A longo prazo
Sabe aqueles amores confusos? Que te
balançam, te enchem de dúvidas e causam noites de insônia? Heloísa estava
vivendo um amor assim. Claro que ela não sabia que era amor. Na verdade ela não
queria acreditar que era amor. Era mais fácil ignorar a realidade e seguir em
frente. Tentar, porque aquilo estava consumindo muitas horas do seu dia. Ela
sempre foi uma pessoa indecisa, complicada com as emoções. Talvez por isso
nunca conseguiu namorar. Tinha medo das relações, tinha medo de se sentir presa.
Às vezes se sentia fria, sem saber como expressar os seus sentimentos. Até com
a família era complicado. Ela amava seus pais, seus irmãos e algumas outras
pessoas. Mas tinha muita dificuldade em expressar isso. Não sabia agir e sentia
falta de dar o seu carinho.
Heloísa estava no último ano da
faculdade de Medicina Veterinária. Estava muito feliz no curso, mas não via a
hora de se formar e sair da cidade onde nasceu. Queria continuar estudando, mas
queria fazer isso em outro lugar. Criar experiências novas, conhecer novas
pessoas, conhecer a vida. Se sentia muito presa morando com os pais. Queria
conhecer a “real” independência. Ela sabia que não seria fácil. Mas era o seu
sonho conhecer o mundo e queria realizá-lo.
Há
um ano antes ela conheceu Gabriel. Rapaz bonito, muito simpático e atencioso.
Uma ótima pessoa para namorar e viver muitos dias de felicidade. Ao longo desse
ano eles saíram algumas vezes. Nada muito sério, pelo menos não expressado.
Heloísa gostava de conversar com ele e da forma como ele a tratava. Todos ao
redor diziam como ele estava apaixonado. Mas era estranho. Ele era enrolado,
não deixava nada muito claro. Heloísa também era enrolada. Muito enrolada. Não
dava oportunidade para mais encontros. Ela gostava, mas não sabia se envolver.
Eles saiam com outras pessoas, mas nada ia pra frente. Ao final desse ano eles
voltaram a marcar um encontro. Heloísa tinha esperanças de que as coisas
ficassem mais claras entre eles. Ela gostava dele, disso tinha certeza, mas não
conseguia se abrir. Não entendia nada. Que garota complicada.
Eles
ficaram surpresos com o tanto de coisas que não sabiam um do outro. Ela tinha
acessos de alegria e confusão. Rolou um beijo e ela gostou. Mas não conseguia
tirar da cabeça que eles eram bastante diferentes. Gabriel queria se formar,
arrumar um emprego na cidade onde estava estudando e continuar ali. Não se via
“voando alto”. Heloísa estava desanimada com isso. Algumas vezes ela enxergou
no Gabriel a possibilidade de um relacionamento mais sério, mais duradouro. Mas
então, surgiu essa conversa. Seu medo aumentou. Ela queria voar. Não se
importava em namorar e seguir o seu sonho. Mas queria alguém para acompanhá-la.
Mais confusões, mais dúvidas. Ela ficou triste. Pensou em desistir do sonho e
dar uma chance para uma relação amorosa. Gabriel via tudo com maior serenidade
e enxergava nela uma pessoa muito especial. Ele estava disposto a não deixá-la
escapar dessa vez. Ao final da noite foi direto e disse que a amava.
Ela
não conteve as lágrimas. Não sabia o que dizer. Gostava demais dele e não
queria fazê-lo sofrer. Não sabia se sentia amor, paixão. Não sabia o que era
aquilo. Conseguiu ser sincera e explicou que não sabia descrever seus
sentimentos, que nunca soube abrir seu coração. “Eu gosto demais de você,
Gabriel. Muito mesmo. Me sinto bem ao seu lado e já me imaginei ao seu lado.”
Ele ficou animado com essa resposta e disse que a entendia. “Não precisa dizer
que me ama. Eu espero o seu tempo. Mas dê uma oportunidade para nós. Há quase
um ano ficamos nessa coisa enrolada. Eu quero ser o seu namorado.” Ela ficou
alguns minutos pensando. Estava cheia de dúvidas. Estava com medo. “Eu gosto de
estar com você. E não me imagino namorando outra pessoa. Só consigo imaginar
isso com você. Mas tenho medo. A curto prazo vamos ficar bem, muito bem. A
longo prazo vou me perder dos meus sonhos. Vou te culpar e não vamos ficar tão
bem.” Gabriel ficou extremamente chateado. A amava demais. Resolveram deixar
assim. Não namorariam, não sairiam mais.
