quinta-feira, 30 de março de 2017

Apenas uma garota

            Quando eu tinha quinze anos, pensava que iria aparecer a qualquer momento o meu “príncipe”, o grande amor da minha vida, aquele capaz de fazer tudo para ter o meu amor. A verdade é que eu vivia a maior parte do meu dia construindo o meu futuro amor. Na minha cabeça ele seria de um tipo físico específico, me trataria como se eu fosse a única mulher no mundo e me escutaria sempre. Eu tenho esse problema com “escuta”. Não vou saber explicar muito bem, mas é que eu gosto de ser ouvida, de saber que sou importante para as pessoas. E acho que quando me escutam, é porque se importam com o que eu penso e digo, que se importam comigo. Eu ia construindo o modelo ideal na cabeça e não conseguia me conformar com uma pessoa minimamente diferente.  O primeiro beijo? Foi estranho, mas foi muito especial. Eu pensava que tinha encontrado o “príncipe” e cedi às investidas de um boy malandro que eu conheci quando fui passar férias na casa de uma prima. Mas valeu a pena. Aquele momento foi mágico, eu vivia um conto de fadas. Dias depois o desespero. Meu príncipe também era o príncipe de mais cinco meninas, tão ingênuas quanto eu.
            Passei mais alguns anos com dificuldades para me relacionar com os garotos. Eu não conseguia esquecer aquele “perfil” criado na minha cabeça. Eu queria um príncipe, alguém mágico. Teve um momento que eu achei que estava ficando louca. Talvez eu estivesse mesmo. Eram crises e mais crises. Eu sabia que tinha que esquecer essa ideia maluca, que devia conhecer alguém “real” e apenas viver a minha vida. Mas uma “outra eu” vivia me pedindo pra continuar procurando, que meu príncipe estava em algum lugar. Quando eu entrei para a faculdade decidi que não pensaria no futuro amoroso, que iria focar nos meus estudos. Entro para a sala de aulas e quem eu encontro? O boy malandro, vulgo dono do sorriso mais lindo, também conhecido como David. Passei direto e me escondi no fundo da sala. Eu ia passar quatro anos convivendo com ele? Sério mesmo? A maior decepção amorosa da minha pouco experiente vida amorosa. O engraçado é que a relação mais intensa eu tive com ele. Por isso não conseguia esquecer aquela decepção. Meu primeiro beijo, o único boy que eu fiquei mais de três vezes, o quase príncipe. Ele realmente tinha tudo para ser o tão procurado príncipe, mas estragou tudo sendo mais um jovem malandro.
            Eu fiquei mesmo mexida com a presença do David na minha turma. Não prestei atenção na aula. Só ficava imaginando porque ele não poderia ser o meu príncipe, por que ele tinha que ser tão safado e querer várias ao mesmo tempo. “Para com isso, Bia. Príncipe não existe. Foca nos estudos.”, eu dizia pra mim. Aos poucos fui deixando a loucura de lado e percebi como o professor era lindo. Como eu pude perder isso? Era lindo mesmo e falava tão bem... Pronto, mais um possível príncipe. Novamente tirei aquela ideia da cabeça. Não podia romantizar tudo. A aula acabou e o David foi conversar comigo. Ficou feliz em me ver, disse que eu desapareci, que eu estava mais bonita, etc. Respondi secamente e ele foi embora. Mais tarde descobri que não iria aturar ele em todas as aulas. Ele fazia um curso diferente e aquela aula era apenas facultativa. Relaxei, sem precisar relaxar. Eu sempre exagerei as situações, criando problemas sem ter. Enfim, naquele momento me senti aliviada, porque nunca esqueci a decepção amorosa.
            Apenas um semestre estando na mesma sala com ele. Não criamos uma relação fora da sala. Nem na sala nos falávamos direito. Nunca procurei saber dele. E nem ele de mim. Eu estava enxergando que a vida era muito mais, que minha decepção era muito dramatizada, que eu era apenas uma garota e não conhecia a vida. Ainda não conheço o suficiente. Como eu disse, as minhas expectativas exageradas não me permitiram ter um relacionamento mais profundo. A exceção foi um intercambista no meu segundo ano da faculdade. Eu já não esperava mais um príncipe, eu já não tinha mais um modelo. Mas ele era alguém muito próximo daquilo que eu achava importante em um homem. O melhor é que ele nunca se cansava de me escutar. Eu poderia falar por várias horas seguidas que ele nunca perderia o interesse. Claro que tinha muitos defeitos e eu até gostava. Mas não deu certo. Um ano depois ele foi embora. Poderíamos namorar a distância. Eu tinha mais um ano na faculdade e depois tentava ir até ele. Mas não fizemos esforço nenhum para que aquela relação continuasse. Naquele momento eu não sabia explicar por que não tínhamos força e vontade para fazer isso. Hoje eu sei que não havia amor de verdade. Era paixão e muita amizade. Mas faltava o amor pra dar combustível, pra fazer arder as nossas vontades, para fazermos tudo um pelo outro. É uma parte da minha vida que eu gosto, e muito. Até hoje converso com o meu querido amigo Fernando, o espanhol mais lindo que eu já vi. Ah, ele está noivo. E isso me enche de felicidade.
            Mas é isso, aos poucos me abri. Comecei a enxergar que eu gostava de outros “perfis” de homens, que eles me interessavam também. Mas eu era muito travada. Eu não conseguia continuar as relações. Tudo simplesmente morria. Eu pensava que eu não era o suficiente para aqueles homens que eu encontrava. Minha autoestima estava péssima. Não enxergava a beleza em mim, de nenhuma forma. Eu cobrava uma atitude da parte deles, mas não fazia a minha parte. Eu tinha medo de um relacionamento mais profundo, de deixar as minhas fraquezas escancaradas e me decepcionar. De ser mais uma pessoa na vida daquele homem e depois que ele me conhecesse de verdade, o interesse acabasse. Eu tinha medo de ser eu. Eu tinha medo de não gostarem de quem sou eu.
            E assim foram se passando os anos. Eu sabia do meu valor, mas não o achava suficiente para outra pessoa admirar. Porque eu também conhecia os meus defeitos e achava que ele iria repelir qualquer pessoa. Depois de muito fugir dos relacionamentos, fugir dos homens e de mim mesma, eu me vi perdida no tempo. Até que um dia minha amiga me deu um “tapa” e disse como eu estava com o pensamento confuso. Que a vida tem muitas possibilidades... “Meu anjo, minha menina, eu te amo tanto, muito mesmo. Mas preciso ser sincera. Eu odeio quando você tenta controlar toda a arrumação da nossa casa, quando você dá uma de mãe e me controla. Mas eu aprendi a conviver com você. Porque eu te amo. Amo o cuidado que você tem comigo. Amo os vários chás que você faz, amo ser acordada pela sua linda voz cantando de manhã. Eu te amo e aceito seus defeitos. Quem foi embora ou um dia ainda vai, é porque não te ama.” A Silvia falou e isso acabou comigo. Chorei por algumas horas, mas finalmente entendi. Quem realmente me amava estava sempre ali comigo. Não me julgava, nem fugia quando eu fazia uma coisa errada.  Depois desse conselho, consegui seguir em frente e dar uma chance para um boy que eu tinha conhecido. Finalmente o primeiro namorado (aos 24 anos). Meses depois tudo acabou. Ele me traiu, tentou se explicar, mas eu não aceitei. E não me arrependo. Semana passada eu descobri que ele traiu a ex-noiva, um mês antes do casamento. Ah, e não me arrependo de ter tido o primeiro namorado tão “tarde”. Eu tive minhas inseguranças, meus medos, mas nunca me deixei levar pela pressão externa. Ninguém tem o direito de impor o meu tempo. Ele é meu.
            Lembro disso tudo porque ontem uma coisa muito especial aconteceu. A imaturidade nos cega, não nos deixa seguir o caminho (certo ou errado). Eu não tentava viver. Na adolescência o fascínio por um príncipe. No inicio da idade adulta eu estava travada, não queria ninguém. Depois os medos bobos, as inseguranças. Felizmente eu tenho a Silvia na minha vida. Estou crescendo. Ainda sou uma garota de 28 anos, a espera de quebrar mais ideais pouco saudáveis. Ainda tenho muitos sonhos. E estou vivendo um. “Minha garota está aí. Não quero que você fuja de mim de novo.” A voz vem atrás de mim. É o David. Aquele mesmo, o boy malandro. Nada como uma conversa. Ontem a noite ele me pediu em casamento, depois de dois anos de namoro. E claro que eu aceitei. Não é todo dia que um príncipe malandro quer algo comigo. Não é todo dia que um boy muito charmoso, abre o sorriso mais lindo do mundo só pra me escutar falar por horas e horas. Não é em qualquer lugar que eu encontro alguém que eu amo e que me ama.


