O meu aniversário
Vai chegando o dia do meu
aniversário e eu vou ficando estranha (mais do que eu já sou). Passam muitas
coisas na minha cabeça... Eu começo a relembrar de histórias passadas, coisas
muitas vezes que não merecem serem lembradas. Mas não consigo controlar... E
ainda fico pensando em quem me tornei, quem eu queria ser e imaginando como vai
ser o futuro. Eu sempre me preocupei com o futuro, com as coisas que eu poderia
fazer da minha vida. Então, quando vai chegando o “meu dia” eu fico mais
sensível e começo a me criticar. Não é bom, eu sei. Hoje, por exemplo, acordei me
lembrando do meu aniversário de 15 anos. Na época meus pais não tinham
condições de fazer uma festa grande, com vestido rodado e todas aquelas coisas.
Fiquei chateada, claro, eu tinha sonhos. Mas eu entendi. Eles me fizeram um
bolo e ganhei uma câmera. Fiquei muito feliz. Eu sempre fui a filha calma,
tímida, a que aceita tudo. Eu tenho o péssimo hábito de guardar tudo pra mim.
Se eu falasse mais o que sinto, talvez hoje estivesse pensando em outras coisas
e não nos sonhos perdidos. Não tinha jeito de ser diferente, isso eu sei. Mas
se eu tivesse, pelo menos, chorado... Se eu tivesse me aberto com alguém, tudo
seria mais fácil. Parece besteira, mas pra uma adolescente cheia de sonhos e
ideias na cabeça, era tudo. Não fiquei ressentida, como eu disse, eu entendi.
Mas todos os anos é a mesma coisa, algumas coisas surgem na minha cabeça pra me
fazer ficar pensando demais.
Hoje também, depois que a imagem do
meu aniversário de 15 anos desapareceu, eu fiquei pensando na carreira que eu
escolhi pra minha vida. Dois anos de formada em Letras. Dois anos me dedicando
a leitura de diversos manuscritos, ajudando a dar uma nova cara a literatura
brasileira. Eu amo o meu trabalho. Ler tantos jovens aspirantes a literatura é
gostoso demais. Lá na editora me deparo com trabalhos realmente incríveis e
outros nem tantos assim. Eu gosto de escrever, mas não tenho aquele
potencial... Não acho que poderia fazer alguém chorar lendo um texto meu, como
aconteceu comigo semana passada ao ler um novo manuscrito. Apesar de amar o que
eu faço (também trabalho com traduções), eu me recordo de como eu amava
dançar... Eu rodopiava, imitava as artistas e me divertia demais... Eu ainda
amo dançar, mas não faço isso com frequência mais. Como eu disse, sou tímida.
Pra eu dançar em público, tem que ter um pouco de álcool no meu sangue. Mas o
que eu realmente estava pensando é que eu falava que iria ser artista, que iria
ser uma grande dançarina e atriz. Eu assistia à televisão o dia todo e era
apaixonada por novelas. Eu queria ser como aquelas moças, que poderiam ser tudo.
A cada novela, um novo personagem. Mas eu sou tímida (era muito mais) e atuar
requer, pelo menos, um pouco de desenvoltura e liberdade com o próprio corpo.
Não tenho liberdade com o meu corpo em público. Enfim, segui outros ideais. De
certa forma segui a minha ideia de deparar com diversas vidas, principalmente
nos trabalhos de tradução que eu faço. Pra traduzir eu tenho que dar vida,
novamente, aos personagens. Mesmo pensando demais no que eu queria e eu não
puder ser, eu amo o que sou hoje.
Eu sou mesmo uma louca confusa.
Começo criando problemas com alguma coisa que passou e depois já estou conformada
e, às vezes me resolvendo. Sou assim, e esses dias estou muito mais “assim”. Já
falei que sou estranha? E sou estranha na vida amorosa também... Pensar em
aniversário, também me faz pensar no meu ex-namorado e primeiro amor. Amanhã
faço 25 anos. Há quatro anos, no meu aniversário de 21, o meu ex fez uma
surpresa maravilhosa. Viajamos juntos, pela primeira vez. Ele organizou um
jantar maravilhoso, a luz de velas. Parecia coisa de filme. E ali tivemos a
nossa primeira vez. Foi lindo. Não me
arrependo dessa parte da minha vida, não mais. Depois que terminamos fiquei tão
mal que só conseguia odiar tudo o que vivemos, inclusive a nossa primeira
viagem. Foi questão de tempo. Bastante tempo, no meu caso. Eu o amava demais.
Ano passado ele se casou. Mexeu um pouco comigo. Alguns dias depois, eu já
conseguia lidar melhor com isso. Em respeito à nossa história, que foi
maravilhosa, e ao grande amor que sentíamos um pelo outro, eu agora só quero o
bem dele. Ele está feliz e eu consigo ficar feliz com isso. Infelizmente não
tive e não tenho um novo amor. Estou travada. Estou dura com o meu coração.
Isso tudo porque crio expectativas demais.
Sonho em viver um grande amor. Sonho
em conhecer uma pessoa que vai me deixar sem palavras, que vai fazer o meu
coração disparar, que só de pensar vai fazer todos os meus pelos arrepiarem.
