terça-feira, 16 de maio de 2017

Em meus sonhos

         Certos momentos servem para nos levar de volta ao passado e nos faz recordar cada detalhe, cada escolha. Hoje, especialmente, o passado vem me visitar e eu revivo com emoção tudo que me fez chegar até aqui. E acabo de receber um bilhete que tem um perfume que também me faz voltar ao começo de tudo. Um perfume de cravos, com toque de madeira, folhas e canela. Um perfume que não me deixa esquecer Adrian. Só que é impossível esquecê-lo. Tanto o seu perfume, como todo o resto já está marcado em mim. Ah, meu o Adrian...
            Eu era um pouco cética em relação ao amor. Achava que era uma fantasia criada e que aquilo de fato não existia. Parecia besteira demais essa história de “alma gêmea”, “amor a primeira vista”, “o amor da minha vida”. De fato não consigo concordar muito bem com isso de “alma gêmea”, de existir apenas uma pessoa pra mim em todo o mundo. Mas, hoje, acredito em almas que se conectam, que estão em sintonia e juntas são únicas. E quanto ao “amor a primeira vista” me abri a isso. Não sei se com Adrian foi amor a primeira vista, mas voltando a tudo que vivemos desde que nos conhecemos... Não sei... No final não importa. O que importa é que naquele dia nos conhecemos...
            Minha amiga Marília e eu tínhamos acabado de nos mudar para a capital. Saímos para comemorar o primeiro dia de trabalho. Não conhecíamos quase nada na cidade, muito menos aonde ir à noite para escutar música boa e conhecer pessoas interessantes. Antes de sairmos, procuramos rapidamente algum lugar não muito longe de onde morávamos. Achamos um bar com música ao vivo. Parecia que sempre ficava movimentado e tinha os mais variados estilos musicais. Concordamos e fomos até o bar. Tudo que lemos na internet estava certo. Adoramos o lugar. Era a noite de MPB e eu amei. Mais tarde o lugar ficava mais agitado e haveria DJ, tocando todos os tipos de música.
            Arrumamos uma mesa próxima ao bar e com uma ótima visão do palco, onde acontecia a apresentação da banda. Estava mesmo muito cheio. Sempre fui um pouco tímida e dificilmente conseguia começar uma conversa com estranhos. Marília não era muito diferente de mim. Aquela seria mais uma noite de apenas duas amigas sozinhas. Seria. Fui até o bar buscar algumas bebidas. Olhei para o lado e me deparei com um par de olhos verdes me encarando. Os olhos verdes mais intensos e penetrantes que eu já encontrei. Ele sorria de alguma piada que o amigo fazia, olhava ao redor para as moças. E me lançou um sorriso encantador. Devo ter corado naquele instante, mas consegui dar um sorriso tímido. Enquanto esperava as bebidas o observei. Ele era lindo demais, uma visão, mas parecia um pouco alterado pela bebida. “Não é pra mim”, pensei naquele instante. Eu nunca tive ideias sobre o cara ideal (ainda mais porque não acreditava num grande amor), mas sabia, que mesmo sendo lindo e encantador, não era o homem pra mim.
- Nossa, Lila, vi um homem maravilhoso. – Ela deu uma gargalhada. – É sério. Mas não é pra mim. E não sou pra ele.
- Por que, Cat? – Ela ficou séria.
- Olha pra mim. Não sou sexy, refinada... – Ela balançou a cabeça. – E parece ser o tipo que curte aquelas mulheres mais volumosas... E sei lá. Não alguém como eu.
- Já te falei pra largar de ser preconceituosa. Não pode criar essas ideias antes de conhecer as pessoas. E você é linda, inteligente se até sexy, quando quer. – Eu sexy? Dei uma gargalhada tão alta que as pessoas ao lado me encararam. Essa sim sou eu. Bonita sim, tímida e mestre em passar vergonha.
- Só você mesmo. Eu sexy... – Balancei a cabeça contendo outra gargalhada. – E ele estava bebendo demais, não gosto disso... – Um perfume de cravos (e canela, folhas e madeira) chegou até mim. Um perfume inesquecível acompanhado daqueles intensos olhos.
- Não gosta do quê, senhorita? – Aqueles olhos verdes me encararam e devo ter ficado super corada, de novo. – Podemos nos sentar com vocês? – Ele e o amigo continuavam nos olhando intensamente.
