ou ficar numa situação de constrangimento, por causa de um homem. Mesmo que esse homem seja o Guilherme. Por que a vida é tão injusta? Por que a minha amiga foi gostar logo do homem que eu estou apaixonada? Simplesmente aconteceu. Talvez seja um teste para a nossa amizade. Não posso perdê-la. Nossa amizade tem mais de 10 anos e é linda. Eu amo a Bianca. Vou ligar pra ela. “Bia, me escuta. Eu sei que estamos meio estranhas. Mas não podemos continuar assim. Hoje eu vou me encontrar com o Guilherme, mas só porque já estava marcado. Vou colocar um ponto final nessa relação, que ainda nem começou. Eu amo você e nenhum homem vai ficar entre nós.” Eu disse e ela ficou uns instantes em silêncio. “Não, Rê. Não faça isso. Posso ver que você está apaixonada e ele também parece muito interessado. Eu vou entender... Vamos ficar bem.” Mas não vai ser a mesma coisa, não posso aceitar isso. “Bia, eu já me decidi. E sei que as coisas não vão ser iguais. Vou fazer isso e pronto. Te amo.”