Sonho com uma pessoa que olhe dentro dos meus olhos e seja capaz de dizer muito
mais do que poderia ser dito em palavras. Sonho com uma pessoa que me ame
apenas por ser eu, independente dos inúmeros defeitos que eu tenho. Sonho com
uma pessoa que me abrace com força e não precise falar nada, porque eu vou
saber que está ali comigo. Sonho com uma pessoa que seja ela mesma, uma pessoa
que eu vou amar em todos os momentos e de todos os jeitos. Sonho com um amor
leal, verdadeiro e recíproco. Sonho demais...
Olho para o céu e vejo a noite indo
embora, dando espaço para um novo dia. O meu dia. Não dormi muito bem. Tive
muitos sonhos, sonhos que me perturbam. Minhas amigas estão preparando alguma
coisa para a noite. Mas confesso que não estou tão animada. Só com os
presentes. Eu amo ganhar presentes materiais. Sei que devia dar valor as outras
coisas, e eu dou. Amo tudo o que a minha família e os meus amigos são pra mim.
Eles são a minha força, são a minha paz. Mas eu realmente amo ganhar presentes.
Não precisa ser nada chique, caro. Não mesmo. Pra isso eu não ligo. Ano passado
ganhei um porta retratos enorme com uma foto meio feia com as minhas amigas e
eu. Apesar de feias e suadas na foto, eu acho lindo aquele presente. Acordo
todos os dias, olho para o lado e me deparo com nós três rindo de alguma coisa.
Isso enche meu coração de amor e me faz lembrar o que realmente importa na
vida. Ah, mas também fico emocionada quando ganho livros. Eu amo livros. Não há
erro. Não sou uma pessoa difícil de dar presentes. E já estou curiosa pra saber
o que elas vão me dar hoje... Mas antes, tenho muitas coisas pra fazer. Vou
aproveitar que “acordei” mais cedo e ir correr, porque tem muito tempo que não
faço isso.
Felizmente o dia de hoje está frio.
Correr com o sol quente é péssimo. Eu já não gosto muito de correr... Isso me
faz rir. Todas as noites eu digo que vou correr no dia seguinte. Mas no mês
passado devo ter corrido, no máximo, umas cinco vezes. Sou muito preguiçosa.
Não queria ser assim... Vou mudar. Não vou prometer nada, mas vou usar toda a
minha força de vontade pra fazer diferente. Preciso fazer mais exercícios
físicos, preciso mesmo... Preciso tantas coisas... Melhorar a minha
alimentação, ligar para amigos perdidos, organizar o meu quarto que está uma
bagunça... Muitas coisas... Ah! Nunca reparei que tem uma feira de orgânicos na
praça. Vou começar a mudar hoje. Já corri cinco quilômetros. Estou suada e
muito cansada. Agora posso comprar algumas verduras. Vou melhorar a minha
vida... Quanta variedade!
-
Bom dia! Senhor, vou querer esse brócolis aqui, por favor... Ah, e esses pepinos,
esses tomates, a couve-flor... – Falo com o senhor de uma barraca. Ele tem
tantas opções.
-
Bom dia! Pra já, senhorita. É um prazer tê-la aqui. Meu nome é Valter. – Que senhor
simpático. Preciso vim aqui mais vezes.
Converso com o Sr. Valter. Ele mesmo
que planta tudo na casa dele. Conheço outros produtores e dá uma alegria
conhecer tantas pessoas de bem com a vida, tantas pessoas iluminadas. Eu, com
certeza, vou voltar aqui semana que vem. Estou carregada de sacolas. Comprei
muitas verduras, frutas e legumes. Estou suada, carregando um tanto de sacolas
pessoas e estou feliz. Olho para o céu, o sol acabou de sair, mas não está
quente. Está tímido, como eu. Dou uma gargalhada.
-
Aiii... – Bati em alguém e cai no chão. Mas não consigo parar de dar risadas.
-
Você está bem? – Uma voz grossa e encantadora fala comigo. Olho para o homem
misterioso e não enxergo direito. O sol está atrapalhando. Eu balanço a cabeça
e ele me ajuda a levantar do chão. – Foi um tombo e tanto.
-
Desculpa. Eu estava distraída. – Dou um sorriso e encaro aquele homem lindo.
Nossa! Ele está me encarando também. Parece que estamos conversando com o
olhar. Estou encantada.
-
Você estava sorrindo para o céu. Algum motivo especial?
-
Ah, eu estava apenas admirando o dia. Está lindo... – Ele sorri pra mim e nós
dois olhamos para o céu.
-
Realmente está muito lindo... Tão lindo quanto o seu sorriso. – Nos olhamos e
eu fiquei mais tímida. Sou assim. Não é todo dia que alguém me elogia com
carinho. – E o sorriso tímido também é lindo... Desculpa. Meu nome é Fernando.
-
Obrigada. Não precisa se desculpar. Eu sou meio tímida mesmo. E estou encantada
com os seus olhos... Sou a Helen.
Conversamos um pouco e eu estou completamente
envolvida pelo Fernando. Como pode? Amor a primeira vista existe? Só sei que
não estou com sentimentos e sensações normais. Não para de sorrir. Não paro de
pensar em como a vida pode ser linda. Ele é um amor, ele é um cavalheiro, ele é
lindo, ele é inteligente... Que homem! E me olha daquele jeito, com muito
respeito e verdadeira admiração... Trocamos nossos telefones. Acho que dessa
vez vai ser diferente... Eu sinto, eu sei que vai. E não é que estou gostando
do meu aniversário...
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