sábado, 25 de março de 2017

A flor

           Olho para o céu estrelado e fico pensando há quanto tempo eu não paro para olhar para a noite. Isso é tão bom. Eu costumava conversar com as estrelas todos os dias. Não sou louca. É porque olho para as estrelas e fico encantada com esse brilho, com essa luz que vem de tão longe. Isso me toca de um jeito e me dá vontade de conversar, de falar de mim e até de fazer pedidos. Não porque parei de fazer isso... Ah, sei sim. Agora que devo estar louca. Louca por não seguir o que me faz bem, o que me deixa feliz... Eu costumava ser tão otimista... Dava conselhos para os amigos, repreendia a minha amiga Malu por ser tão negativa às vezes. Não sei como fui me transformar tanto. Quero ser a eu de antes. Aquela que não desistia, que para muitos era louca por acreditar em coisas tidas como “impossíveis”. Eu sempre disse que o impossível não existe, mas ando duvidando do que eu acreditava...
            Estou quase formando em Arquitetura. Faltam apenas uns três meses. Meus pais disseram que me ajudaria a pagar a festa de formatura, mas recusei. Primeiro porque não quero que eles gastem tanto dinheiro (fiquei sabendo que ficou muito caro mesmo) e porque não estou totalmente a vontade com o futuro que eu escolhi. Pensei que tinha encontrado o meu caminho, o futuro a seguir... Tenho duvidado tanto disso, há muito tempo. Gosto de criar projetos, até me sinto bem. Mas há dois anos descobri minha paixão pela escrita. Gosto de criar histórias. Amo dar vida as palavras. Sinto que eu não tenho limites e, a cada história finalizada meu coração é pura emoção. Nesses dois anos tenho gastado metade do meu dia pensando em novas histórias e sempre que consigo, escrevo um pouco. Quando estou triste ou ansiosa, escrever me alivia, me alimenta a alma. Quero me dedicar a isso. Quero criar, quero escrever, quero dar vida as palavras que estão na minha cabeça e no meu coração.
            Me sinto pressionada para seguir a profissão. Preciso arrumar um emprego depois do estágio, preciso de um emprego pra ganhar dinheiro e me sustentar. Não posso depender dos meus pais, não é justo. Não posso ficar em casa focada numa coisa tão incerta, depois desses anos investindo na Arquitetura. Preciso honrar tudo o que os meus pais me deram e me formar, seguir a minha vida. Preciso ser mais uma pessoa normal. Mais uma no meu da multidão apenas seguindo as regras. Não posso me dar ao luxo de ser a rebelde que do nada descobre a vocação e estraga os planos já traçados. Não posso. Mas não poder me consome, me dói aqui dentro do meu coração. Gosto do meu curso, é ótimo. Sempre gostei de decoração, de organizar ambientes... Não sei o que está acontecendo comigo. Por que isso do nada? Só posso estar louca.
            Estou perturbada, tenho medo. Muito medo. Não consigo sair. Só fico pensando em tudo e em como posso resolver isso. Preciso aprender a esquecer essa loucura e continuar a minha vida. Até parei de sair com o Júlio. Conheci ele através de uma amiga em comum. Ele é lindo, carinhoso, uma pessoa maravilhosa. Mas estou travada, só penso no meu futuro profissional. Contei pra ele das minhas dúvidas, mas ele acha que devo focar na Arquitetura, que devo me formar e ir atrás de um emprego. E depois que eu estiver estável, posso escrever nas horas livres. Mas quero muito mais. Mas tenho que esquecer o quanto eu quero. Não posso, não devo. Tenho que seguir o conselho do Júlio. Querer ser uma escritora reconhecida agora não é certo. Isso não é certo. Estou louca. Tenho que me formar e seguir o primeiro caminho que escolhi. Já se viu ter quase uma profissão e querer mudar totalmente? Quantas pessoas gostariam de ter as oportunidades que eu tive? Não posso desperdiçar isso. Mas quero continuar as minhas histórias... Como vou resolver isso? Se eu não tivesse meio louca poderia estar namorando o Júlio. E eu gostaria muito disso. Meu coração me cutuca só de olhar pra ele. Aquele sorriso, aqueles olhos...
