domingo, 16 de dezembro de 2018


O beijo
           
           Distribuir amor e carinho é o que todos deveríamos fazer sempre. Mostrar ao outro que nos importamos e que a presença dele em nossa vida é de grande valor, seria muito mais bonito se pudesse ser sempre lembrando com um abraço apertado, um beijo delicado. Existem também aqueles que tornam a sua presença em nossas vidas mais intensa, repleta de fervor e muita paixão. A esses seres separamos os beijos molhados, suados, entregues a muita intensidade e calor. O calor humano traz acalento aos dias cinzentos. O calor humano traz paz aos corações cansados de sofrer. O calor humano é entrega, é promessa, é espera, é saudade. Quem dera pudéssemos ser calor sem temor. Quem dera pudéssemos nos doar sem medo e sem espera. Mas vamos nos entregar as vontades e aos desejos, as saudades e aos retornos, as partidas e as esperas, ao confirmar do carinho, do importar. Seja com medo, com esperança, fé, seja acreditando que sempre será recíproco. Se não for, por fim, depois daquele tempo, quem perde não seremos nós. Fizemos nossa parte. Seja carinho, seja acalento, um sopro de amor.
            Olívia tenta ser presença de calor e vigor na vida de quem atravessa seu caminho. Sempre muito cheia de sentimento, abraça com delicadeza e força. Mas se tratando de beijo, que pra muitos é levado com simplicidade e deve ser visto da sua força mais simples, ou da forma que melhor nos deixar a vontade e bem. Afinal, beijo é pra ser bom, é pra ser repouso de carinho e afeição. Beijo de amor, beijo de amor, beijo do simples desejo do encontro... Apenas beijo. Para muitos se eu me deparar com quem me desperta paixão, interesse, um beijo sela com prazer e encanto o encontro. Dois lábios dispostos a fazer daquele instante uma memória de carinho. Um carinho guardado para lembrar e reviver, ou um carinho que só o momento presente se faz valer. Não importa. Seja beija, seja o instante, seja a eternidade, guarde quando der vontade. É apenas o corpo transformando desejos e sentimentos em troca. Mas para Olívia um beijo “romântico” seria único. Ela bem que tentou, mas não conseguiu. Encontros regados a interesses espontâneos já não faziam mais sentido. Ela desejava guardar o beijo, reviver e reviver na memória. Ela via o beijo sempre com amor envolvida. Esse é o beijo que a repousa em bem estar. Então ela se guardou, esperou... Fugiu das promessas vazias, dos beijos de instante. Estaria Olívia focada demais em algo que poderia ser simples? Poderia ser isso, ou não. Era sua vontade e ela se via bem assim. Não desejava beijar por beijar e perder a imagem de quem a beijou em poucos minutos. Queria guardar e poder rememorar. Olívia é um ser único, singelo, delicado, romântico e de muita paciência. Se assim estava bom pra ela, quem somos nós pra questionar? Afinal, é o seu corpo, é seu bem querer.
            Numa noite calma, sem grandes promessas, apenas inundada do mais lindo luar, Olívia foi escrever e dividir memórias. Com as amigas de longa data, piquenique sobre a areia fria da praia. Muitas risadas, histórias resgatadas, lembranças revividas e comemoradas. A alegria tomava conta daquele grupo unido de amigas. Todas sempre conheceram bem a romântica e paciente Olívia e a entendiam. Afinal, amigos cobram, incentivam, dão carinho e compreensão, mas sempre entende quem você é e respeitam seus limites. Ali não seria diferente. Elas compartilhavam do mesmo desejo, de ver cada uma delas feliz e bem. O amor reinava naquela noite fresca e iluminada. Abraços quentes e apertados de muitos desejos de felicidades a nova noiva da turma. Mais beijos e abraços genuínos de apreço a recém formada. Incentivos carinhosos a duvidosa que não sabia mais quanto tempo esperar até fazer uma grande mudança. Ah... Muita troca de carinho. Muito amor recíproco e guardado na memória. Estavam felizes, apesar de cada uma guardar seus problemas e anseios. É preciso fazer uma pausa, dividir as preocupações, saber esperar, receber e doar o que tem de bom e ter paciência que uma hora o caminho se ajeita.