segunda-feira, 27 de março de 2017

Apolo

Durante toda minha vida nunca acreditei em amor à primeira vista, achava isso uma bobeira de adolescente. Sempre fui uma pessoa prática, e sempre evitei deixar que apenas um único encontro me deixasse alucinada por alguém. Em todos os meus relacionamentos o amor só veio à medida que conhecia melhor meus parceiros. Nunca olhei para um cara pela primeira vez e me senti completamente enfeitiçada por ele. Exceto em minhas últimas férias.
Depois de trabalhar um ano e meio sem férias, estava ansiosa por meus merecidos dias de descanso, principalmente por meus dias em Maragogi. Eu e minha amiga Melissa, mesmo trabalhando em empresas diferentes, sempre tiramos férias no mesmo período, pois assim conseguimos viajar juntas. Geralmente tentamos ir a um lugar que ainda não conhecemos, principalmente dentro do Brasil e da América do Sul. Em nossas últimas férias conhecemos Santiago, no Chile, e demos um pulinho em Cabo Frio, porque férias de mineiro têm que ter praia. Assim que colocamos nossos pés em Belo Horizonte, nossa linda cidade, decidimos que nosso próximo destino de férias seria Maragogi. Passaríamos o verão seguinte naquele paraíso. E claro que passamos o último ano planejando como seria a viagem, até conseguimos um ótimo pacote para um resort em um site de compras coletivas.
Quando chegamos a aquela vila tão charmosa imaginei que passaria ali uma semana de descanso e tranqüilidade, apenas aproveitando o mar, tomando água de coco e conhecendo o melhor da gastronomia alagoana. Mas não dá para ser assim quando você conhece nesse lugar alguém que vira sua vida do avesso. Como chegamos à cidade no início da noite, depois de um exaustivo dia dentro de aeronaves, aeroportos e carros, decidimos apenas jantar e dormir. Na manhã seguinte tomamos café e nos sentamos em espreguiçadeiras que estavam dispostas na areia da praia, e foi ali que vi meu Deus Grego pela primeira vez.
Sim, um Deus Grego. Alto, moreno, forte e com um corpo sarado, não tinha como um homem daquele passar despercebido. Nunca tive um perfil físico definido para homens, já me envolvi com louros, morenos e negros, mas aquele era diferente. Estava acompanhado de uma senhora e uma moça, ambas muito bonitas. Comecei a me perguntar se aquela seria a esposa dele, mas no momento em que nossos olhares se encontraram e ele exibiu um sorriso perfeito, perdi completamente qualquer linha de raciocínio. Heitor era estonteantemente lindo, mas sem dúvidas o que mais me encantou foi seu sorriso maravilhoso. Tentei desviar o olhar dele e tentar me concentrar no monte de coisas que Melissa me falava, mas eu simplesmente não entendia uma única palavra que minha amiga dizia. O que estava acontecendo comigo? O que havia acontecido com a Lorena de sempre, que jamais perdia a linha de raciocínio por causa de um homem? Principalmente um homem que ela acabara de ver pela primeira vez.
Não demorou muito para que aquele estranho viesse se sentar na espreguiçadeira ao meu lado. Pediu licença e, como se lesse meus pensamentos, começou a puxar assunto comigo. Contou que estava ali passeando com a mãe e a irmã, e que se chamava Heitor. Senti um súbito alívio ao ouvir que a jovem bonita que o acompanhava era sua irmã. Ficou sentado ali por umas duas horas, tentando puxar assunto comigo, mas simplesmente parecia que um gato havia comido minha língua. Ao se despedir pediu meu telefone e me garantiu que me ligaria para combinarmos de sair à noite. Passei o resto do dia com o telefone na mão esperando ele tocar, e quando ele tocou senti que meu coração iria sair pela boca.
Heitor me levou para jantar em um restaurante super aconchegante a beira mar, dessa vez consegui mostrar meu lado falante. Conversamos bastante, e a cada palavra proferida por meu deus grego, eu ficava mais encantada por ele, mais eu queria conhecê-lo melhor. Ele me contou que havia trago a mãe para descansar uns dias após terminar sua batalha de dois anos contra um câncer no útero. Meu coração se partiu quando me contou que é gaúcho de Bento Gonçalves, e que trabalhava como fisioterapeuta em uma UTI de um hospital em Porto Alegre. Partiu meu coração saber que ele morava tão longe de mim. Ao mesmo tempo ficava imaginando aquele homem perfeito em um jaleco branco, deveria ficar ainda mais lindo.
Nossa conversa transcorreu de forma tão tranqüila que nem percebemos o tempo passar. Ao chegarmos no hotel pensei que nossa noite havia acabado, mas Heitor me surpreendeu com um beijo tão envolvente, tão gostoso. Acabei por aceitar seu convite para passar o dia seguinte em sua companhia, mesmo sabendo que Melissa ficaria furiosa comigo. Eu não poderia recusar, não depois daquele beijo cheio de promessas que meu coração tanto gostou. Sabia que estava me enfiando numa cilada sem volta, já que vivíamos em lugares tão distantes, mas meu coração estava implorando para eu entrar nessa cilada, meu coração implorava pela proximidade dele.
O dia seguinte foi ainda melhor, Saímos cedo para conhecermos outras praias das redondezas. Entre um assunto e outro Heitor ia me revelando mais detalhes de sua vida, de seu dia a dia. E foi numa dessas conversas que me revelou o desejo de se mudar de Porto Alegre, que até recebeu uma excelente proposta para trabalhar em SP, mas que recusou por coincidir exatamente com o período em que sua mãe iniciou o tratamento contra o câncer. Ao ouvir isso uma pontinha de esperança invadiu meu coração. Quem sabe num futuro próximo ele se mudasse para SP, ou até mesmo para BH?! Eu estava ficando louca, havia trocado apenas alguns beijos com aquele lindo gaúcho e já estava imaginando um futuro com ele. Aquela não era eu! Loucura ou não, a certeza que eu tinha no momento é que queria aquele homem pra mim.
A partir daquele dia não nos desgrudamos mais, estávamos o tempo todo juntos. A cada minuto que eu passava ao seu lado, mais envolvida ficava, e foi então que percebi que meu Apolo, meu deus grego da beleza, havia feito aquilo que eu considerava impossível... Eu mal o conhecia e estava completamente apaixonada. E o sentimento era recíproco por parte de Heitor. Em cada gesto ele fazia questão de deixar isso bem claro, que também estava apaixonado por mim. Passamos juntos os poucos dias que nos restava naquele paraíso. Ainda bem que Melissa também havia arrumado um boy, caso contrário teria me matado por tê-la deixada sozinha.
Quando enfim chegou o dia da partida de Heitor meu coração estava desolado. Como eu poderia deixar aquele homem partir para longe de mim depois de dias maravilhosos ao seu lado? Como meu coração agüentaria ficar longe do coração dele? Eu nunca havia me apaixonado assim por alguém, nem mesmo meu namorado de dois anos me despertou algo tão intenso, e agora que enfim me apaixonara tão profundamente teria que aprender a viver longe do meu Apolo. Não sabia como seria nosso relacionamento dali pra frente, não sabia como nossos corações se portariam estando tão longes um do outro. A única certeza que eu tinha é que estávamos dispostos a enfrentar tudo para ficarmos juntos, mesmo que nosso maior desafio fosse mais de 1.700 km de distância. 

