A flor
Olho
para o céu estrelado e fico pensando há quanto tempo eu não paro para olhar
para a noite. Isso é tão bom. Eu costumava conversar com as estrelas todos os
dias. Não sou louca. É porque olho para as estrelas e fico encantada com esse
brilho, com essa luz que vem de tão longe. Isso me toca de um jeito e me dá
vontade de conversar, de falar de mim e até de fazer pedidos. Não porque parei
de fazer isso... Ah, sei sim. Agora que devo estar louca. Louca por não seguir
o que me faz bem, o que me deixa feliz... Eu costumava ser tão otimista... Dava
conselhos para os amigos, repreendia a minha amiga Malu por ser tão negativa às
vezes. Não sei como fui me transformar
tanto. Quero ser a eu de antes. Aquela que não desistia, que para muitos era
louca por acreditar em coisas tidas como “impossíveis”. Eu sempre disse que o
impossível não existe, mas ando duvidando do que eu acreditava...
Estou quase formando em Arquitetura.
Faltam apenas uns três meses. Meus pais disseram que me ajudaria a pagar a
festa de formatura, mas recusei. Primeiro porque não quero que eles gastem
tanto dinheiro (fiquei sabendo que ficou muito caro mesmo) e porque não estou
totalmente a vontade com o futuro que eu escolhi. Pensei que tinha encontrado o
meu caminho, o futuro a seguir... Tenho duvidado tanto disso, há muito tempo.
Gosto de criar projetos, até me sinto bem. Mas há dois anos descobri minha
paixão pela escrita. Gosto de criar histórias. Amo dar vida as palavras. Sinto
que eu não tenho limites e, a cada história finalizada meu coração é pura
emoção. Nesses dois anos tenho gastado metade do meu dia pensando em novas
histórias e sempre que consigo, escrevo um pouco. Quando estou triste ou
ansiosa, escrever me alivia, me alimenta a alma. Quero me dedicar a isso. Quero
criar, quero escrever, quero dar vida as palavras que estão na minha cabeça e
no meu coração.
Me sinto pressionada para seguir a
profissão. Preciso arrumar um emprego depois do estágio, preciso de um emprego
pra ganhar dinheiro e me sustentar. Não posso depender dos meus pais, não é
justo. Não posso ficar em casa focada numa coisa tão incerta, depois desses
anos investindo na Arquitetura. Preciso honrar tudo o que os meus pais me deram
e me formar, seguir a minha vida. Preciso ser mais uma pessoa normal. Mais uma
no meu da multidão apenas seguindo as regras. Não posso me dar ao luxo de ser a
rebelde que do nada descobre a vocação e estraga os planos já traçados. Não
posso. Mas não poder me consome, me dói aqui dentro do meu coração. Gosto do
meu curso, é ótimo. Sempre gostei de decoração, de organizar ambientes... Não
sei o que está acontecendo comigo. Por que isso do nada? Só posso estar louca.
Estou perturbada, tenho medo. Muito
medo. Não consigo sair. Só fico pensando em tudo e em como posso resolver isso.
Preciso aprender a esquecer essa loucura e continuar a minha vida. Até parei de
sair com o Júlio. Conheci ele através de uma amiga em comum. Ele é lindo,
carinhoso, uma pessoa maravilhosa. Mas estou travada, só penso no meu futuro
profissional. Contei pra ele das minhas dúvidas, mas ele acha que devo focar na
Arquitetura, que devo me formar e ir atrás de um emprego. E depois que eu
estiver estável, posso escrever nas horas livres. Mas quero muito mais. Mas
tenho que esquecer o quanto eu quero. Não posso, não devo. Tenho que seguir o
conselho do Júlio. Querer ser uma escritora reconhecida agora não é certo. Isso
não é certo. Estou louca. Tenho que me formar e seguir o primeiro caminho que
escolhi. Já se viu ter quase uma profissão e querer mudar totalmente? Quantas
pessoas gostariam de ter as oportunidades que eu tive? Não posso desperdiçar
isso. Mas quero continuar as minhas histórias... Como vou resolver isso? Se eu
não tivesse meio louca poderia estar namorando o Júlio. E eu gostaria muito
disso. Meu coração me cutuca só de olhar pra ele. Aquele sorriso, aqueles
olhos...
