sábado, 20 de maio de 2017

Inimigos

- “Meu amor, você promete não deixar-me ir embora?”
- “Nunca.”
            Inúmeras vezes eu disse pra mim mesma que a vida é muito incerta e nada é pra sempre. Mesmo assim eu me esqueci de ser realista e fiquei apegada ao amor. Um amor doado e pouco correspondido. Para uma relação dar certo e continuar forte por muitos e muitos anos, deve haver reciprocidade. Uma pessoa sozinha não faz uma relação. Agora eu sei, depois de dois anos do dia em que eu fui embora da vida do meu Marcelo. Eu deveria saber assim que fiz aquela pergunta. Eu estava extremamente apaixonada e como medo de perder o meu amor. Ele não disse “eu prometo”, ele disse “nunca”. Mas a palavra “nunca” é muito forte pra ser usada. Na verdade, palavras não asseguram nada.
            Conheci o meu ex-namorado no casamento da minha prima, Paula. Nós nunca fomos muito próximas, por isso eu não conhecia o circulo de amizades dela. O Marcelo e ela trabalham juntos há muito tempo. Paula sabia que eu estava solteira e atacou de cupido. Até que não foi um trabalho difícil. Marcelo sempre foi muito agradável, bonito e inteligente. Gostei dele na hora e ele sempre dizia que se apaixonou por mim assim que me viu. Não duvido disso, pode mesmo ser verdade. Paixão não é a mesma coisa que amor. Quanto ao amor, não consigo acreditar que ele tenha me amado como eu o amei. De jeito nenhum.
            Marcelo e eu ficamos juntos três anos. Nem sei como eu consegui ficar esse tempo todo com ele. Sei sim. Como eu disse, ele é muito agradável. Esse tempo todo longe dele me ajudou a enxergar melhor o que foi o nosso relacionamento. Dois anos para entender que eu estava sozinha naquilo. Dois anos pra entender que eu não tinha amor. Dois anos para “curar” o meu coração. Hoje estou bem. Mas foram momentos muito difíceis. Várias vezes eu quis voltar, ligar, correr pra ele. Todos os dias foi uma luta. Eu consegui. Demorou, mas eu consegui. Não sei quanto a ele. Tenho um pouco de curiosidade, porque sou assim muito curiosa. Mas não passa de curiosidade. Sei que ele está solteiro e bem, porque a Paula me falou.
            Os primeiros meses de namoro eu estava encantada, apaixonada e começava a amá-lo. Ele era carinhoso e muito dedicado. Sempre trabalhou muito e eu entendia. O trabalho nunca foi um problema, hoje eu sei. Quando nós namorávamos, eu achava que o trabalho dele era nosso inimigo. Eu estava muito enganada. Ele tinha (deve ter ainda) um horário bem pesado. A responsabilidade dele na empresa era bem grande, porque ele é um dos gerentes. Mas não é o principal. O outro gerente, não lembro o nome, não ia a todas as viagens, porque não era necessário. Eles deviam revezar no trabalho. Mas o Marcelo estava obcecado, ia a todas as reuniões e em todas as viagens. Eu dizia pra ele relaxar, mas ele não concordava. Ele estava preocupado porque a empresa onde trabalha queria cortar gastos e ele queria manter o trabalho dele. Eu acabei entendendo. Até aí tudo bem. Um dia saímos junto a Paula e o marido dela. E ela acabou contando que estavam contratando mais pessoas na empresa e ainda estavam estudando uma cidade pra abrir uma filial. Num primeiro momento eu não entendi. O Marcelo falou que iriam demitir e a Paula disse que iriam contratar. Fiquei confusa, tinha alguma coisa errada.
- A situação da empresa está mesmo boa, Paula? – Eu a perguntei, quando ficamos sozinhas.
- Sim, Rebeca. Estamos muito felizes lá. Deve ter até alguma promoção. Acho que o Marcelo vai se dar bem, porque ele é muito amigo da chefa.