Heloísa
estava sofrendo, mas sabia que era a culpada. Gabriel estava sofrendo e se
culpava. Algumas vezes ela tentou conversar com ele e se explicar melhor. Pediu
desculpas, não queria que fosse assim. Mas não queria desistir de tudo que
sonhou. Ele não a culpava e entendia o seu medo. Culpava a si mesmo por não ter
coragem de seguir a sua amada. Os dois se sentiam culpados, não conseguiam
deixar de pensar nisso. Se perdiam entre trabalhos finais de curso com o
pensamento um no outro. Heloísa chegou a pensar que tinha feito a escolha
errada. Lutava contra esses pensamentos dizendo que se sentiria muito pior se
não seguisse o seu sonho. A formatura chegou... Heloísa conseguiu um emprego
numa grande cidade e pode continuar estudando. Estava bem, estava vivendo o seu
sonho. Finalmente teve o seu primeiro namorado, mas não durou muito tempo.
Gabriel também arrumou um emprego e conheceu outra pessoa. Estavam felizes.
Hoje
Heloísa tem uma grande clinica veterinária e um sítio onde leva animais
abandonados para serem cuidados. Ela é feliz na companhia do seu filho Heitor,
de 5 anos. Ela conheceu Heitor, o pai do seu filho, dois anos depois de se
mudar. Foi amor a primeira vista. Pela primeira vez conseguiu dizer “eu te
amo”. Eles namoraram por três anos e ficaram noivos. Ela vivia um grande amor. Viajavam
juntos, faziam tudo que ela imaginou fazer com alguém que amasse. Se casaram e
logo veio o pequeno Heitor, para encher sua vida de mais brilho. Infelizmente,
um ano após o nascimento do filho, seu marido faleceu. Ela já sabia de sua doença,
mas tinha esperanças. Foi um lindo amor e lhe deu um lindo fruto.
Gabriel
não se casou, mas viveu por alguns anos com aquela namorada. Até que um dia ele
descobriu uma traição e tudo acabou. Ele se fechou e quis se dedicar ao
trabalho. Há um ano se mudou para a cidade que Heloísa mora. Pensou em
procurá-la, mas ficou sabendo que ela conseguiu seguir em frente. Ele nunca a
esqueceu, mas agora estava duro com os sentimentos. Na nova cidade conseguiu um
emprego numa grande empresa e hoje é gerente financeiro. Se sente realizado
profissionalmente. Mas não está muito feliz. Decidiu adotar um cachorro. Na
primeira semana se arrependeu, porque dava muito trabalho. O pequeno filhote,
Max, só chorava. Não sabia o que ele tinha. Foi numa veterinária, mas disseram
que ele estava bem.
Max
continuava chorando e Gabriel decidiu ir novamente ao veterinário. Dessa vez foi
a outra clínica. Era a clínica da Heloísa. Ele não sabia. Eles não sabiam que o
reencontro estava próximo. Quando a secretária disse que conseguiu uma consulta
com a veterinária Heloísa, ele começou a imaginar que era muita coincidência,
que poderia ser ela. Pensando nessa possibilidade, todos aqueles sentimentos
que invadiam seu coração anos atrás apareceram. Ele teve medo de ser ela e ela
não reconhecê-lo. “Gabriel, é você mesmo? É o mesmo de sempre.” Heloísa provou
que ele estava errado. Aquele reencontro mexeu com um coração que já sabia
amar, que já sabia ser ela mesma. Ela cuidou do pequeno Max. Eles conversaram
sobre suas vidas. Tinham muitas coisas pra falar um para o outro. Ao final da
consulta, Gabriel, emocionado não se conteve. “É bom te ver bem, realizada.
Nunca te esqueci e espero que possamos marcar de sair, para continuarmos a
conversa.” Ela pensou nos encontros que já tiveram, naquela relação
complicada... “Também estou muito feliz em te ver. Hoje me sinto diferente e já
consigo ser mais clara comigo e com os meus sentimentos. Claro que eu aceito
sair com você. Dessa vez essa relação vai ser a longo prazo.”
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