sábado, 25 de março de 2017

A flor

           Olho para o céu estrelado e fico pensando há quanto tempo eu não paro para olhar para a noite. Isso é tão bom. Eu costumava conversar com as estrelas todos os dias. Não sou louca. É porque olho para as estrelas e fico encantada com esse brilho, com essa luz que vem de tão longe. Isso me toca de um jeito e me dá vontade de conversar, de falar de mim e até de fazer pedidos. Não porque parei de fazer isso... Ah, sei sim. Agora que devo estar louca. Louca por não seguir o que me faz bem, o que me deixa feliz... Eu costumava ser tão otimista... Dava conselhos para os amigos, repreendia a minha amiga Malu por ser tão negativa às vezes. Não sei como fui me transformar tanto. Quero ser a eu de antes. Aquela que não desistia, que para muitos era louca por acreditar em coisas tidas como “impossíveis”. Eu sempre disse que o impossível não existe, mas ando duvidando do que eu acreditava...
            Estou quase formando em Arquitetura. Faltam apenas uns três meses. Meus pais disseram que me ajudaria a pagar a festa de formatura, mas recusei. Primeiro porque não quero que eles gastem tanto dinheiro (fiquei sabendo que ficou muito caro mesmo) e porque não estou totalmente a vontade com o futuro que eu escolhi. Pensei que tinha encontrado o meu caminho, o futuro a seguir... Tenho duvidado tanto disso, há muito tempo. Gosto de criar projetos, até me sinto bem. Mas há dois anos descobri minha paixão pela escrita. Gosto de criar histórias. Amo dar vida as palavras. Sinto que eu não tenho limites e, a cada história finalizada meu coração é pura emoção. Nesses dois anos tenho gastado metade do meu dia pensando em novas histórias e sempre que consigo, escrevo um pouco. Quando estou triste ou ansiosa, escrever me alivia, me alimenta a alma. Quero me dedicar a isso. Quero criar, quero escrever, quero dar vida as palavras que estão na minha cabeça e no meu coração.
            Me sinto pressionada para seguir a profissão. Preciso arrumar um emprego depois do estágio, preciso de um emprego pra ganhar dinheiro e me sustentar. Não posso depender dos meus pais, não é justo. Não posso ficar em casa focada numa coisa tão incerta, depois desses anos investindo na Arquitetura. Preciso honrar tudo o que os meus pais me deram e me formar, seguir a minha vida. Preciso ser mais uma pessoa normal. Mais uma no meu da multidão apenas seguindo as regras. Não posso me dar ao luxo de ser a rebelde que do nada descobre a vocação e estraga os planos já traçados. Não posso. Mas não poder me consome, me dói aqui dentro do meu coração. Gosto do meu curso, é ótimo. Sempre gostei de decoração, de organizar ambientes... Não sei o que está acontecendo comigo. Por que isso do nada? Só posso estar louca.
            Estou perturbada, tenho medo. Muito medo. Não consigo sair. Só fico pensando em tudo e em como posso resolver isso. Preciso aprender a esquecer essa loucura e continuar a minha vida. Até parei de sair com o Júlio. Conheci ele através de uma amiga em comum. Ele é lindo, carinhoso, uma pessoa maravilhosa. Mas estou travada, só penso no meu futuro profissional. Contei pra ele das minhas dúvidas, mas ele acha que devo focar na Arquitetura, que devo me formar e ir atrás de um emprego. E depois que eu estiver estável, posso escrever nas horas livres. Mas quero muito mais. Mas tenho que esquecer o quanto eu quero. Não posso, não devo. Tenho que seguir o conselho do Júlio. Querer ser uma escritora reconhecida agora não é certo. Isso não é certo. Estou louca. Tenho que me formar e seguir o primeiro caminho que escolhi. Já se viu ter quase uma profissão e querer mudar totalmente? Quantas pessoas gostariam de ter as oportunidades que eu tive? Não posso desperdiçar isso. Mas quero continuar as minhas histórias... Como vou resolver isso? Se eu não tivesse meio louca poderia estar namorando o Júlio. E eu gostaria muito disso. Meu coração me cutuca só de olhar pra ele. Aquele sorriso, aqueles olhos...
            Não dá. Enquanto eu estiver assim, com tantas dúvidas, não dá. Ele me incentiva a ser mais realista e não consigo lidar com isso agora. Eu quero voltar a ser quem eu era, resolvida. Mas algo não me deixa. Preciso de uma solução. Talvez as estrelas me ajudem. Só que tem muito tempo que não converso com elas, eu as abandonei. Olho para o céu... Elas estão tão lindas, tão intensas. Parece que estão me recriminando. Só não sei por quê. Talvez eu tenha saído do caminho correto. “Devo desistir de ser louca?” Falo em voz alta, louca pra que as estrelas me respondam. Uma lágrima escorre pelo meu rosto. Estou chorando e me faz bem. Caminho pelo jardim da minha mãe. Penso na mulher que eu mais amo no mundo e no que ela diria se soubesse que quero ser escritora. Não vai me entender... Mais lágrimas escorrem pelo meu rosto. Estou cansada...
            Tropeço e caio no chão. Não consigo me levantar, não quero me levantar. Poderia dormir aqui fora, com a presença das estrelas, que não me respondem mais. Mas só de vê-las, de sentir essa intensidade e ver esse brilho, já me deixa bem. Olho envolta e fico admirando as flores que a minha mãe cuida. São tão lindas, tão calmas... Que delícia vê-las. Eu nunca fiz isso antes. Tão fechada no meu quarto... Avisto uma linda rosa azul. Que doçura, que serenidade. Ela é linda, é maravilhosa. Acalma meu coração. Que perfume! Sorrio... Ela é única. Como pode? Do lado dela só tem rosas brancas... A louca do jardim e mesmo assim tão linda. Sorrio de novo. Ela não tem medo de ser. Ela não teve medo de crescer em meio às outras. Ela escolheu ser diferente. E o diferente faz dela linda. As outras também são lindas, mas cada uma com sua beleza. Cada uma fez sua escolha e assumiu ser quem é. Eu quero isso. Quero ser a rosa azul. Quero ser a louca do jardim.
            “Olívia, cadê você?”. Reconheço a voz do Júlio. O que ele faz aqui na minha casa? Meus pais nem o conhece. Agora ele está se aproximando de mim. Eu ainda não consegui me levantar... Ele abaixa e se senta ao meu lado. Não estou entendendo isso. Ele me dá um beijo doce no rosto. Eu sorrio, porque ele me faz muito bem. Ele não deixa eu falar. “Desculpa aparecer assim. Mas eu estava morrendo de saudades. Você sabe o quanto te amo e não vou desistir de nós. Nunca. Por isso andei pensando... Eu te magoei, não te apoiei. Desculpa. Essa é você. Uma mulher incrível, com uma cabeça repleta de lindas histórias. Eu admiro por isso. Então fiz uma coisa.” Estou curiosa. Ele fala com o coração. Estou chorando de novo. “Eu te amo. Desculpa.” Digo e ele me dá um beijo na boca. Que saudades disso. Eu realmente o amo. “Você deve estar curiosa. Primeiro preciso que você me prometa que vai continuar sonhando. Não desista de ser quem você é. Eu me apaixonei pela Olívia livre, cheia de sonhos.” Balanço a cabeça. Essa noite está me ajudando. E agora sei que as estrelas me responderam. Vou seguir os meus sonhos. Não vou desistir de ser a louca. Vou me formar sim, porque já está acabando. Mas vou correr atrás da minha verdadeira vocação. “Eu enviei o seu livro para uma editora.” Meus olhos se arregalam. Ele me abraça. “Recebi a resposta hoje e vim correndo pra cá... Eles amaram. Estão doidos pra te conhecer. Querem publicar o seu livro.”
           