- Sério? Que bom. – Dei um sorriso pra esconder o quanto eu estava desconfiada. – Eu ainda não a conheci.
- Eles saem muito juntos pra jantar. Geralmente o outro gerente vai às reuniões em outras cidades e o Marcelo fica com a chefa resolvendo as coisas por aqui. Estranho vocês não se conhecerem ainda. – Depois que acabou de falar, ela percebeu a minha cara e entendeu tudo.
- Sim. – Balancei a cabeça.
- Desculpa, Rebeca. Eu não queria deixar você assim... – Ela também acabou ficando desconfiada.
- Tudo bem. Isso é bem estranho mesmo.
- Pode não ser nada. – Ela segurou a minha mão.
- E pode ser tudo...
            Mais tarde naquele dia, eu não aguentei. No inicio, o Marcelo tentou mudar o assunto. Eu não aceitei e ele confessou que saiu algumas vezes com ela. “Não é traição.”, ele disse. “Claro que é. Você ficou com outra mulher.” Finalmente ele assentiu e disse que foram apenas três vezes e era por causa do trabalho. Eu sabia que ele queria melhorar a posição dele no trabalho, mas não sabia que ele usaria uma pessoa pra isso. Fiquei chocada mais com o motivo do que com a traição em si. “Não vai repetir. Eu só quero você.” Sai da casa dele e fiquei uns dias pensando. Eu estava mesmo apaixonada. Ele não me procurou e eu pensei que não tinha feito isso porque eu pedi. Mas hoje sei que ele não se importava tanto. Eu não aguentei e perdoei a traição. Depois disso, ele tirou férias junto comigo e fomos viajar. Ficamos bem nesse mês sozinhos. Acho que ele não me traiu mais. Acho.
            Quanto mais eu estava eu o amava, menos ele se importava.
- Eu te amo. – Eu disse pela primeira vez pra ele.
- Eu também te amo. – Ele também disse pela primeira vez.
- Não precisa dizer só porque eu te disse. – Eu não queria forçar nada. Só disse que o amava porque eu realmente o amava.
- Não é isso. Gosto de estar com você e te amo. Afinal, são apenas palavras...
            Antes que eu pudesse refletir melhor, ele me beijou e tirou muita atenção daquelas palavras. Um tempo depois fiquei pensando naquelas palavras e fiquei sem entender. Agora que a minha mente está mais clara, eu entendo. Ele estava certo. São apenas palavras. Eu gostava de escutá-las sim. Escutar que alguém te ama faz bem. Mas faz mais bem ainda ver as atitudes que provam esse amor. Depois da traição fiquei incomodada com o trabalho dele, afinal ele ficou com a chefa. Mas para mostrar que estava comigo, o Marcelo me apresentou pra ela. Tentei ficar mais tranquila. Eu o amava e não pude deixar de apoiar ele, pois eu sabia do valor daquele trabalho na vida dele. O problema é que ele não tinha essa mesma consideração comigo. Nunca perguntava do meu trabalho, se eu gostava, nada. Ele só escutava sobre o meu trabalho quando eu falava pra ele. Mesmo assim, sei que ele não gostava de falar disso. Aí eu mudava de assunto, por exemplo, falando sobre coisas da vida dele. Então ficávamos bem. Tudo mudou quando ele finalmente aceitou sair comigo e alguns amigos do meu trabalho. Ele conheceu o meu amigo Léo e cismou com ele. Disse que nós éramos muito próximos... Isso é verdade. Léo e eu somos amigos há muitos anos, mas nunca passou disso.
- Esse cara está apaixonado por você.
- Não está não. Somos amigos, eu já te disse. – Eu realmente já tinha contado sobre a minha amizade com o Léo, mas ele não prestou atenção. Ele não prestava atenção em nada.
- Claro que está. Olha como ele te olha. Você não pode trabalhar com alguém assim... O que as pessoas vão pensar de mim? Não posso parecer corno. – Tive que fingir que não ouvi. Dei uma risada e mudei de assunto.
