Florescer
Não
são apenas as belas flores que podem florescer, reflorescer e encantar o mundo
com todo o seu potencial. Somos seres mutáveis também, com uma enorme
capacidade de crescer e recomeçar. No entanto, como as flores nós dependemos de
alguns fatores, muitas vezes externos. Mesmo assim não podemos esquecer o que
para nós é mais importante, nós mesmos. Externo e interno trabalham juntos e
formam a força necessária para nos fazer seguir e encantar o que vier. Pois
bem, uma pequena flor chamada Sara nasceu num ambiente tranquilo. Ela teve
todas as condições favoráveis em seus primeiros anos de crescimento. Mas claro
que se perguntasse à pequena Sara se ela estava contente com aquilo que tinha,
ela não daria uma resposta super positiva. Não podemos julgá-la. Cada um tem
uma visão de vida, cada um sabe aquilo que sente e vive. E ainda, a maturidade
não é algo muito simples a ser alcançado. Seus pais eram casados e sempre
fizeram o melhor que podiam, tentando manter o relacionamento firme e estável aos
olhos da pequena filha. Eles eram amorosos a sua maneira. Anos iam se passando,
Sara conhecia o mundo aos poucos.
Tímida,
fechada para as grandes emoções, nunca soube se expressar com firmeza. Mas em
seu coração guardava todos os sentimentos do mundo. Sempre atenta e
observadora, escrevia em seu diário tudo aquilo que sua boca não era capaz de
dizer. Amava os pais e a melhor amiga, Marina, mas algo a prendia, não se
sentia a vontade para dizer em voz alta o quanto esse amor era grande. Ela
queria dizer, queria muito, com todo o seu coração e sua mente agitada, mas não
conseguia. E não entendia o motivo. O mesmo acontecia com os garotos. A verdade
é que por muito tempo ela sabia que não havia amado nenhum, mas gostou bastante
de dois garotos que conheceu em momentos distintos de sua vida. O primeiro
conheceu no ensino fundamental. Escola e experiências novas. Sara estava muito
feliz, mesmo tímida conseguiu se aproximar de uma garota e fez mais uma amiga,
a Lívia. Ao contrário da Marina, que sempre esteve próxima fisicamente a Sara
(elas são amigas desde pequenas e moram bem perto), com a Lívia foi diferente,
mas elas sempre fizeram muito esforço para manter a amizade. Ainda hoje elas se
encontram pelo menos duas vezes por ano para matar a saudade.
Então,
escola nova... Poucos dias depois daquele intenso primeiro dia a Sara conhece o
seu primeiro interesse amoroso. Adolescente de 14 anos, apaixonada por
romances, ela encontra o Felipe, garoto extrovertido e muito simpático. Acabam
se aproximando através da nova amiga e criam um laço bem interessante. (Primeiro
beijo da Sara.) Mas a vida acontece, nenhum dos dois sabia o que queria,
acabaram se perdendo entre idas e vindas por cerca de três anos (não era um
namoro). Depois disso a Sara conheceu outros garotos interessantes, deu uns
beijos, mas ninguém prendia a sua atenção. Todas as suas primas da sua idade já
haviam namorado pelo menos uma vez e ela não. Mas enganam-se quem pensa que
isso a incomodava, ela nunca se pressionou, não sentia vontade de forçar nada.
Claro que o incomodo surgia das palavras do entorno. Tirando isso, ela estava
tranquila. A sua preocupação era não conseguir se envolver emocionalmente, o
namoro seria apenas uma consequência. E essa preocupação ia além, envolvia
também a família e as amigas, que naquele momento (inicio da faculdade), eram
apenas duas. Ela estava satisfeita com as pessoas que tinha em sua vida, mas
queria se ligar com mais emoção, queria dizer “eu te amo”.