quinta-feira, 23 de março de 2017

O amor que me transformou

Hoje é mais um daqueles dias que me sento à beira do Tâmisa para lembrar-me de Will. Na verdade, penso nele o tempo todo, do amanhecer ao pôr do sol, da hora que acordo a hora que durmo. Como esquecer alguém que me fez tão feliz?! Alguém que me ensinou a ser uma pessoa melhor, que me fez compreender que sou a única responsável por minha própria felicidade. Alguém que abriu os meus olhos e me ensinou que minhas condições financeiras não me faz melhor do que ninguém.
Ainda me lembro de cada momento que passamos juntos, bons e ruins. Quando nos conhecemos eu tinha 18 anos e Will 21. Eu era uma patricinha mimada, arrogante e imatura, estava me recuperando de uma decepção amorosa que havia sofrido há um ano. Eu me achava superior em relação a outras pessoas simplesmente porque era rica, acreditava que o dinheiro me tornava melhor que os outros. Eu não sabia o que era humildade, embora meus pais sempre tenham tentado me ensinar.
Ao contrário de mim, Will era extremamente maduro, humilde e solidário, vivia em busca da justiça para os mais necessitados, e foi por essa razão que ele escolhera cursar direito. Sempre que ele me via maltratando alguém, parava para me confrontar e esfregava umas verdades na minha cara. Encontrar alguém que me confrontasse foi quebrando minha armadura, foi abrindo meus olhos para o mundo, e pouco a pouco nos tornamos amigos. No início foi difícil, pois eu era cabeça dura e relutava em enxergar que Will estava sempre coberto de razão. Mas com a persistência e a paciência dele, acabei mudando. Foi uma mudança gradativa, mas muito significativa. O ponto crucial foi quando, com a ajuda dele, me livrei das amarras do passado, quando enfim entendi que Otávio não havia me traído, que ele nunca havia me amado, que quem criou aquela ilusão foi eu.
Não sei dizer em que momento nossa relação mudou, pois nossa amizade virou amor. Começamos a namorar, e num piscar de olhos estava perdidamente apaixonada. Ao ser dominada por esse sentimento, percebi que o que eu havia sentido por Otávio não era amor, era apenas uma paixão de adolescente. Amor era o que eu sentia por Will, era não, é, pois apesar das circunstâncias ainda o amo incondicionalmente. Esse amor me transformou, esse sentimento me fazia querer ser uma pessoa melhor, ser alguém que meus pais e Will teriam orgulho, uma pessoa que se preocupa com o próximo. E com a ajuda do meu príncipe, eu consegui. A Laura que sou hoje, aos 23 anos, não se parece em nada com a Laura de cinco anos atrás.
Nosso relacionamento estava cada dia melhor, evoluindo muito rápido, e depois de um ano de namoro decidimos morar juntos. Nessa época eu havia mudado muito, ainda havia alguns aspectos em que eu precisava evoluir, mas já era uma pessoa bem melhor, já havia amadurecido. Nossa convivência era tranqüila, regada a muito amor, paixão e companheirismo, coisas típicas de um casal jovem apaixonado. Estávamos sempre juntos. Will era o “namorido” perfeito, sempre atencioso, carinho e apaixonado. Com suas atitudes me fazia sentir a garota mais especial e sortuda do mundo. Dificilmente meu amor chegava em casa, do estágio, sem me trazer uma florzinha ou um chocolate.
Tem dias que acordo e acho que, ao abrir a porta do quarto, sentirei o cheiro inebriante da panqueca que ele me preparava todas as manhãs, recheada de chocolate e morangos. Mas então a realidade vem à tona e me lembro que isso nunca mais acontecerá, que nunca mais sentirei o sabor da sua panqueca, seu abraço apertado e super protetor, o calor dos seus beijos, ou simplesmente receber aquele olhar que diz “eu te amo” sem pronunciar uma única palavra. Então as lembranças do dia em que meu mundo desabou me vêm à mente. Era uma linda manhã de maio, primavera em Londres. Eu estava indo para a faculdade e ele para o escritório de advocacia que havia começado a trabalhar. Decidimos ir a pé para sentir o perfume das flores que enfeitavam as ruas de Londres, aproveitar aquela linda manhã. Num momento de distração atravessei a rua sem olhar para os lados, e num momento que pareceu durar uma eternidade, meu herói se jogou na frente de um carro que vinha em alta velocidade, em minha direção, salvando minha vida e tirando a sua. Foi ali que minha vida desmoronou. Foi no hospital, horas depois, que ele me deixou.
