Amor de mãe
Eu sempre tive grandes sonhos e
planos pra minha vida. Confesso que muitos dos meus planos não acabaram do
jeito que eu imaginava. Mas agora consigo enxergar que acabaram do jeito que
deveria ser. Ainda tenho muitos sonhos para viver, muitas coisas pra construir.
Porque a cada novo dia é um passo (ou passos) em direção aquilo que eu desejo. Vencer
não quer dizer que tenha sido fácil, nem difícil. Tudo depende da extensão do
sonho e da força de vontade para correr atrás. E em cada caminho me deparei com
desafios, mas também me deparei com pessoas que me ajudaram e algumas que tentou
me fazer desistir. No final, descobri que a pessoa que poderia fazer eu
realmente desistir era eu mesma. Felizmente, isso não aconteceu e hoje vivo a
maior emoção da minha vida.
Nos meus 28 anos de vida, ressalto
três grandes sonhos. E em cada um deles tive a presença de minha mãe, a exigente
e companheira Carmem. Outras pessoas surgiram, claro, mas a presença dela em
minha vida é como uma luz, que nunca deixou meu caminho se apagar. Sou filha
única e talvez por isso tenha vivido sempre sob os olhares atentos da minha
mãe. Ouve momentos que eu me senti realmente sufocada. A super proteção da
minha mãe era e ainda é tão intensa, que por vezes eu ficava muito chateada.
Diversas ligações por dia, cobranças das mais loucas... Enfim, como uma típica
adolescente eu ficava emburrada e não queria muito papo. Eu nunca entendi
aquilo, parecia exagero (e talvez seja um pouco).
Pensando
na minha adolescência, há o primeiro sonho. Aos 14 anos decidi o que eu gostaria
de fazer na minha vida profissional. Desde muito pequena eu já gostava muito de
desenhar. Mais tarde, esse gostar se transformou em paixão. Certo dia, arrumando
uma caixa de papelão, que tinha um monte de bagunças minhas, encontrei cadernos
velhos. Nesses cadernos encontrei diversos desenhos de casas e jardins. Sorri
de alegria e emoção. A televisão ligada tirou a minha atenção dos cadernos.
Estava passando uma novela. Até aí tudo bem. O dialogo entre duas jovens me
fazia dar gargalhadas. Mas o que realmente chamou minha atenção foi a casa onde
elas estavam. Olhei para a televisão, olhei para os meus desenhos. Dei mais uma
gargalhada. Desenhos de criança, mas com traços tão intensos. Uma emoção tomou
conta de mim. Eu senti ali, naquele momento, em que queria continuar desenhando,
mas com mais maturidade. Eu queria fazer os meus desenhos ganharem vida e
forma. Queria que aquela delicada casa azul, repleta de jardins e detalhes,
fosse real. Aquele dia eu decidi que seria Arquiteta.
Repleta
de emoção e segurança eu contei para a minha mãe. Com calma, ela sorriu e disse
que não seria fácil. Meus pais não estudaram muitos anos, por falta de grandes
oportunidades e dinheiro. “Fico feliz, Alice, que você tenha um sonho. É
difícil, você sabe. Não temos muitas condições. Mas há grandes universidades
federais e você é muito inteligente. Vai conseguir.” A parte do “difícil” me
tocou e por um momento pensei que seria impossível conseguir. Havia tantas outras
pessoas com o mesmo sonho que eu... Um minuto depois, olhei para minha mãe, que
aguardava que eu falasse alguma outra coisa. Ela lavava roupa, após chegar do
trabalho e parecia cansada, muito cansada. Esqueci o “difícil” e agarrei ao “vai
conseguir”. Uma esperança tomou conta do meu coração. Eu estava decidida. Iria
fazer Arquitetura numa universidade federal. Naquele mesmo dia eu queria ir à
casa de uma amiga. Seria dia de festa do pijama. “Pode ir, mas volte cedo
amanhã. Não esqueça o pijama, a escova... E não vá para outro lugar. Ah, e
cuidado com o que vocês vão fazer lá. Seja uma boa menina...” E ela continuou
falando e falando... Achava desnecessárias tantas recomendações. Eu era uma boa
menina.
