quinta-feira, 4 de maio de 2017

O meu aniversário

            Vai chegando o dia do meu aniversário e eu vou ficando estranha (mais do que eu já sou). Passam muitas coisas na minha cabeça... Eu começo a relembrar de histórias passadas, coisas muitas vezes que não merecem serem lembradas. Mas não consigo controlar... E ainda fico pensando em quem me tornei, quem eu queria ser e imaginando como vai ser o futuro. Eu sempre me preocupei com o futuro, com as coisas que eu poderia fazer da minha vida. Então, quando vai chegando o “meu dia” eu fico mais sensível e começo a me criticar. Não é bom, eu sei. Hoje, por exemplo, acordei me lembrando do meu aniversário de 15 anos. Na época meus pais não tinham condições de fazer uma festa grande, com vestido rodado e todas aquelas coisas. Fiquei chateada, claro, eu tinha sonhos. Mas eu entendi. Eles me fizeram um bolo e ganhei uma câmera. Fiquei muito feliz. Eu sempre fui a filha calma, tímida, a que aceita tudo. Eu tenho o péssimo hábito de guardar tudo pra mim. Se eu falasse mais o que sinto, talvez hoje estivesse pensando em outras coisas e não nos sonhos perdidos. Não tinha jeito de ser diferente, isso eu sei. Mas se eu tivesse, pelo menos, chorado... Se eu tivesse me aberto com alguém, tudo seria mais fácil. Parece besteira, mas pra uma adolescente cheia de sonhos e ideias na cabeça, era tudo. Não fiquei ressentida, como eu disse, eu entendi. Mas todos os anos é a mesma coisa, algumas coisas surgem na minha cabeça pra me fazer ficar pensando demais.
            Hoje também, depois que a imagem do meu aniversário de 15 anos desapareceu, eu fiquei pensando na carreira que eu escolhi pra minha vida. Dois anos de formada em Letras. Dois anos me dedicando a leitura de diversos manuscritos, ajudando a dar uma nova cara a literatura brasileira. Eu amo o meu trabalho. Ler tantos jovens aspirantes a literatura é gostoso demais. Lá na editora me deparo com trabalhos realmente incríveis e outros nem tantos assim. Eu gosto de escrever, mas não tenho aquele potencial... Não acho que poderia fazer alguém chorar lendo um texto meu, como aconteceu comigo semana passada ao ler um novo manuscrito. Apesar de amar o que eu faço (também trabalho com traduções), eu me recordo de como eu amava dançar... Eu rodopiava, imitava as artistas e me divertia demais... Eu ainda amo dançar, mas não faço isso com frequência mais. Como eu disse, sou tímida. Pra eu dançar em público, tem que ter um pouco de álcool no meu sangue. Mas o que eu realmente estava pensando é que eu falava que iria ser artista, que iria ser uma grande dançarina e atriz. Eu assistia à televisão o dia todo e era apaixonada por novelas. Eu queria ser como aquelas moças, que poderiam ser tudo. A cada novela, um novo personagem. Mas eu sou tímida (era muito mais) e atuar requer, pelo menos, um pouco de desenvoltura e liberdade com o próprio corpo. Não tenho liberdade com o meu corpo em público. Enfim, segui outros ideais. De certa forma segui a minha ideia de deparar com diversas vidas, principalmente nos trabalhos de tradução que eu faço. Pra traduzir eu tenho que dar vida, novamente, aos personagens. Mesmo pensando demais no que eu queria e eu não puder ser, eu amo o que sou hoje.
            Eu sou mesmo uma louca confusa. Começo criando problemas com alguma coisa que passou e depois já estou conformada e, às vezes me resolvendo. Sou assim, e esses dias estou muito mais “assim”. Já falei que sou estranha? E sou estranha na vida amorosa também... Pensar em aniversário, também me faz pensar no meu ex-namorado e primeiro amor. Amanhã faço 25 anos. Há quatro anos, no meu aniversário de 21, o meu ex fez uma surpresa maravilhosa. Viajamos juntos, pela primeira vez. Ele organizou um jantar maravilhoso, a luz de velas. Parecia coisa de filme. E ali tivemos a nossa primeira vez.  Foi lindo. Não me arrependo dessa parte da minha vida, não mais. Depois que terminamos fiquei tão mal que só conseguia odiar tudo o que vivemos, inclusive a nossa primeira viagem. Foi questão de tempo. Bastante tempo, no meu caso. Eu o amava demais. Ano passado ele se casou. Mexeu um pouco comigo. Alguns dias depois, eu já conseguia lidar melhor com isso. Em respeito à nossa história, que foi maravilhosa, e ao grande amor que sentíamos um pelo outro, eu agora só quero o bem dele. Ele está feliz e eu consigo ficar feliz com isso. Infelizmente não tive e não tenho um novo amor. Estou travada. Estou dura com o meu coração. Isso tudo porque crio expectativas demais.