            De repente, como num instante em que uma grande estrela brilhou forte no céu, surgiu dentro do coração de Olívia um ardente desejo, meio indecifrável, mas muito requerido. O brilho tomou conta dos olhos daquela doce romântica, que não sabia mais como interpretar seus sentimentos. Era mais um daqueles momentos de desejo e eterna espera. Dessa vez com mais urgência e ansiedade. Era um desejo de ver a vida acontecer com fervor e encanto. Mais uma vez ela aguardaria. Aquela noite chegava ao fim, o grupo se preparava pra seguir o caminho de volta pra casa. Quando que num misterioso instante surge a figura iluminada pela lua, de um rapaz ansioso. Ele parecia esperar por aquele momento tempo suficiente para fazer suas mãos tremerem e seu coração acelerar. Parado de frente para a Olívia ele tentava se apresentar. Guilherme, o nome da figura interessante. A jovem romântica já detinha toda a sua atenção para o jovem ansioso e charmoso. Ele havia aguardado tempo demais distante, apenas observando os traços delicados e o ar cativante de Olívia. Ela queria ficar, conhecer as histórias e memórias de Guilherme. Ela se sentia atraída, fisgada por aquele estranho quase conhecido. Era a magia da noite? Ou o momento do simples relaxamento das pressões e aspirações? Era pra acontecer. Mas ela precisa partir. O estranho tão atraente se aproxima mais e não há instante para ousar pensar, recuar. É preciso se entregar ao momento e experimentar aquela ousadia.
Olívia parecia à vontade, parecia no seu momento de bem estar. Estaria ela se traindo? Ou finalmente se encontrando? Seria o Guilherme memória de instante? Ela não pensava e não se importava. Então o beijo. A mais simples forma de selar um encontro magnético e repleto de desejo. O tempo para, sem pressa, sem pressão. Apenas o beijo. Encontro de dois seres que enxergaram algum carinho terno um no outro e via urgência naquele encontro. Para surpresa do grupo de amigas, Olívia se via levada por aquela deliciosa forma de exprimir uma vontade. Ou talvez eu esteja contaminada pelo olhar romântico da doce Olívia e esse encontro seja apenas um beijo. Ou não. Como saber? Mas precisamos sempre acreditar que um beijo, mesmo que seja instantâneo, também possa ser promessa. É gostoso pensar assim, é gostoso fazer de cada instante memória única. O beijo chega ao fim naquele momento, mas sabemos que será revivido por Olívia com muito entusiasmo. Haverá um segundo, um terceiro? Se houver, que seja sempre assim, único. Para o Guilherme fica no ar a promessa, a espera. Ahhh, Olívia. Sabemos que apesar de ser um beijo, é o beijo. Parece que a espera se fez valente e marca um início. Do quê, ela simplesmente descobrirá e estará pronta para mais uma vez se admirar. Seguirá Olívia sendo única e encarando o mundo com seu jeito particular. O importante é não parar de se entregar, mesmo que o recíproco venha a duvidar. Uma hora vai ser real. Uma hora vai ser seu. E será único.

domingo, 4 de novembro de 2018


Desde que te vi pela janela
           
Andei pensando, andei avaliando... Me olhei no espelho, encontrei um olhar intenso e um pouco perdido. Nos minutos seguintes eu não olhava mais aqueles olhos, eu olhava mais além. Era como se eu estivesse dentro de mim. Desde as 7hrs e 05min daquela quarta-feira quente e úmida, desde que te vi pela primeira vez da minha janela, senti algo brotar dentro de mim. Eu senti que era especial e diferente. Naquele mesmo dia eu já te tinha em perfeito delineado em minha mente. Eu nunca me esqueceria do contorno do seu rosto, do seu respirar acelerado, dos seus passos apressados. Eu nunca me esquecerei. Parece que foi ainda hoje de manhã que te vi pela primeira vez. Meus olhos cansados de uma noite mal dormida despertaram intensamente com a sua presença. Não te olhei nem por 59 segundos, mas olhei o suficiente pra perceber algo. E até sentir. Desde que te vi pela janela eu me apaixonei por você.