O início da minha vida sem ele foi muito difícil, eu parecia um corpo que só vegetava. Não tinha vontade de comer, de sair de casa, e nem mesmo de tomar banho. Até dormir era uma tortura, pois nos meus sonhos ele estava ali comigo. E na verdade estava, pois Will se tornou meu anjo protetor, meu guardião. Com muito apoio, principalmente da minha sogra, consegui me reerguer e seguir em frente. Não digo que foi fácil, ainda é difícil. Tem dias que olho para a entrada de nosso apartamento e fico esperando ele atravessar a porta, com uma flor na mão, me dar um beijo e sussurrar em meus ouvidos: “Minha Laura, como senti sua falta hoje”. Se eu soubesse que o destino seria tão traiçoeiro com nós dois, jamais teria enrolado para marcar o casamento. Hoje talvez eu teria um filho dele, um fruto do nosso amor.
O que me conforta hoje são as lembranças lindas do amor que vivemos. Um amor verdadeiro que muitas pessoas não terão a oportunidade de viver. Vivemos em três anos o que muitos casais que passam uma vida inteira juntos não vivem. Sei que um dia terei de reconstruir minha vida, encontrar um alguém que me faça sentir pelo menos metade do amor que eu sentia por ele, e construir uma família, pois esse foi seu ultimo pedido. Ele era tão maravilhoso, tão perfeito, tão nobre, que suas últimas palavras foram sobre meu futuro, sobre minha felicidade: “Laura, meu amor, não estarei mais aqui para te amar, e por isso quero que você reconstrua sua vida. Quero que você encontre um novo amor, construa uma família e seja feliz. E nem pense em dizer não, é meu último desejo. Te amo, e onde eu estiver te amarei para todo o sempre, cuidarei sempre de você, minha doce Laurinha.”
Sei que um dia terei que cumprir a promessa que fiz a ele de ser feliz, de encontrar alguém, mas mesmo que eu ame outro alguém, parte do meu coração será sempre dele. Essa promessa faz parte de um futuro ainda muito distante, porque meu coração dilacerado pela dor ainda pertence completamente a William, o grande amor da minha vida.

terça-feira, 21 de março de 2017

Uma taça de vinho
           
Quase engasgo com o gole de vinho que eu acabei de beber. O Vitor está cantando no nosso karaokê “Born to die”, da Lana Del Rey. Mas o que me faz engasgar é a coreografia digna de um ator. Eu adoro vê-lo cantar, sempre nos divertirmos, mesmo com as músicas menos alegres. Ele não é o melhor cantor, mas não posso deixar de olhar pra ele e não sentir uma emoção. Ele me passa amor, alegria, confiança, lealdade... São tantos sentimentos. E hoje é um dia importante. Estamos comemorando o primeiro dia no apartamento novo. Resolvemos dividir o aluguel e morarmos juntos. É tempo de economia. E sem contar que morar sozinha não é muito bom.
Conheci o Vitor na faculdade de Letras. Esses anos juntos nos uniram bastante e hoje somos grandes amigos. Tão amigos que temos a liberdade de falar qualquer coisa um para o outro. E nisso somos ótimos, muitas criticas... Não é fácil receber uma critica do meu amigo perfeccionista, mas já me acostumei. Confesso que essas críticas me ajudaram bastante. Inclusive foi ele quem me incentivou a tentar o mestrado. E hoje estamos aqui, juntos, prontos para iniciar o mestrado em Literatura (nossa paixão em comum). “Conseguimos, Rê!”, ele me fala. Quando eu olho para trás e me lembro de como duvidei, dá vontade de chorar. Eu sempre digo para as pessoas serem positivas, porque a mente tem poder. Mas na hora de eu mesma fazer isso, é mais complicado. Mas eu venci o negativismo. Nós vencemos! Colocamos uma música mais animada e cantamos juntos.
“Sintonize sua vibração, não há tempo pra viver em vão.”, eu canto. “E não pense mais em desistir, existe um mundo que só quer te ver sorrir.”, ele canta. Já podemos formar uma dupla. Adoro cantar com o Vitor. Essa noite vai ser longa. Espero que os vizinhos não reclamem. “Ooh, Natiruts reggae Power chegou. Ooh, transformando toda noite em amor...”, agora cantamos juntos. Quem disse que homem e mulher não podem ser apenas amigos? Nem preciso saber. A verdade é que eu tenho um amigo, um grande amigo e eu simplesmente o amo. Meus dias são melhores na companhia dele.
Estamos felizes, empolgados, suados de tanto dançar e cantar. Amanhã o dia vai ser longo. Muitas coisas pra fazer... Melhor eu não pensar nisso agora. Vou apenas aproveitar a noite ao lado do meu amigo. Me preparar pra amanhã colocar o resto das coisas no lugar... Preciso apenas relaxar. Está na hora de mais uma taça de vinho. Compramos dois vinhos. “Seco para a minha amiga, Renatinha, e suave pra mim.”, Vitor fala e estende a taça pra mim. Que delícia! Sempre fazemos isso. Eu prefiro o vinho seco e ele o suave, por isso compramos sempre dois vinhos. Assim os dois ficam satisfeitos e mais bêbados. E hoje não vai ser diferente. Já estou bem alegre. Essa última taça virei muito rápido e o Vitor também. Nós estávamos com sede. “Mais uma taça de vinho para o meu querido virginiano.” Sorrimos e eu sei que nossa amizade é sincera e verdadeira.



