sexta-feira, 17 de março de 2017

A longo prazo

           Sabe aqueles amores confusos? Que te balançam, te enchem de dúvidas e causam noites de insônia? Heloísa estava vivendo um amor assim. Claro que ela não sabia que era amor. Na verdade ela não queria acreditar que era amor. Era mais fácil ignorar a realidade e seguir em frente. Tentar, porque aquilo estava consumindo muitas horas do seu dia. Ela sempre foi uma pessoa indecisa, complicada com as emoções. Talvez por isso nunca conseguiu namorar. Tinha medo das relações, tinha medo de se sentir presa. Às vezes se sentia fria, sem saber como expressar os seus sentimentos. Até com a família era complicado. Ela amava seus pais, seus irmãos e algumas outras pessoas. Mas tinha muita dificuldade em expressar isso. Não sabia agir e sentia falta de dar o seu carinho.
          Heloísa estava no último ano da faculdade de Medicina Veterinária. Estava muito feliz no curso, mas não via a hora de se formar e sair da cidade onde nasceu. Queria continuar estudando, mas queria fazer isso em outro lugar. Criar experiências novas, conhecer novas pessoas, conhecer a vida. Se sentia muito presa morando com os pais. Queria conhecer a “real” independência. Ela sabia que não seria fácil. Mas era o seu sonho conhecer o mundo e queria realizá-lo.
Há um ano antes ela conheceu Gabriel. Rapaz bonito, muito simpático e atencioso. Uma ótima pessoa para namorar e viver muitos dias de felicidade. Ao longo desse ano eles saíram algumas vezes. Nada muito sério, pelo menos não expressado. Heloísa gostava de conversar com ele e da forma como ele a tratava. Todos ao redor diziam como ele estava apaixonado. Mas era estranho. Ele era enrolado, não deixava nada muito claro. Heloísa também era enrolada. Muito enrolada. Não dava oportunidade para mais encontros. Ela gostava, mas não sabia se envolver. Eles saiam com outras pessoas, mas nada ia pra frente. Ao final desse ano eles voltaram a marcar um encontro. Heloísa tinha esperanças de que as coisas ficassem mais claras entre eles. Ela gostava dele, disso tinha certeza, mas não conseguia se abrir. Não entendia nada. Que garota complicada.
Eles ficaram surpresos com o tanto de coisas que não sabiam um do outro. Ela tinha acessos de alegria e confusão. Rolou um beijo e ela gostou. Mas não conseguia tirar da cabeça que eles eram bastante diferentes. Gabriel queria se formar, arrumar um emprego na cidade onde estava estudando e continuar ali. Não se via “voando alto”. Heloísa estava desanimada com isso. Algumas vezes ela enxergou no Gabriel a possibilidade de um relacionamento mais sério, mais duradouro. Mas então, surgiu essa conversa. Seu medo aumentou. Ela queria voar. Não se importava em namorar e seguir o seu sonho. Mas queria alguém para acompanhá-la. Mais confusões, mais dúvidas. Ela ficou triste. Pensou em desistir do sonho e dar uma chance para uma relação amorosa. Gabriel via tudo com maior serenidade e enxergava nela uma pessoa muito especial. Ele estava disposto a não deixá-la escapar dessa vez. Ao final da noite foi direto e disse que a amava.
Ela não conteve as lágrimas. Não sabia o que dizer. Gostava demais dele e não queria fazê-lo sofrer. Não sabia se sentia amor, paixão. Não sabia o que era aquilo. Conseguiu ser sincera e explicou que não sabia descrever seus sentimentos, que nunca soube abrir seu coração. “Eu gosto demais de você, Gabriel. Muito mesmo. Me sinto bem ao seu lado e já me imaginei ao seu lado.” Ele ficou animado com essa resposta e disse que a entendia. “Não precisa dizer que me ama. Eu espero o seu tempo. Mas dê uma oportunidade para nós. Há quase um ano ficamos nessa coisa enrolada. Eu quero ser o seu namorado.” Ela ficou alguns minutos pensando. Estava cheia de dúvidas. Estava com medo. “Eu gosto de estar com você. E não me imagino namorando outra pessoa. Só consigo imaginar isso com você. Mas tenho medo. A curto prazo vamos ficar bem, muito bem. A longo prazo vou me perder dos meus sonhos. Vou te culpar e não vamos ficar tão bem.” Gabriel ficou extremamente chateado. A amava demais. Resolveram deixar assim. Não namorariam, não sairiam mais.