E no dia seguinte lá estava eu novamente na janela só esperando. Imaginei, pelo seu andar, que no dia anterior você estava atrasado, por isso acordei cedo para te ver passar. E eu estava certa. Você passou antes, com um andar concentrado, mais tranquilo. E novamente me apaixonei por você. Por dias e mais dias eu acompanhei os seus passos, às vezes apressado, às vezes distraído, tranquilo, sereno, entusiasmado. Foram dias e mais dias. E cada novo dia eu me apaixonava um pouquinho mais por você. Mas desde aquela quarta-feira eu tenho pensado, e o pensamento surgiu quando me olhei naquele espelho. Pensei em como eu gostaria de conversar com você, de olhar dentro dos seus olhos, de olhar de frente para o seu sorriso. Mas eu não tinha coragem de fazer isso, eu não poderia... “Olha pra você, Milena! Você seria suficiente? Você seria especial pra ele? Besteira, besteira! Estou apenas admirando... Muitas pessoas falariam de nós, muitas pessoas falam de outras pessoas. Ele é lindo e interessante. E eu? Não sei, não sei.”, eu avaliei perdida dentro dos meus olhos. Eu imaginava não ser capaz de ter algo com ele, nem te trocar algumas palavras. Eu não me sentia “a sua altura”. Eu pensava nas outras pessoas, que eu via sempre comentando sobre casais. Eles avaliavam uns aos outros com frequência e diziam expressões como “eles não combinam”. Então eu não ousava imaginar que nós poderíamos combinar. Mas eu continuei com os meus olhares intensos. E quando eu não o via, imagina mil coisas.
A vida de admiradora de janela se encerrava. O estranho por quem eu estava apaixonada continuava seu percurso, mas eu mudei minha rotina. Meu trabalho mudou de horário, me obrigando a sair de casa mais cedo. Fiquei chateada, mas também pensei que deveria ser um sinal pra eu esquecer aquele homem. Eu nunca seria boa o suficiente pra ele, nós nunca daríamos certo. E antes disso tudo, eu não tomaria nenhuma atitude. Mas mesmo sem vê-lo eu continuava vendo a sua imagem em minha mente. Por dias, naquele mesmo horário de antes, ele surgia em minha mente. E assim eu seguia para o trabalho. Caminhando, sorrindo e às vezes brigando comigo mesma por insistir naqueles pensamentos. Dias e dias depois algo estranho aconteceu. Estranho, bom e desafiador, para uma jovem recém saída da faculdade e ainda muito insegura no mundo. Eu seguia para o meu trabalho quando sinto algo cair na minha cabeça. Quando olho pra cima vejo a sombra de uma pessoa em um dos últimos andares de um prédio. A pessoa balança a mão e eu olho pra baixo. Vejo um papel embolado e o pego. Abro. “Pode parecer estranho, mas não paro de pensar em você. Se você for capaz de esquecer a estranheza me liga. Alan.” Não soube muito bem como reagir aquilo. Voltei novamente meus olhos para aquele homem desconhecido e acabei balançando o braço. Guardei o papel comigo e continuei o meu percurso.
Alguns minutos caminhando percebi que aquele homem não era de fato desconhecido pra mim. Era ele, mas eu custava a acreditar. Eu custava a acreditar que ele tinha me notado. Seu número de telefone estava no meu bolso. O que eu poderia fazer? Parecia que ele tinha dado o primeiro passo, queria conversar comigo ou algo assim. O que eu iria falar? Na verdade eu não precisava pensar demais. Passei dias e mais dias admirando aquele homem, eu precisava criar coragem e fazer qualquer coisa. Mas como eu era terrível quando se tratava de paquera. E ainda tinha a minha insegurança. Sempre que eu estava prestes a arriscar, alguma coisa me puxava pra trás. Eu queria ser confiante, eu queria acreditar que poderia ser uma pessoa interessante pra ele. Mas eu não conseguia. Passei o dia avaliando os prós e os contras. Arrumei mil desculpas, impedimentos. Já em casa, me debrucei na janela e olhei para o céu. Uma estrela brilhava tão forte que enchia o meu coração de emoção. Meus olhos se encheram de lágrimas. Peguei o meu celular e mandei uma mensagem meio tímida para o Alan. Sim, eu tinha o seu número e o seu nome. Então fiquei repetindo mentalmente o seu nome e sorri com a sua imagem gravada em minha mente.