- Claro. – Consegui falar depois de um tempo. E eles se sentaram. Ele se sentou ao meu lado e o seu amigo ao lado da Marília. Fiquei muito nervosa. E ele continuava me encarando. – Sou a Catarina e ela a Marília. – Falei, porque aquilo estava estranho. Ele sorriu pra mim. Quantos dentes! Que sorriso maravilhoso.
- É um prazer conhecê-las. Eu sou o Adrian e aquele meu amigo feio ali é o Marcos. – O amigo dele fechou a cara, mas logo deu uma risada. – Ah, você disse que não gostava de alguma coisa.
- Ah... – Que vergonha! O que eu falo? - De passar vergonha. – Deu um sorriso tímido.
- Por causa daquela risada alta? – Assenti com a cabeça e ele sorriu. – Foi a risada mais linda que já escutei. – Que vergonha! Eu não sabia responder. Acho que ele estava flertando comigo, mas sou péssima nisso. – E ainda tímida? Acho isso encantador. Você é encantadora e tão linda. – À medida que ele falava pude sentir uma mistura daquele perfume, que eu tanto gostei, com álcool e cigarro.
- Obrigada. E sou tímida mesmo.
            Olhei para a minha amiga e ela conversava com o Marcos. Parecia mesmo encantada, assim como eu. Mas, ao mesmo tempo, eu sentia uma mistura de encanto com dúvidas. Nunca me relacionei desse jeito com alguém como Adrian. Aos poucos pude entender melhor quem ele era. Gostava de flertar, admirava muito uma mulher bonita, bebia bastante e era refinado demais. Um “filhinho de papai”, falei mais tarde com a minha amiga. Foi essa a minha primeira impressão. Marília e Marcos pareciam se entender. Eu estava me entendendo com Adrian também, mas alguma coisa me falava que ele “não era mim”. Tirando o fato de sermos de mundos completamente diferentes e de ele ter hábitos que eu não gosto, aquela conversa era boa. Ele era muito inteligente e tinha uma opinião diferente da que eu imaginava que ele teria. Eu tinha que parar com esses preconceitos. Eu estava enganada. Muito enganada. Quanto mais ele falava, mais eu me encantava. Ao final da noite, parecia que o conhecia há muito tempo. Mas ainda sim, tinha alguma coisa que me falava pra ir com calma. Escutei minha consciência e não aceitei a carona que ele e o amigo nos ofereceram. Mas acabaram nos acompanhando até o táxi.
- Foi um enorme prazer conhecê-la, Catarina. Preferia levá-la em casa, porque a noite é muito perigosa. Mas entendo o seu anseio. Você é muito linda e inteligente. Espero podermos conversar outras vezes. – E de novo aquele sorriso encantador.
- Muito obrigada. E o prazer foi meu. Eu também espero vê-lo novamente. Você é muito encantador... – E de novo, o sorriso tímido apareceu. Ele pegou minhas mãos, deu um leve beijo e me deu um intenso beijo nos lábios. Fiquei trêmula, mas correspondi. A minha cabeça girou e aquilo ocupou a minha cabeça durante toda a volta para casa. Minha amiga também estava perdida em seus pensamentos, com certeza pensando no Marcos.
            Marília e eu conversamos um pouco antes de dormir, falando sobre os homens que conhecemos. Ela se mostrou empolgada e eu confessei que também estava bastante mexida. “Vocês trocaram os números de telefone também, né?!” Confirmei e ela ficou satisfeita. Quando nos separamos fiquei mais um tempo pensando... Ele se mostrou um pouco diferente do que eu imaginava... Era um riquinho, que bebia e fumava demais, que provavelmente já teve muitas mulheres, mas era muito mais... Num primeiro momento ele era muito inteligente, compartilhava de muitos gostos que eu tinha, e parecia trabalhador. Abri um sorriso. Mas eu não podia me iludir. Adormeci. Mas aquela noite foi intensa... Sonhei com aqueles lindos olhos verdes, que me encaravam tão profundamente, de uma forma que jamais me olharam. Estávamos num jardim repleto de lindas flores. Não falamos nada. Ficamos um tempo nos encarando, conversando apenas com os olhos. Então ele me pegou as minhas mãos e as beijou. Tocou numa mexa solta do meu cabelo e deslizou os dedos até o meu rosto. Aquele toque me fez arrepiar e sentir uma enorme emoção dentro do coração. Era uma sensação nova e tão intensa. Ele tocou os meus lábios e se aproximou de mim. Nossos olhos se encontraram, assim como nossos lábios... Então acordei com o despertador tocando.