domingo, 19 de março de 2017

Destinos cruzados

O sonho de todo recém-formado é criar estabilidade já no seu primeiro emprego. Mas nem sempre é assim. E comigo não foi diferente. Para conseguir me estabilizar como médica, e realizar um projeto que tinha em mente antes mesmo de começar a faculdade, tive que enfrentar os preconceitos e estereótipos impostos pela sociedade. Tive que provar para uma comunidade inteira que eu não era apenas mais uma patricinha da Zona Sul que acha que o mundo gira ao redor do seu próprio umbigo. Que eu era sim uma garota de Ipanema, mas que tinha como principal objetivo de vida ajudar os mais necessitados.
Aos 10 anos decidi que gostaria de estudar medicina, e como sempre fui apaixonada pelo Canadá, comecei a me preparar para futuramente ser aceita na Universidade de Toronto. Quando iniciei meu curso e percebi a profundidade da profissão, vi que não bastava apenas salvar vidas em um hospital na zona sul de uma grande capital, eu queria ser diferente, eu queria fazer a diferença, e foi assim que decidi levar atendimento a pessoas que tem dificuldade de acesso a um centro de saúde. Foi assim que resolvi, com o apoio de outros profissionais da área, construir um Centro de Atendimento Médico em uma das comunidades do Rio de Janeiro. E foi nessa comunidade que encarei os maiores desafios da minha vida, tanto na profissional quanto na amorosa. No início foi difícil provar aos moradores da minha capacidade e das minhas intenções, e entre essas pessoas que desconfiavam de minhas intenções estava Arthur.
Quando nos conhecemos foi implicância a primeira vista. Não havia um dia em que nos encontrávamos e não trocávamos farpas. Arthur era líder comunitário e por isso se achava o dono do lugar, que podia decidir quem entrava e saía, sendo assim não aceitava que uma garota rica transitasse por seu morro sem sua autorização, não aceitava que alguém com as minhas condições financeiras fosse perder seu tempo com um lugar que era invisível para os outros moradores da cidade. E eu não aceitava que ele tentasse me impedir ou me fazer desistir de estar lá todos os dias, de colocar em prática meus objetivos. Pouco a pouco fomos percebendo que aquela implicância não era raiva, era atração, mais que isso, era paixão. E assim nos rendemos ao inevitável.
Sabe aquilo que é errado para todos, mas é o certo para você?! É exatamente isso que Arthur representa na minha vida. Um relacionamento que muitos acreditavam que jamais daria certo, simplesmente porque sou a “patricinha de Ipanema” e ele o “favelado”, mais um preconceito imposto pela sociedade, principalmente por meu pai. Nosso relacionamento nunca foi perfeito, nem preciso citar as inúmeras diferenças que existem entre nós, a começar pelas condições financeiras. Meu pai jamais aceitou que eu tenha trocado meu noivo rico por um rapaz da favela. Jamais aceitou que sua Duda tenha crescido e feito suas próprias escolhas. Mas não me importa que ele seja pobre e tenha crescido em uma comunidade carente. Porque o que realmente faz sentido é quem Arthur é por dentro.
Apesar das diferenças, eu e Arthur nos completamos. São diferenças que se tornam aprendizado. Com Arthur aprendi a ser melhor, e o ajudei a ser melhor. Aprendemos juntos a importância de não julgar as pessoas antes de conhecê-las melhor, de não julgar pela aparência. Se não tivéssemos baixado a guarda, eu ainda seria para ele a patricinha intrometida, e na minha visão ele seria o rapaz arrogante e orgulhoso que não aceita estranhos em sua comunidade. Mas hoje conheço bem seu coração e sua alma, e sei que por trás de sua fachada de durão se esconde um rapaz amoroso e solidário.
Não sei o que o futuro nos reserva, não sei se passaremos a vida inteira juntos. Mas o que espero de verdade é que daqui a alguns anos estejamos casados e felizes, que possamos olhar para nossos filhos e dizer que o amor de Arthur e Eduarda venceu as barreiras do preconceito e superou todos os obstáculos, e que força nenhuma do mundo pode ser maior que a do amor.