 Que noite longa... Que noite maravilhosa! Instantes depois de enviar aquela mensagem ele me ligou. No início eu estava muito tímida e insegura, não falei muito. Ele disse que já havia alguns dias que queria se aproximar de mim, porque costumava me ver pela janela. Que coincidência! Não tive coragem de contar que eu fazia o mesmo. Alan falou um pouco sobre ele e aos poucos, com aquela conversa aberta e tranquila, pude me sentir mais a vontade e comecei a falar de mim também. Quando me dei conta estava falando mais do que o normal. Eu costumo falar muito somente com pessoas que já conheço há bastante tempo. Mas ali naquela noite linda, sem nem olhar em seus olhos, eu senti familiaridade, eu me senti bem. E lá estava eu me apaixonando mais um pouquinho por ele. Era mágico, era maravilhoso. Em uma noite conheci muito dele e sabia que em breve confirmaria todas aquelas sensações positivas. Ao termino da conversa voltei meu olhar novamente para o céu e reencontrei aquela brilhante estrela. Agradeci. Então adormeci com um sentimento enorme de esperança. Mas não era uma esperança no Alan, era uma esperança em mim.
O nosso primeiro encontro não poderia ter sido mais especial. Desde a primeira troca de olhares, desde o primeiro toque, eu pude confirmar tudo de bom que eu já estava sentindo. Ele parecia ser especial demais, tanto que eu às vezes duvidava daquilo ser mesmo real. Eu não estava acreditando que ele estava ali, aparentando estar mesmo interessado em mim. Todas as palavras e olhares direcionados a mim eram amorosos, de um encanto que tocava dentro de mim. Eu sentia que ele era verdadeiro, eu sentia que ele já sentia algo por mim. Era real. Mas mesmo assim minha insegurança me perseguia. Quando eu estava prestes a entrar no meu prédio me dei conta do nosso entorno. Fiquei preocupada que alguém estivesse nos olhando e imaginando coisas a nosso respeito, nos avaliando... Eu estremeci e ele percebeu. Alan queria saber o que me incomodava e eu simplesmente respondi “o mundo”. Não precisei falar mais nada. Ele segurou minhas mãos com carinho e me abraçou. Aquele abraço falava mais que qualquer texto enorme. Não existem palavras suficientes para descrever o que ele me dizia com o calor do seu corpo. E o beijo então... Eu perdi em nós e perdi tudo de mal que poderia passar em minha mente. Por um momento me esqueci do outro mundo. Eu vivia ali um mundo particular e maravilhoso, onde tudo era certo e verdadeiro. Ali nós combinávamos, ali eu era linda e interessante, ali tudo era especial.
A cada conversa, a cada novo encontro ou toque, eu me via ainda mais apaixonada. O Alan tem essa coisa indescritível, que me faz encarar o mundo com olhos eletrizantes e cheios de confiança. Ele tem uma energia contagiante. Ele exala amor. O amor vem de dentro dele, porque ele sabe como se enxergar, como se posicionar no mundo. Com o tempo, observando-o bastante, passei a me observar ainda mais. Eu seguia muito insegura, pensando que a qualquer momento ele se cansaria de mim ou que alguém iria aparecer pra falar de nós. Mas algo novo surgia. Eu já estava extasiada de paixão, meu coração fervia, minha mente era um furacão. Só seus olhos já eram capazes revirar todos os meus pensamentos. Eu estava completamente apaixonada e envolvida. Mas eu sentia mais a cada novo encontro ou nova conversa. O Alan despertava em mim momentos mais longos de pensamentos, mas não só sobre ele e sobre nós, sobre mim. E quando eu estava de frente para o espelho e começava a questionar quem eu era, eu voltava ao nosso primeiro encontro, quando ele me segurou e me levou pra um lugar mágico e único. Eu começava a me sentir mais vezes assim. A confiança surgia dentro do meu peito. Quando eu pensando no outro mundo e nos seres que o habitam, eu já não deixava mais as dúvidas tomarem conta dos meus pensamentos. Se era tão bom estar com ele, se fazíamos tão bem um para o outro e não feriamos ninguém com isso, porque eu deveria me preocupar. E se eu escutasse que não combinávamos ou algo parecido? Já não mais me importaria como antes, porque é apenas uma avaliação externa. Estar bem com ele era suficiente pra mim.