            Cheguei a pensar que o Marcelo estava brincando, mas ele falou sério. Não dei ideia pra não piorar a situação. Muitas outras vezes ele tentou evitar que eu saísse com o Léo e meus amigos do trabalho. Confesso que eu fiquei um tempo afastada dos meus amigos. “Eles são inimigos da nossa relação.”, Marcelo falava. E os meus amigos falavam que ele me controlava demais. Hoje eu sei que meus amigos nunca foram os inimigos. Tenho vergonha de lembrar o tanto de coisa que me privei por causa dele. E ele nunca se importou. Ele era possessivo. Eu era meio que um objeto pra ele. Alguém pra ele exibir e não para amar.
            Além da possessividade, falta de interesse por minhas coisas, o Marcelo também não gostava de ir à casa dos meus pais comigo. Ele falava que se sente pressionado na casa dele. Meus pais são como todos os pais, só querem o meu bem. Eu pensei que eles tinham assustado o Marcelo, falando de casamento ou coisa assim. Mas um dia conversei com a minha mãe e ela disse que nunca falou de casamento ou futuro com ele. Até porque eles me conhecem bem e sabem que eu prefiro conduzir as coisas sozinha. Meus pais confiam em mim. Eles não deviam ter confiado. Passei muito tempo enganada, amando sozinha, vivendo um namoro sozinha.
- Podíamos ir a praia nesse feriado, é tão perto. E eu quero ficar sozinha com você. – Eu sugeri.
- Não dá. Vou te levar naquela festa da empresa. As pessoas precisam ver que eu sou estável. Vai fazer bem pra mim.
- Podemos ir à praia no dia seguinte.
- Não dá, Rebeca. Quero ficar disponível, para o caso de precisarem de mim.
- Mas é feriado e te dispensaram.
- Não é assim que funciona.
            Novamente eu entendi e o apoiei. O trabalho tem valor demais. Mas eu estava me cansando. Eu servia apenas para as aparências. Uma vez ele ficou uma semana sem me ver. Nem me ligou. Todas as vezes que conversamos naquela semana fui eu quem ligou. Eu não fazia falta e comecei a perceber isso. Só que percebi tarde. Passei dias tristes, pensando o que eu tinha feito de errado. Fiquei brava e aceitei o convite dos meus amigos para viajar pra praia.
- Você não vai com eles. Se você quer relaxar, eu te deixo num SPA. Você não vai.
- Eu vou sim. São meus amigos, me convidaram e eu aceitei. – Eu fui firme.
- Se você for, não precisa voltar pra mim. Porque eu não aceito que você vá com eles.
            E foi assim que eu me libertei dele. Eu falei mais algumas coisas. Disse tudo que estava engasgado. Disse como eu me sentia sozinha, mesmo estando com ele. Ele apenas disse que eu estava “doida”. Não disse mais nada. Então eu soube que aquilo tinha acabado. Só que já tinha acabado há muito tempo, mas eu não enxergava. Hoje eu sei que não havia inimigos, porque o único inimigo da nossa relação sempre foi ele.
Hoje, dois anos sem ele, estou muito melhor. Sorrio mais, não me sinto pressionada, não tenho que me preocupar em fazer as coisas para agradar a alguém e nem deixo de fazer aquilo que me faz bem. Sai com outras pessoas, mas nada sério. Até as coisas no meu trabalho melhoraram. Falando nisso, estou chegando agora na empresa de publicidade onde trabalho.
- Bom dia, meus lindos! – Cumprimento os meus amigos.
- Bom dia, Beca. Você está mais linda que o normal. Está radiante. O que aconteceu? – Léo me questiona.
- Nada em especial. Mas foi uma madrugada produtiva com os meus pensamentos. Agora consigo enxergar o passado com clareza. Estou ótima. Estou muito bem... – Não preciso falar mais nada, ele me entendeu. O Léo sempre me entendeu tão bem...
- Fico muito feliz por você. Depois temos que conversar. – Aquele sorriso maravilhoso foi pra mim. Acho que o Marcelo estava certo. Quem sabe...

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