Três
anos depois, passei no vestibular de Arquitetura e Urbanismo. Foi uma alegria
enorme. Meu sonho estava começando a se realizar. Duas amigas também passaram e
juntas fomos comemorar. “Se cuida e não chega tarde. Não beba nenhuma bebida alcoólica.
Seja uma boa menina...” E isso era só o começo. A Dona Carmem era ótima pra
fazer recomendações. E eu sempre achei um exagero. Era só pizza, não bebia, e continuava
sendo uma boa menina. Mesmo sendo uma universidade federal eu tinha grandes
gastos. A passagem do ônibus, almoço, lanches, apostilas... Enfim, não foi
fácil. Mas minha mãe e meu pai continuaram me dando força e apertando o orçamento
para me ajudar. Depois de certo tempo comecei a participar de um projeto e
ganhei uma bolsa, o que nos ajudou muito. Mas eles continuavam ali, me ajudando
em tudo. Formei. Meu sonho tinha se realizado. Todo esforço, tudo valeu a pena.
“Parabéns, minha filha. Sabia que você ia conseguir. Você merece.” E mais uma
vez ela estava ali (meu pai também) para me dar apoio. Logo depois da faculdade
tentei alguns trabalhos. Fazer parte de um projeto na universidade me ajudou
bastante. Surgiram duas oportunidades de emprego. Um na minha cidade e um numa
cidade mais longe. Na minha cidade eu ganharia bem menos. Na outra cidade eu
teria a oportunidade de realizar o segundo sonho.
Por
meus pais eu deveria aceitar o emprego na minha cidade e ficar perto deles. Mas
eu queria mudar, conhecer um novo lugar e novas pessoas. Ser independente.
Depois de ouvir horas de recomendações, aceitei o emprego na outra cidade. Mudar-me
fazia parte de um sonho maior, de um grande plano. O meu sonho era de conhecer
o mundo, ou parte dele. Conhecer todos os países da terra é meio complicado.
Mas eu queria independência e viajar para outro país. Meu plano era trabalhar,
economizar bastante e viajar depois de um ano, nas minhas primeiras férias. Minha
mãe me ligava quatro vezes por dia. “Queria saber se você estava bem. Tem que
dar notícias... Aí é tão perigoso... Seja uma boa menina...” Aquela mesma conversa
de sempre, as mesmas recomendações. Novamente um exagero. Nesse meio tempo meu
pai aposentou. O dinheiro era menor do que o que ele ganhava. Minha mãe teve um
problema na coluna e teve que mudar de emprego, um que era meio horário e
ganhava bem menos. Preocupada com eles, eu sempre os visitava nos finais de
semana. Quase um ano depois, eu consegui economizar. Tinha um bom dinheiro. Infelizmente
a empresa faliu. Não entendi aquilo. Mas enfim, eu não poderia viajar. O
dinheiro seria para me manter alguns meses, enquanto procurava um novo emprego.
E o sonho teve que esperar. “Não se preocupe, tudo tem o momento certo.” Minha
mãe dizia. Mas naquele momento as palavras não ajudavam muito. Eu estava muito
chateada.
Alguns
meses depois, consegui um novo emprego. Eu deveria esperar mais um ano para
realizar o meu sonho. No primeiro dia de trabalho meu mundo parou. Minha cabeça
girava, meus olhos brilhavam... Encontrei ali o amor da minha vida. Nicolas, o
gerente financeiro da construtora. Eu estava encantava, meu coração vivia
disparado. Mas pensava que ele não era pra mim. Como um cara daqueles iria se
interessar por mim? Ele parecia tão inacessível. Começaram surgir na minha
cabeça ideias de muito romance e até casamento. Eu já tinha tido um namorado, mas
nunca pensei em casamento. Aquilo era novidade. Sosseguei um pouco. Mas
continuei encantava com o cara impossível. Uma semana depois, fiquei depois do
meu horário na construtora. Eu estava juntando minhas coisas para ir embora,
aquilo parecia abandonado e fiquei com medo. Ouvi um barulho e dei um grito. “Desculpa.