Segundo
período da faculdade de psicologia faz a sua terceira verdadeira amizade com a
Camila. Novamente se aproxima de um garoto por meio de uma amiga. Mais tarde
ela ficou pensando nisso e deu boas risadas. “Nunca fui capaz de conhecer
ninguém sozinha.”, ela pensou. Nessa época ela também não se pressionava para
paquerar e conhecer as pessoas. A Sara era aquela pessoa que esperava
acontecer, porque a timidez tomava conta de suas ações. Ela achava que poderia
estar incomodando ou algo assim, mesmo suas amigas dizendo o contrário. Então,
com a ajuda da Camila, ela estava saindo com o Vitor. Ele era amoroso e parecia
gostar de verdade dela. Mais uma vez a vida aconteceu. Se a Sara tivesse se
esforçado pelo menos um pouco para expor o que sentia (porque ela gostava
demais do Vitor, era “quase amor”, ela dizia), poderia ter evoluído para um
namoro, as pessoas ao redor diziam. Mas ela foi um pouco fria, não se deixou
envolver e a relação esfria e mais uma vez se perdeu. Durante um tempo ela
ficou chateada, se culpou imensamente, sentia um pouco de arrependimento. Mas a
sua parte extremamente romântica lhe dizia que não era seu destino ficar com
ele, não era amor de verdade.
E
mais uma vez as pessoas se enganavam, ela não estava esperando um romance
daqueles de livro, não queria um príncipe. Ela só esperava alguém capaz de fazê-la
amar. Ela queria se sentia completamente envolvida, não queria uma felicidade
pela metade, queria sentir saudades, ciúmes (na medida certa), confiança...
Queria saber dizer “eu te amo”. “Eu não me esforcei, eu poderia amá-lo.”, um
ano depois ela pensou. E ficou nessa, uma pitada de arrependimento e muitos “poderia”
entrando em choque com aquele pensamento forte sobre “não era o meu destino,
não era pra ser”. Muitas pessoas não a entendiam, talvez nem ela se entendesse às
vezes. Mas ela acreditava que o tempo era único pra cada pessoa e pra cada
situação. A vida acontece de forma distinta para cada pessoa, tudo no seu
tempo, tudo a sua maneira. Sem pressão, sem forçar. E assim acontece com o
olhar sobre a vida, cada com sua verdade e suas lutas. Cada um com o seu tempo
para florescer ou reflorescer. Hoje Sara sabe muito bem isso. Passou anos
levando a sua vida amorosa com tranquilidade, nunca se forçou a um namoro para
apenas atender a expectativa de outra pessoa. O que sempre pesou foram os comentários
maldosos. As pessoas diziam que ela era muito exigente, que ninguém era bom o
suficiente. Talvez fosse um pouco verdade isso. Mas era muito mais. Hoje ela
assume que tinha medo de viver um relacionamento que não a deixasse
completamente feliz e satisfeita. Mas também entendeu que a felicidade é
complexa e que um bom e feliz relacionamento é fruto de uma construção de duas
pessoas. E viver as tristezas faz parte e nos deixa mais fortes.
Prestes
a completar 30 anos, faltando exatamente duas semanas para o seu tão aguardado
aniversário, Sara sentiu algo diferente a cutucar no coração. Era um desejo de
viver mais, de ultrapassar as fronteiras e seguir o seu caminho. Até aquele
momento ela não estava preocupada, mas um comentário recente de sua madrinha a
incomodou demais. Ela nunca tinha se deixado envolver por opiniões de pessoas
que não sabiam o que se passava realmente em seu coração. Mas, afinal, quem
conhecia o coração da Sara? Será que se conhecessem aquele imenso coração, repleto
de lindos sentimentos, entenderiam que para a Sara o tempo era diferente, que
ela sempre amou, mas que a sua forma de amar era complexa? Já disseram que ela
não tinha coração, que era fria demais. O que te prendia Sara? Era apenas o
medo de se expor e ficar vulnerável, o medo de perder a liberdade, o medo de
não ser amada? Medo, medo, medo, uma palavra tão pequena, mas que tem um poder
negativo enorme. Aquela sensação que estranhamente surgia no enorme coração da
Sara era os primeiros momentos do seu florescer. O incomodo comentário de sua
madrinha aparecia como adubo. Não era um adubo dos bons, ele poderia estragar a
flor, mas a Sara recebeu aquele adubo com uma força tremenda que o negativo se
transformou. Ela não deixou que o comentário a fizesse duvidar de si mesma e de
suas escolhas ao longo dos anos. Ela entendeu que incomodava porque ela estava
mudando, seus quereres se transformavam.