Olhei mais vezes no espelho e comecei a sorrir. Afinal, eu nem era “feia”. E eu não precisava realmente ficar me avaliando desse jeito. Eu já me sentia confiante comigo mesma, não precisava me julgar. Claro que quando eu me arrumava era diferente, sempre apareciam uns pensamentos avaliando as roupas, o cabelo. Enfim, eu já não me importava em me avaliar. Eu estava bem, independente de qualquer resposta que eu pudesse me dar. Mesmo que houvesse dias em que eu acordasse e pensasse “como estou feia hoje”; mas tudo bem, eu estava tranquila em estar feia naquele dia. Minha mudança eu devo muito ao Alan. Não necessariamente aos elogios constantes, ou aos puxões de orelha pela minha cobrança e julgamento excessivos. Mas sim aquela coragem que surgiu em mim naquela noite em que mandei a mensagem. Aquela tímida coragem foi tomando força e forma, me fez pensar mais em mim. Aquela atitude me provou que é preciso agir, que é preciso se colocar no mundo. Eu não estava confiante de quem eu era pra chegar a ter atitudes daquele tipo, ou qualquer outra que me expusesse. Mas aos poucos percebi que era preciso aceitar quem eu era e mostrar ao mundo quem eu sou.
O Alan me enxergou enquanto eu me escondia. Ele me enxerga em momentos únicos, ele me dá força, me dá amor. Então, depois de muito cuidado, de muito esforço (continuo fazendo), pude me amar e amá-lo de verdade. Eu me apaixonei por ele desde que o vi pela janela. Eu me apaixonei por ele todos os dias seguintes e continuo me apaixonando.  Mas o amor pôde sair de dentro de mim depois do dia em que eu cheguei em frente ao espelho, olhei dentro dos meus olhos e pude sentir que me amava. Eu me amava, apesar dos apesares. Há sempre muito que melhorar, há muito que aprender. E eu sigo aprendendo a me amar. Hoje posso dizer que me amo, que estou confortável com quem eu sou. E hoje posso dizer que amo o Alan. Depois de descobrir que poderia me amar, descobri que também posso amar o outro. E eu amo o Alan um pouco mais a cada novo dia. Pareço não ser capaz de sentir um amor maior, mas surge o dia seguinte e eu sinto. O amo hoje muito mais que ontem e muito menos que amanhã. E sigo apaixonada desde que o vi pela janela naquela manhã de quarta-feira.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018


Florescer

            
           Não são apenas as belas flores que podem florescer, reflorescer e encantar o mundo com todo o seu potencial. Somos seres mutáveis também, com uma enorme capacidade de crescer e recomeçar. No entanto, como as flores nós dependemos de alguns fatores, muitas vezes externos. Mesmo assim não podemos esquecer o que para nós é mais importante, nós mesmos. Externo e interno trabalham juntos e formam a força necessária para nos fazer seguir e encantar o que vier. Pois bem, uma pequena flor chamada Sara nasceu num ambiente tranquilo. Ela teve todas as condições favoráveis em seus primeiros anos de crescimento. Mas claro que se perguntasse à pequena Sara se ela estava contente com aquilo que tinha, ela não daria uma resposta super positiva. Não podemos julgá-la. Cada um tem uma visão de vida, cada um sabe aquilo que sente e vive. E ainda, a maturidade não é algo muito simples a ser alcançado. Seus pais eram casados e sempre fizeram o melhor que podiam, tentando manter o relacionamento firme e estável aos olhos da pequena filha. Eles eram amorosos a sua maneira. Anos iam se passando, Sara conhecia o mundo aos poucos.