Te assustei? Pensei que não tinha mais ninguém. Eu sou o Nicolas e você é
novata.” Sorri com vergonha. “Só assustei um pouco. Eu sou a Alice.” Eu estava
nervosa e com muita vergonha. Aqueles olhos, aquele cabelo... Eu estava
apaixonada. “Não tivemos a oportunidade de nos conhecer antes, mas já tinha te
visto. Seja bem vinda. Quer uma carona?” No inicio eu tive dúvidas, comecei a
pensar um tanto de besteiras. Ouvia a voz da minha mãe na minha cabeça me dizendo
pra ter cuidado. Depois de uns minutos resolvi aceitar. Ele estava a bastante
tempo na construtora, devia ser confiável. Poderia não ser também. Por sorte,
ele foi super gentil e deu tudo certo. Começamos a sair. E a cada dia eu estava
mais apaixonada. Começamos a namorar. Eu o amava e ele dizia me amar. Conheceu
os meus pais. Minha mãe, ótima em interrogatórios me deixou um pouco
envergonhada com a quantidade de perguntas. Nicolas pareceu não se importar.
Quando conheci os pais dele descobri que a mãe dele era do mesmo jeito. Dois
anos depois eu estava realizando o meu segundo e terceiro sonhos. Casamo-nos e
foi perfeito. Lua de mel na Itália. Eu começava a conhecer o mundo com o amor
da minha vida.
Hoje
reconheço o valor daquela frase que a minha mãe me disse. “Não se preocupe,
tudo tem o momento certo.” E tem mesmo. Eu fiquei meses chateada por não
viajar, mas o destino me colocou em novos caminhos. Encontrei o amor da minha
vida. Descobri um novo sonho. Realizei dois sonhos simultaneamente. Nisso tudo
estava a força da minha mãe, que apesar de não gostar que eu fique longe, me
incentivou a continuar buscando aquilo que eu queria. Eu amo minha mãe. Amo
minha família. Hoje o dia amanheceu mais intenso. Nicolas e eu estamos indo para
a casa dos meus pais, porque amanhã é dia das mães. Nosso plano é jantar lá e
amanhã tomar um café bem especial. Voltamos antes do almoço e almoçamos com a
minha sogra. Ano passado fizemos o contrário. Preferimos manter assim, pra
agradar as duas famílias. Eles entendem e tudo dá certo.
Mas
a emoção que me preenche vai aumentando. Não vejo a hora de conversar com a
minha mãe. Sei que ela vai chorar. Hoje, mais do que nunca, entendo a Dona
Carmem. Uma mulher forte, trabalhadora, super protetora, exigente e amorosa. Sempre
foi difícil entender o porquê de tanto cuidado, às vezes exagerado, que me
deixava um pouco irritada. Mas muitas mães são assim, cada uma do seu jeito. Elas
só desejam ver seus filhos bem, saudáveis e felizes. Para nós filhos, é difícil,
principalmente quando adolescentes. Aos poucos vamos entendendo... Avisto os
meus pais. Já estou chorando, de novo. Nicolas aperta a minha mão e me dá um
beijo. Ele está tão emocionado quando eu. Estamos inundando felicidade. Cumprimentamos
meus pais e eles nos convidam para entrar.
-
O que foi Alice? Por que está chorando? – Minha mãe está preocupada. Ela olha
para Nicolas e ele sorri emocionado.
-
Vocês vão ser avós. – Digo e nós quatro nos abraçamos.
Junto da minha família,
compartilhando a minha felicidade e ansiedade, posso me ver no futuro. Hoje,
ainda no começo da gravidez, já me sinto diferente, pronta pra proteger o meu
filho de tudo. Sei que a cada dia esse sentimento só vai crescer, o desejo de
cuidar, de proteger, de defender de tudo e todos. Com o amor não é diferente.
Já amo demais esse bebê e penso que nunca poderia amar mais, mas estou
enganada. O amor só vai crescer, junto com todos os outros sentimentos de mãe.
Porque esse bebê é o meu tesouro, é o meu presente, e tudo que eu fizer ainda
não vai ser o suficiente. Vou errar, vou deixá-lo irritado, mas vou aprender,
vou tentar melhorar. E sempre vou ter a minha mãe comigo, que vai continuar me
ajudando e me dando força. Hoje o meu sonho é ver o meu bebê crescer. O meu
sonho é vê-lo saudável, forte, sonhador e amado. Meu sonho é ser uma boa mãe,
assim como a minha mãe é.
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E você vai ser uma ótima mãe, porque você sempre foi uma boa menina.
- Te amo, mãe.
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