Duas
semanas antes do seu aniversário, Sara decidiu sair sozinha, algo que nunca
tinha feito antes na vida. Sempre muito quieta e caseira, ela não saia muito.
Mas a vontade e a força surgiram, ela queria experimentar sensações diferentes.
Quando disse isso para sua amada amiga Marina, ela duvidou. Mas alguns minutos
depois bastaram para que sua melhor amiga entendesse que a mudança estava mesmo
aflorando dentro da intensa Sara. A empolgação surgiu e ela queria saber aonde
a amiga iria. “Não sei. Acabei de me arrumar, vou pegar um taxi e sair por aí.”,
ela disse e a Marina não entendeu. Aquela não era a amiga dela. “Apenas tenha
cuidado, vá a algum lugar seguro.”, a amiga disse. Então Sara saiu e dentro do
taxi imaginou que era uma loucura, poderia estar correndo um risco andando
sozinha em qualquer lugar. Mas ela não queria desistir, o desejo de seguir o
caminho (qual não sabia) era maior. Depois de o taxista perguntar pela terceira
vez para onde ela queria que ele a levasse, ela respondeu “para um lugar
tranquilo e bonito”.
Parecia
o destino mesmo, ele sorriu e seguiu com o carro. Sara não sabia onde estava
indo, mas a cada quilômetro percorrido ela sentia uma certeza enorme de estar
fazendo a coisa certa. O carro parou. A preguiça, a correria e até a falta de
interesse nunca levou a Sara aquele lugar. Ela pagou pela corrida e agradeceu
diversas vezes ao taxista. A emoção tomou conta de seu coração. Seus olhos
brilhavam, se enchiam de lágrimas. A noite fria de outono estava estrelada e
aconchegante. O céu azul era palco de aquele florescer. O caminho a havia
levado ao jardim botânico da sua cidade. Sara olhava tudo ao seu redor com um
enorme sorriso. Tudo era tão bonito e delicado. “Por que eu perdi tanto tempo?
Esse lugar... É como se fosse o meu lugar.”, ela pensava mil coisas enquanto
admirava cada detalhe do jardim. E o tempo não foi suficiente pra ela naquele
dia. Quase que foi expulsa. Mesmo assim saia feliz de lá, com o coração
renovado, pronta para fazer mil coisas e já no desejo do retorno aquele lugar
que a deixava tão bem. Ainda extasiada com aquela experiência, sentou num banco
do lado de fora do jardim botânico e começou a observar o céu. Tudo parecia
ainda mais lindo naquele dia. Minutos depois Sara conheceu mais um adubo, um
adubo super positivo. Sara conheceu o amor. Alan a admirava por horas e
finalmente sentiu que era o momento de conversar com ela. Ele estava encantado
com o encanto de Sara. Alguns minutos conversando com ele bastaram para ela
sentir que ali poderia surgir algo diferente. O seu desejo de mudança, o seu
florir, trouxeram força para seguir conhecendo aquele estranho que em pouco
tempo seria completamente familiar.
E
no seu aniversário de 30 anos Sara disse o primeiro “sim” a um namoro. Parecia
loucura, mas não era. A mágica do tempo surgiu. Ela estava florescendo, estava
se permitindo sentir e viver. Ainda naquela noite, tomada por uma emoção
contagiante, Sara expôs com fervor os seus sentimentos. Foram incontáveis “eu
te amo”. Sua família e amigas estranharam, mas se contagiaram daquela explosão
se amor. Claro que depois não foi sempre assim. O dia do seu aniversário foi
com certeza um momento único. Ela ainda sentia vergonha de expor demais o que
sentia, mas estava se esforçando. As pessoas começavam a conhecer a extrema
força do coração da Sara. Ela levou um tempo pra florescer e há quem diga que
continua florescendo. Belas flores florescem a vida inteira. E hoje a Sara
floresce com a maturidade do tempo, do seu tempo. Voltando a pergunta, quem
conhece o coração da Sara? Os seus amados conhecem, porque um coração que ama e
é amado sabe reconhecer o outro.
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