            Sonho em viver um grande amor. Sonho em conhecer uma pessoa que vai me deixar sem palavras, que vai fazer o meu coração disparar, que só de pensar vai fazer todos os meus pelos arrepiarem. Sonho com uma pessoa que olhe dentro dos meus olhos e seja capaz de dizer muito mais do que poderia ser dito em palavras. Sonho com uma pessoa que me ame apenas por ser eu, independente dos inúmeros defeitos que eu tenho. Sonho com uma pessoa que me abrace com força e não precise falar nada, porque eu vou saber que está ali comigo. Sonho com uma pessoa que seja ela mesma, uma pessoa que eu vou amar em todos os momentos e de todos os jeitos. Sonho com um amor leal, verdadeiro e recíproco. Sonho demais...
            Olho para o céu e vejo a noite indo embora, dando espaço para um novo dia. O meu dia. Não dormi muito bem. Tive muitos sonhos, sonhos que me perturbam. Minhas amigas estão preparando alguma coisa para a noite. Mas confesso que não estou tão animada. Só com os presentes. Eu amo ganhar presentes materiais. Sei que devia dar valor as outras coisas, e eu dou. Amo tudo o que a minha família e os meus amigos são pra mim. Eles são a minha força, são a minha paz. Mas eu realmente amo ganhar presentes. Não precisa ser nada chique, caro. Não mesmo. Pra isso eu não ligo. Ano passado ganhei um porta retratos enorme com uma foto meio feia com as minhas amigas e eu. Apesar de feias e suadas na foto, eu acho lindo aquele presente. Acordo todos os dias, olho para o lado e me deparo com nós três rindo de alguma coisa. Isso enche meu coração de amor e me faz lembrar o que realmente importa na vida. Ah, mas também fico emocionada quando ganho livros. Eu amo livros. Não há erro. Não sou uma pessoa difícil de dar presentes. E já estou curiosa pra saber o que elas vão me dar hoje... Mas antes, tenho muitas coisas pra fazer. Vou aproveitar que “acordei” mais cedo e ir correr, porque tem muito tempo que não faço isso.
            Felizmente o dia de hoje está frio. Correr com o sol quente é péssimo. Eu já não gosto muito de correr... Isso me faz rir. Todas as noites eu digo que vou correr no dia seguinte. Mas no mês passado devo ter corrido, no máximo, umas cinco vezes. Sou muito preguiçosa. Não queria ser assim... Vou mudar. Não vou prometer nada, mas vou usar toda a minha força de vontade pra fazer diferente. Preciso fazer mais exercícios físicos, preciso mesmo... Preciso tantas coisas... Melhorar a minha alimentação, ligar para amigos perdidos, organizar o meu quarto que está uma bagunça... Muitas coisas... Ah! Nunca reparei que tem uma feira de orgânicos na praça. Vou começar a mudar hoje. Já corri cinco quilômetros. Estou suada e muito cansada. Agora posso comprar algumas verduras. Vou melhorar a minha vida... Quanta variedade!
- Bom dia! Senhor, vou querer esse brócolis aqui, por favor... Ah, e esses pepinos, esses tomates, a couve-flor... – Falo com o senhor de uma barraca. Ele tem tantas opções.
- Bom dia! Pra já, senhorita. É um prazer tê-la aqui. Meu nome é Valter. – Que senhor simpático. Preciso vim aqui mais vezes.
            Converso com o Sr. Valter. Ele mesmo que planta tudo na casa dele. Conheço outros produtores e dá uma alegria conhecer tantas pessoas de bem com a vida, tantas pessoas iluminadas. Eu, com certeza, vou voltar aqui semana que vem. Estou carregada de sacolas. Comprei muitas verduras, frutas e legumes. Estou suada, carregando um tanto de sacolas pessoas e estou feliz. Olho para o céu, o sol acabou de sair, mas não está quente. Está tímido, como eu. Dou uma gargalhada.
- Aiii... – Bati em alguém e cai no chão. Mas não consigo parar de dar risadas.
- Você está bem? – Uma voz grossa e encantadora fala comigo. Olho para o homem misterioso e não enxergo direito. O sol está atrapalhando. Eu balanço a cabeça e ele me ajuda a levantar do chão. – Foi um tombo e tanto.
- Desculpa. Eu estava distraída. – Dou um sorriso e encaro aquele homem lindo. Nossa! Ele está me encarando também. Parece que estamos conversando com o olhar. Estou encantada.
- Você estava sorrindo para o céu. Algum motivo especial?
- Ah, eu estava apenas admirando o dia. Está lindo... – Ele sorri pra mim e nós dois olhamos para o céu.
- Realmente está muito lindo... Tão lindo quanto o seu sorriso. – Nos olhamos e eu fiquei mais tímida. Sou assim. Não é todo dia que alguém me elogia com carinho. – E o sorriso tímido também é lindo... Desculpa. Meu nome é Fernando.
- Obrigada. Não precisa se desculpar. Eu sou meio tímida mesmo. E estou encantada com os seus olhos... Sou a Helen. 
            Conversamos um pouco e eu estou completamente envolvida pelo Fernando. Como pode? Amor a primeira vista existe? Só sei que não estou com sentimentos e sensações normais. Não para de sorrir. Não paro de pensar em como a vida pode ser linda. Ele é um amor, ele é um cavalheiro, ele é lindo, ele é inteligente... Que homem! E me olha daquele jeito, com muito respeito e verdadeira admiração... Trocamos nossos telefones. Acho que dessa vez vai ser diferente... Eu sinto, eu sei que vai. E não é que estou gostando do meu aniversário... 
               

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