            Não dá. Enquanto eu estiver assim, com tantas dúvidas, não dá. Ele me incentiva a ser mais realista e não consigo lidar com isso agora. Eu quero voltar a ser quem eu era, resolvida. Mas algo não me deixa. Preciso de uma solução. Talvez as estrelas me ajudem. Só que tem muito tempo que não converso com elas, eu as abandonei. Olho para o céu... Elas estão tão lindas, tão intensas. Parece que estão me recriminando. Só não sei por quê. Talvez eu tenha saído do caminho correto. “Devo desistir de ser louca?” Falo em voz alta, louca pra que as estrelas me respondam. Uma lágrima escorre pelo meu rosto. Estou chorando e me faz bem. Caminho pelo jardim da minha mãe. Penso na mulher que eu mais amo no mundo e no que ela diria se soubesse que quero ser escritora. Não vai me entender... Mais lágrimas escorrem pelo meu rosto. Estou cansada...
            Tropeço e caio no chão. Não consigo me levantar, não quero me levantar. Poderia dormir aqui fora, com a presença das estrelas, que não me respondem mais. Mas só de vê-las, de sentir essa intensidade e ver esse brilho, já me deixa bem. Olho envolta e fico admirando as flores que a minha mãe cuida. São tão lindas, tão calmas... Que delícia vê-las. Eu nunca fiz isso antes. Tão fechada no meu quarto... Avisto uma linda rosa azul. Que doçura, que serenidade. Ela é linda, é maravilhosa. Acalma meu coração. Que perfume! Sorrio... Ela é única. Como pode? Do lado dela só tem rosas brancas... A louca do jardim e mesmo assim tão linda. Sorrio de novo. Ela não tem medo de ser. Ela não teve medo de crescer em meio às outras. Ela escolheu ser diferente. E o diferente faz dela linda. As outras também são lindas, mas cada uma com sua beleza. Cada uma fez sua escolha e assumiu ser quem é. Eu quero isso. Quero ser a rosa azul. Quero ser a louca do jardim.
            “Olívia, cadê você?”. Reconheço a voz do Júlio. O que ele faz aqui na minha casa? Meus pais nem o conhece. Agora ele está se aproximando de mim. Eu ainda não consegui me levantar... Ele abaixa e se senta ao meu lado. Não estou entendendo isso. Ele me dá um beijo doce no rosto. Eu sorrio, porque ele me faz muito bem. Ele não deixa eu falar. “Desculpa aparecer assim. Mas eu estava morrendo de saudades. Você sabe o quanto te amo e não vou desistir de nós. Nunca. Por isso andei pensando... Eu te magoei, não te apoiei. Desculpa. Essa é você. Uma mulher incrível, com uma cabeça repleta de lindas histórias. Eu admiro por isso. Então fiz uma coisa.” Estou curiosa. Ele fala com o coração. Estou chorando de novo. “Eu te amo. Desculpa.” Digo e ele me dá um beijo na boca. Que saudades disso. Eu realmente o amo. “Você deve estar curiosa. Primeiro preciso que você me prometa que vai continuar sonhando. Não desista de ser quem você é. Eu me apaixonei pela Olívia livre, cheia de sonhos.” Balanço a cabeça. Essa noite está me ajudando. E agora sei que as estrelas me responderam. Vou seguir os meus sonhos. Não vou desistir de ser a louca. Vou me formar sim, porque já está acabando. Mas vou correr atrás da minha verdadeira vocação. “Eu enviei o seu livro para uma editora.” Meus olhos se arregalam. Ele me abraça. “Recebi a resposta hoje e vim correndo pra cá... Eles amaram. Estão doidos pra te conhecer. Querem publicar o seu livro.”
           


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