Heloísa estava sofrendo, mas sabia que era a culpada. Gabriel estava sofrendo e se culpava. Algumas vezes ela tentou conversar com ele e se explicar melhor. Pediu desculpas, não queria que fosse assim. Mas não queria desistir de tudo que sonhou. Ele não a culpava e entendia o seu medo. Culpava a si mesmo por não ter coragem de seguir a sua amada. Os dois se sentiam culpados, não conseguiam deixar de pensar nisso. Se perdiam entre trabalhos finais de curso com o pensamento um no outro. Heloísa chegou a pensar que tinha feito a escolha errada. Lutava contra esses pensamentos dizendo que se sentiria muito pior se não seguisse o seu sonho. A formatura chegou... Heloísa conseguiu um emprego numa grande cidade e pode continuar estudando. Estava bem, estava vivendo o seu sonho. Finalmente teve o seu primeiro namorado, mas não durou muito tempo. Gabriel também arrumou um emprego e conheceu outra pessoa. Estavam felizes.
Hoje Heloísa tem uma grande clinica veterinária e um sítio onde leva animais abandonados para serem cuidados. Ela é feliz na companhia do seu filho Heitor, de 5 anos. Ela conheceu Heitor, o pai do seu filho, dois anos depois de se mudar. Foi amor a primeira vista. Pela primeira vez conseguiu dizer “eu te amo”. Eles namoraram por três anos e ficaram noivos. Ela vivia um grande amor. Viajavam juntos, faziam tudo que ela imaginou fazer com alguém que amasse. Se casaram e logo veio o pequeno Heitor, para encher sua vida de mais brilho. Infelizmente, um ano após o nascimento do filho, seu marido faleceu. Ela já sabia de sua doença, mas tinha esperanças. Foi um lindo amor e lhe deu um lindo fruto.
Gabriel não se casou, mas viveu por alguns anos com aquela namorada. Até que um dia ele descobriu uma traição e tudo acabou. Ele se fechou e quis se dedicar ao trabalho. Há um ano se mudou para a cidade que Heloísa mora. Pensou em procurá-la, mas ficou sabendo que ela conseguiu seguir em frente. Ele nunca a esqueceu, mas agora estava duro com os sentimentos. Na nova cidade conseguiu um emprego numa grande empresa e hoje é gerente financeiro. Se sente realizado profissionalmente. Mas não está muito feliz. Decidiu adotar um cachorro. Na primeira semana se arrependeu, porque dava muito trabalho. O pequeno filhote, Max, só chorava. Não sabia o que ele tinha. Foi numa veterinária, mas disseram que ele estava bem.
Max continuava chorando e Gabriel decidiu ir novamente ao veterinário. Dessa vez foi a outra clínica. Era a clínica da Heloísa. Ele não sabia. Eles não sabiam que o reencontro estava próximo. Quando a secretária disse que conseguiu uma consulta com a veterinária Heloísa, ele começou a imaginar que era muita coincidência, que poderia ser ela. Pensando nessa possibilidade, todos aqueles sentimentos que invadiam seu coração anos atrás apareceram. Ele teve medo de ser ela e ela não reconhecê-lo. “Gabriel, é você mesmo? É o mesmo de sempre.” Heloísa provou que ele estava errado. Aquele reencontro mexeu com um coração que já sabia amar, que já sabia ser ela mesma. Ela cuidou do pequeno Max. Eles conversaram sobre suas vidas. Tinham muitas coisas pra falar um para o outro. Ao final da consulta, Gabriel, emocionado não se conteve. “É bom te ver bem, realizada. Nunca te esqueci e espero que possamos marcar de sair, para continuarmos a conversa.” Ela pensou nos encontros que já tiveram, naquela relação complicada... “Também estou muito feliz em te ver. Hoje me sinto diferente e já consigo ser mais clara comigo e com os meus sentimentos. Claro que eu aceito sair com você. Dessa vez essa relação vai ser a longo prazo.”

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