sexta-feira, 17 de março de 2017

A longo prazo

           Sabe aqueles amores confusos? Que te balançam, te enchem de dúvidas e causam noites de insônia? Heloísa estava vivendo um amor assim. Claro que ela não sabia que era amor. Na verdade ela não queria acreditar que era amor. Era mais fácil ignorar a realidade e seguir em frente. Tentar, porque aquilo estava consumindo muitas horas do seu dia. Ela sempre foi uma pessoa indecisa, complicada com as emoções. Talvez por isso nunca conseguiu namorar. Tinha medo das relações, tinha medo de se sentir presa. Às vezes se sentia fria, sem saber como expressar os seus sentimentos. Até com a família era complicado. Ela amava seus pais, seus irmãos e algumas outras pessoas. Mas tinha muita dificuldade em expressar isso. Não sabia agir e sentia falta de dar o seu carinho.
          Heloísa estava no último ano da faculdade de Medicina Veterinária. Estava muito feliz no curso, mas não via a hora de se formar e sair da cidade onde nasceu. Queria continuar estudando, mas queria fazer isso em outro lugar. Criar experiências novas, conhecer novas pessoas, conhecer a vida. Se sentia muito presa morando com os pais. Queria conhecer a “real” independência. Ela sabia que não seria fácil. Mas era o seu sonho conhecer o mundo e queria realizá-lo.
Há um ano antes ela conheceu Gabriel. Rapaz bonito, muito simpático e atencioso. Uma ótima pessoa para namorar e viver muitos dias de felicidade. Ao longo desse ano eles saíram algumas vezes. Nada muito sério, pelo menos não expressado. Heloísa gostava de conversar com ele e da forma como ele a tratava. Todos ao redor diziam como ele estava apaixonado. Mas era estranho. Ele era enrolado, não deixava nada muito claro. Heloísa também era enrolada. Muito enrolada. Não dava oportunidade para mais encontros. Ela gostava, mas não sabia se envolver. Eles saiam com outras pessoas, mas nada ia pra frente. Ao final desse ano eles voltaram a marcar um encontro. Heloísa tinha esperanças de que as coisas ficassem mais claras entre eles. Ela gostava dele, disso tinha certeza, mas não conseguia se abrir. Não entendia nada. Que garota complicada.
Eles ficaram surpresos com o tanto de coisas que não sabiam um do outro. Ela tinha acessos de alegria e confusão. Rolou um beijo e ela gostou. Mas não conseguia tirar da cabeça que eles eram bastante diferentes. Gabriel queria se formar, arrumar um emprego na cidade onde estava estudando e continuar ali. Não se via “voando alto”. Heloísa estava desanimada com isso. Algumas vezes ela enxergou no Gabriel a possibilidade de um relacionamento mais sério, mais duradouro. Mas então, surgiu essa conversa. Seu medo aumentou. Ela queria voar. Não se importava em namorar e seguir o seu sonho. Mas queria alguém para acompanhá-la. Mais confusões, mais dúvidas. Ela ficou triste. Pensou em desistir do sonho e dar uma chance para uma relação amorosa. Gabriel via tudo com maior serenidade e enxergava nela uma pessoa muito especial. Ele estava disposto a não deixá-la escapar dessa vez. Ao final da noite foi direto e disse que a amava.
Ela não conteve as lágrimas. Não sabia o que dizer. Gostava demais dele e não queria fazê-lo sofrer. Não sabia se sentia amor, paixão. Não sabia o que era aquilo. Conseguiu ser sincera e explicou que não sabia descrever seus sentimentos, que nunca soube abrir seu coração. “Eu gosto demais de você, Gabriel. Muito mesmo. Me sinto bem ao seu lado e já me imaginei ao seu lado.” Ele ficou animado com essa resposta e disse que a entendia. “Não precisa dizer que me ama. Eu espero o seu tempo. Mas dê uma oportunidade para nós. Há quase um ano ficamos nessa coisa enrolada. Eu quero ser o seu namorado.” Ela ficou alguns minutos pensando. Estava cheia de dúvidas. Estava com medo. “Eu gosto de estar com você. E não me imagino namorando outra pessoa. Só consigo imaginar isso com você. Mas tenho medo. A curto prazo vamos ficar bem, muito bem. A longo prazo vou me perder dos meus sonhos. Vou te culpar e não vamos ficar tão bem.” Gabriel ficou extremamente chateado. A amava demais. Resolveram deixar assim. Não namorariam, não sairiam mais.
Heloísa estava sofrendo, mas sabia que era a culpada. Gabriel estava sofrendo e se culpava. Algumas vezes ela tentou conversar com ele e se explicar melhor. Pediu desculpas, não queria que fosse assim. Mas não queria desistir de tudo que sonhou. Ele não a culpava e entendia o seu medo. Culpava a si mesmo por não ter coragem de seguir a sua amada. Os dois se sentiam culpados, não conseguiam deixar de pensar nisso. Se perdiam entre trabalhos finais de curso com o pensamento um no outro. Heloísa chegou a pensar que tinha feito a escolha errada. Lutava contra esses pensamentos dizendo que se sentiria muito pior se não seguisse o seu sonho. A formatura chegou... Heloísa conseguiu um emprego numa grande cidade e pode continuar estudando. Estava bem, estava vivendo o seu sonho. Finalmente teve o seu primeiro namorado, mas não durou muito tempo. Gabriel também arrumou um emprego e conheceu outra pessoa. Estavam felizes.
Hoje Heloísa tem uma grande clinica veterinária e um sítio onde leva animais abandonados para serem cuidados. Ela é feliz na companhia do seu filho Heitor, de 5 anos. Ela conheceu Heitor, o pai do seu filho, dois anos depois de se mudar. Foi amor a primeira vista. Pela primeira vez conseguiu dizer “eu te amo”. Eles namoraram por três anos e ficaram noivos. Ela vivia um grande amor. Viajavam juntos, faziam tudo que ela imaginou fazer com alguém que amasse. Se casaram e logo veio o pequeno Heitor, para encher sua vida de mais brilho. Infelizmente, um ano após o nascimento do filho, seu marido faleceu. Ela já sabia de sua doença, mas tinha esperanças. Foi um lindo amor e lhe deu um lindo fruto.
Gabriel não se casou, mas viveu por alguns anos com aquela namorada. Até que um dia ele descobriu uma traição e tudo acabou. Ele se fechou e quis se dedicar ao trabalho. Há um ano se mudou para a cidade que Heloísa mora. Pensou em procurá-la, mas ficou sabendo que ela conseguiu seguir em frente. Ele nunca a esqueceu, mas agora estava duro com os sentimentos. Na nova cidade conseguiu um emprego numa grande empresa e hoje é gerente financeiro. Se sente realizado profissionalmente. Mas não está muito feliz. Decidiu adotar um cachorro. Na primeira semana se arrependeu, porque dava muito trabalho. O pequeno filhote, Max, só chorava. Não sabia o que ele tinha. Foi numa veterinária, mas disseram que ele estava bem.
Max continuava chorando e Gabriel decidiu ir novamente ao veterinário. Dessa vez foi a outra clínica. Era a clínica da Heloísa. Ele não sabia. Eles não sabiam que o reencontro estava próximo. Quando a secretária disse que conseguiu uma consulta com a veterinária Heloísa, ele começou a imaginar que era muita coincidência, que poderia ser ela. Pensando nessa possibilidade, todos aqueles sentimentos que invadiam seu coração anos atrás apareceram. Ele teve medo de ser ela e ela não reconhecê-lo. “Gabriel, é você mesmo? É o mesmo de sempre.” Heloísa provou que ele estava errado. Aquele reencontro mexeu com um coração que já sabia amar, que já sabia ser ela mesma. Ela cuidou do pequeno Max. Eles conversaram sobre suas vidas. Tinham muitas coisas pra falar um para o outro. Ao final da consulta, Gabriel, emocionado não se conteve. “É bom te ver bem, realizada. Nunca te esqueci e espero que possamos marcar de sair, para continuarmos a conversa.” Ela pensou nos encontros que já tiveram, naquela relação complicada... “Também estou muito feliz em te ver. Hoje me sinto diferente e já consigo ser mais clara comigo e com os meus sentimentos. Claro que eu aceito sair com você. Dessa vez essa relação vai ser a longo prazo.”