            Adrian me mandou mensagem por cinco dias seguidos. Queria me ver, mas tinha viajado a negócios. Eu não entendia aquilo muito bem, mas à medida que conversávamos mais eu sentia vontade de conversar com ele.  Falávamos sobre tudo e eu me sentia muito a vontade. No começo eu pensava que ele não iria querer me ver, depois de recusar aquela carona. Mais uma vez criei ideias erradas. Ele era muito mais do que imaginava. Tinha muitos defeitos e os que mais me incomodavam eram a bebida e o cigarro. Mas não posso mudar as pessoas. Voltando de viagem ele me telefonou e me convidou para jantar. Aceitei. Eu queria vê-lo, falar com ele e quem sabe sentir de novo aquele beijo. Eu só pensava naquele beijo e no sonho. Eu pensava nele e sorria sozinha. Muitas vezes Marília me cutucou porque eu estava perdida em alguma coisa. Eu estava perdida naquele perfume, naqueles olhos, naquele sorriso... Eu estava me apaixonando... Hoje posso falar, mas naquele momento eu me recusava a aceitar. Tudo que eu não acreditava estava preenchendo a minha vida.
            Um dia, depois de me encontrar com ele, minha amiga me pegou encostada na parede suspirando e sorrindo. Chamou-me várias vezes, até aumentar a voz. “Eu amo Adrian. Eu o amo.” Eu disse e ela sorriu. Chorei de emoção. Eu nunca tinha dito aquilo. Eu nunca amei um homem antes. “Ele é o amor da minha vida”. Novamente um sorriso da minha amiga. “Já falou isso pra ele?” Balancei a cabeça. E naquele momento eu percebi que precisava falar. De que adianta amar se eu não puder assumir isso pra ele, ainda mais depois dele falar que me amava. Sei que amor são mais atitudes do que palavras, mas eu precisava falar. Ele precisava saber de mim. Desci correndo as escadas do prédio onde morávamos. Ele não estava mais em frente ao prédio. Peguei um táxi e fui até o apartamento dele. Encontrei com ele na recepção do prédio. Sai correndo e cai no chão. Algumas pessoas me olhavam e ele se virou. Veio correndo pra me ajudar. Antes que ele pudesse me levantar, agarrei o seu rosto e lhe dei um beijo. “Eu te amo.” E finalmente eu disse. Não sei se as pessoas escutaram, mas eu não me importei. Eu o amava. “Eu te amo e não me importo de passar vergonha”, disse novamente. Ele sorriu e me levantou. “Eu também te amo.”
            Agora, três anos depois, ainda o amo. Só que o amo mais. Um amor tão intenso como antes, mas mais maduro. Crescemos juntos e conseguimos nos entender. Descobri que Adrian gostava mesmo de conhecer muitas mulheres, mas depois que me conheceu tudo mudou. “A vida ganhou um novo sentido. E se eu tenho você, não preciso de nenhuma outra.”, ele me disse uma vez. Ele melhorou em relação à bebida também. Ele bebia muito por causa da ansiedade, mas passou a ir ao médico e hoje está bem mais tranquilo. Os cigarros... ah, ainda fuma. Posso conviver com isso. Pelo menos a quantidade diminuiu. Ele vive falando que vai parar. Se ele realmente quiser, vou ajudá-lo. Aos poucos ele vai conseguir. Ele é o homem mais forte que já conheci. E lindo, sexy, charmoso, inteligente, carinhoso, fiel, leal, maravilhoso... Às vezes me pergunto se mereço isso, se mereço ele. Daqui a alguns minutos vamos nos casar... Estou me sentindo a mulher mais feliz do mundo por ter o amor da minha vida ao meu lado. Entendemos-nos, confiamos um no outro, nos amamos... Eu não acredito como eu era boba. O amor existe sim! Sinto novamente o perfume do bilhete que ele me mandou e tenho que conter as lágrimas. Não posso chorar agora. Tenho que ir me casar.

“Meu amor,
Você ainda tem tempo de fugir de mim, mas espero que não faça isso. Eu te amo e quero que você seja a minha esposa. Quero ser o seu marido e estar ao seu lado sempre. E acredite em mim, sempre vou estar com você. Desde aquela noite, em que te conheci, sabia que você seria alguém especial na minha vida. Não sabia que seria a pessoa mais importante pra mim, mas eu deveria ter entendido isso de cara, quando tive um sonho naquela noite... Não te contei isso. Mas eu sonhei com você. Sonhei com os seus olhos, com o seu sorriso, com o seu toque, com o seu cheiro... Mais tarde te conto os detalhes. Esqueça o que eu disse antes, não fuja. Te espero. E te amo pra sempre!
O sempre seu,

Adrian.”

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