Não dá. Enquanto eu estiver assim,
com tantas dúvidas, não dá. Ele me incentiva a ser mais realista e não consigo
lidar com isso agora. Eu quero voltar a ser quem eu era, resolvida. Mas algo
não me deixa. Preciso de uma solução. Talvez as estrelas me ajudem. Só que tem
muito tempo que não converso com elas, eu as abandonei. Olho para o céu... Elas
estão tão lindas, tão intensas. Parece que estão me recriminando. Só não sei
por quê. Talvez eu tenha saído do caminho correto. “Devo desistir de ser
louca?” Falo em voz alta, louca pra que as estrelas me respondam. Uma lágrima
escorre pelo meu rosto. Estou chorando e me faz bem. Caminho pelo jardim da
minha mãe. Penso na mulher que eu mais amo no mundo e no que ela diria se
soubesse que quero ser escritora. Não vai me entender... Mais lágrimas escorrem
pelo meu rosto. Estou cansada...
Tropeço e caio no chão. Não consigo
me levantar, não quero me levantar. Poderia dormir aqui fora, com a presença
das estrelas, que não me respondem mais. Mas só de vê-las, de sentir essa
intensidade e ver esse brilho, já me deixa bem. Olho envolta e fico admirando
as flores que a minha mãe cuida. São tão lindas, tão calmas... Que delícia
vê-las. Eu nunca fiz isso antes. Tão fechada no meu quarto... Avisto uma linda
rosa azul. Que doçura, que serenidade. Ela é linda, é maravilhosa. Acalma meu
coração. Que perfume! Sorrio... Ela é única. Como pode? Do lado dela só tem
rosas brancas... A louca do jardim e mesmo assim tão linda. Sorrio de novo. Ela
não tem medo de ser. Ela não teve medo de crescer em meio às outras. Ela
escolheu ser diferente. E o diferente faz dela linda. As outras também são
lindas, mas cada uma com sua beleza. Cada uma fez sua escolha e assumiu ser quem
é. Eu quero isso. Quero ser a rosa azul. Quero ser a louca do jardim.
“Olívia, cadê você?”. Reconheço a
voz do Júlio. O que ele faz aqui na minha casa? Meus pais nem o conhece. Agora
ele está se aproximando de mim. Eu ainda não consegui me levantar... Ele abaixa
e se senta ao meu lado. Não estou entendendo isso. Ele me dá um beijo doce no
rosto. Eu sorrio, porque ele me faz muito bem. Ele não deixa eu falar.
“Desculpa aparecer assim. Mas eu estava morrendo de saudades. Você sabe o
quanto te amo e não vou desistir de nós. Nunca. Por isso andei pensando... Eu
te magoei, não te apoiei. Desculpa. Essa é você. Uma mulher incrível, com uma
cabeça repleta de lindas histórias. Eu admiro por isso. Então fiz uma coisa.”
Estou curiosa. Ele fala com o coração. Estou chorando de novo. “Eu te amo.
Desculpa.” Digo e ele me dá um beijo na boca. Que saudades disso. Eu realmente
o amo. “Você deve estar curiosa. Primeiro preciso que você me prometa que vai
continuar sonhando. Não desista de ser quem você é. Eu me apaixonei pela Olívia
livre, cheia de sonhos.” Balanço a cabeça. Essa noite está me ajudando. E agora
sei que as estrelas me responderam. Vou seguir os meus sonhos. Não vou desistir
de ser a louca. Vou me formar sim, porque já está acabando. Mas vou correr
atrás da minha verdadeira vocação. “Eu enviei o seu livro para uma editora.”
Meus olhos se arregalam. Ele me abraça. “Recebi a resposta hoje e vim correndo
pra cá... Eles amaram. Estão doidos pra te conhecer. Querem publicar o seu
livro.”
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