quarta-feira, 15 de março de 2017

Sonhando juntas

Nós sempre nos conhecemos, desde que tínhamos uns 10 anos, mas foi só aos 20 anos que viramos amigas. Ainda me lembro do dia que demos o ponto de partida para nossa amizade. Estávamos no trabalho, e como nesse dia havia poucas pessoas, começamos a conversar. Num determinado momento Catarina revelou que gostaria de viajar bastante, conhecer diversos lugares pelo mundo, mas que um dos seus sonhos era conhecer Londres, exatamente o mesmo que eu. Depois fomos descobrindo outros pontos em comum: a paixão pelos livros, por cinema, o desejo de conhecer o mundo, a mesma profissão, a vontade de ter vivido no século XVIII ou XIX, e o mais importante, aquilo que realmente impulsionou e fortaleceu nossa amizade, nossa mente sonhadora.
Agora, três anos depois do início de nossa amizade, estamos jogadas no sofá da sala de estar, no nosso apartamento. Os pés descansam sobre a mesinha de centro. Estamos em um nível de cansaço altíssimo, afinal, mudar de um estado para o outro é sempre cansativo. Mas nem esse cansaço é capaz de frear nossos devaneios, nosso entusiasmo e nossa ansiedade. Ao som de Shape of you, do Ed Sheeran, e acompanhadas de uma garrafa de um bom Vinho Rosé (outra de nossas paixões em comum), tentamos organizar nossos pensamentos e falar de um só assunto, já que discutimos diversos assuntos ao mesmo tempo. Nossa prioridade deveria ser a organização do apartamento, pois têm malas para todos os lados, mas nossa ansiedade nos lembra que precisamos começar a organizar nossa tão sonhada biblioteca. Porém, nossa mente nos leva a um assunto que poderia ser discutido posteriormente, nossa tão planejada viagem a Londres (tão planejada mesmo, porque há anos estamos pensando em todos os detalhes), nossa primeira viagem para fora da América do Sul, para aquele destino que nos tornou amigas.
Olho para a varanda e ao fundo vejo o imenso mar da Praia da Barra da Tijuca. É difícil acreditar que estamos no nosso primeiro dia de moradoras da Cidade Maravilhosa, que nosso sonho começou a se concretizar. Aquele sonho que nossas colegas de trabalho viviam rindo, dizendo que nunca se tornariam realidade. Aquele que mesmo parecendo impossível, nunca deixamos de acreditar. Ou melhor, um deles, porque são tantos sonhos que ainda temos para realizar.
“Júlia”, Catarina me chama e tira-me dos meus pensamentos. “O japonês chegou”, me avisa apontando para a barca de comida japonesa a minha frente, mais uma das nossas preferências em comum. Enquanto comemos fico olhando para minha fiel amiga e pensando no quanto sou grata a Deus por ter colocado essa louca na minha vida. Essa louca que é minha parceira de sonhos, que nunca me deixou desistir deles, que sempre me fez acreditar que um dia se realizariam. Essa louca que é minha confidente, que entende minha mente maluca como ninguém.
Saio dos meus pensamentos e volto para a realidade. Sorrio para Catarina e digo: “Cat, obrigada por fazer parte da minha vida, obrigada por me fazer acreditar que um dia nossos sonhos se realizariam, por nunca ter me deixado desistir deles, e por compartilhar dos mesmos que eu. Pois como diria Raul Seixas “Sonho que se sonha junto é realidade”, e foi exatamente assim que chegamos aqui”.

segunda-feira, 13 de março de 2017

De chocolate

Ele sempre soube dos meus maiores gostos, dos meus maiores medos, dos meus maiores defeitos. Ele me conhecia como ninguém. A convivência nos trouxe intimidade, amor, cumplicidade e entendimento. Ele me amava como ninguém. Estar com ele era como estar no paraíso. Ele sabia dar os melhores conselhos e as melhores broncas. Ele me respeitava como ninguém. Com ele eu podia me abrir, chorar, gritar, reclamar, agradecer. Com ele eu podia ser eu mesma. Ele me escutava como ninguém. Ele pagava a conta, eu pagava a conta, nós dividíamos a conta. Ele era leal como ninguém. Nós crescemos, nós mudamos, nós dividimos muitas coisas, nós fomos muito unidos.
Meu nome é Clarice e eu sempre amei o Maurício. Amor de infância, amor de adolescência, amor de jovens. A verdade é que sempre nos amamos. Crescemos no mesmo bairro, estudamos juntos, fizemos muitas coisas juntos. Antes de tudo fomos amigos. De amigos para namorados. As pessoas diziam que estávamos loucos, que não era possível que um “namorinho de infância” durasse muitos anos, que o “mundo” iria nos separar. Nós dizíamos que era amor, um amor doce como chocolate. E realmente era amor. Não nos imaginávamos longe um do outro. Queríamos conhecer o mundo na companhia um do outro. E assim fizemos. Viajamos juntos, criamos memórias juntos. Mas chegou um momento que a separação era necessária.
Formamos na faculdade. Ganhei um curso de aperfeiçoamento em outra cidade. Seis meses longe do meu amor de chocolate. Eu não ia conseguir, ia ficar com saudades. Ele me incentivou, animei. Grandes meses, grandes experiências. Ele estava certo. Voltei. O amor era o mesmo, talvez só um pouco mais intenso devido à saudade. Que delícia matar a saudade. O meu amor continuava me incentivando, me apoiando. E eu o incentivava. Nós éramos amigos antes de tudo e queríamos o bem um do outro. Mais viagens juntos, mais memórias. Era bom demais estar com o meu amor. O meu Maurício.
Namorar o Maurício era como viver no paraíso. Ele era o amor da minha vida. Sempre enxergamos um futuro juntos. Até que aconteceu a vida... Surpresas, mudanças, novas oportunidades. Eu sabia do talento do meu amor, do seu esforço. Ele queria fazer diferença no mundo. Ele sempre fez diferença no meu mundo. Mas ainda tem o mundo das outras pessoas. Eu o entendia. A oportunidade chegou pra ele. Dois anos fazendo pesquisas fora do país. Pensei em ir junto? Claro. Poderia segui-lo para qualquer lugar. Mas não devia, não era o momento. Eu tinha acabado de conseguir um novo emprego. O emprego dos meus sonhos. O meu amor de chocolate também era o meu sonho. Vivíamos um sonho juntos. Mas era inevitável. Eu tinha que apoiá-lo. Aguentamos seis meses. Poderíamos aguentar dois anos.
Foi difícil, muito difícil. Os primeiros meses foram tranquilos, porque já experimentamos isso antes. Mas depois a saudade pesou. Ele vivia fora de contato. Brigamos, brigamos, como nunca havia acontecido antes. Eu não queria sair, não queria mais nada. Que saudades do meu amor. Mais brigas... Pensamos em acabar com essa relação... Não conseguimos. Já vivemos tantas coisas. Nos amávamos demais. Criamos força e mais força. O amor era maior. Iríamos conseguir...
E conseguimos. Ele voltou. Brigamos de novo. Nos reconciliamos, nos amamos como nunca tínhamos nos amado. Choramos juntos, agradecemos juntos. Ele voltou com ótimas pesquisas, ótimos trabalhos. Que orgulho! Propostas e mais propostas de empregos. Estávamos vivendo cada um o seu sonho. E agora poderíamos viver juntos o sonho de amor.
Antes de tudo fomos amigos. De amigos para namorados. De namorados para noivos. De noivos para casados. E de casados para eternos amantes. As pessoas diziam que estávamos loucos, que o “mundo” iria nos separar. O mundo nos deixou mais fortes. Hoje nós reafirmamos que é amor. Um amor de chocolate.