Tímida, fechada para as grandes emoções, nunca soube se expressar com firmeza. Mas em seu coração guardava todos os sentimentos do mundo. Sempre atenta e observadora, escrevia em seu diário tudo aquilo que sua boca não era capaz de dizer. Amava os pais e a melhor amiga, Marina, mas algo a prendia, não se sentia a vontade para dizer em voz alta o quanto esse amor era grande. Ela queria dizer, queria muito, com todo o seu coração e sua mente agitada, mas não conseguia. E não entendia o motivo. O mesmo acontecia com os garotos. A verdade é que por muito tempo ela sabia que não havia amado nenhum, mas gostou bastante de dois garotos que conheceu em momentos distintos de sua vida. O primeiro conheceu no ensino fundamental. Escola e experiências novas. Sara estava muito feliz, mesmo tímida conseguiu se aproximar de uma garota e fez mais uma amiga, a Lívia. Ao contrário da Marina, que sempre esteve próxima fisicamente a Sara (elas são amigas desde pequenas e moram bem perto), com a Lívia foi diferente, mas elas sempre fizeram muito esforço para manter a amizade. Ainda hoje elas se encontram pelo menos duas vezes por ano para matar a saudade.
Então, escola nova... Poucos dias depois daquele intenso primeiro dia a Sara conhece o seu primeiro interesse amoroso. Adolescente de 14 anos, apaixonada por romances, ela encontra o Felipe, garoto extrovertido e muito simpático. Acabam se aproximando através da nova amiga e criam um laço bem interessante. (Primeiro beijo da Sara.) Mas a vida acontece, nenhum dos dois sabia o que queria, acabaram se perdendo entre idas e vindas por cerca de três anos (não era um namoro). Depois disso a Sara conheceu outros garotos interessantes, deu uns beijos, mas ninguém prendia a sua atenção. Todas as suas primas da sua idade já haviam namorado pelo menos uma vez e ela não. Mas enganam-se quem pensa que isso a incomodava, ela nunca se pressionou, não sentia vontade de forçar nada. Claro que o incomodo surgia das palavras do entorno. Tirando isso, ela estava tranquila. A sua preocupação era não conseguir se envolver emocionalmente, o namoro seria apenas uma consequência. E essa preocupação ia além, envolvia também a família e as amigas, que naquele momento (inicio da faculdade), eram apenas duas. Ela estava satisfeita com as pessoas que tinha em sua vida, mas queria se ligar com mais emoção, queria dizer “eu te amo”.
Segundo período da faculdade de psicologia faz a sua terceira verdadeira amizade com a Camila. Novamente se aproxima de um garoto por meio de uma amiga. Mais tarde ela ficou pensando nisso e deu boas risadas. “Nunca fui capaz de conhecer ninguém sozinha.”, ela pensou. Nessa época ela também não se pressionava para paquerar e conhecer as pessoas. A Sara era aquela pessoa que esperava acontecer, porque a timidez tomava conta de suas ações. Ela achava que poderia estar incomodando ou algo assim, mesmo suas amigas dizendo o contrário. Então, com a ajuda da Camila, ela estava saindo com o Vitor. Ele era amoroso e parecia gostar de verdade dela. Mais uma vez a vida aconteceu. Se a Sara tivesse se esforçado pelo menos um pouco para expor o que sentia (porque ela gostava demais do Vitor, era “quase amor”, ela dizia), poderia ter evoluído para um namoro, as pessoas ao redor diziam. Mas ela foi um pouco fria, não se deixou envolver e a relação esfria e mais uma vez se perdeu. Durante um tempo ela ficou chateada, se culpou imensamente, sentia um pouco de arrependimento. Mas a sua parte extremamente romântica lhe dizia que não era seu destino ficar com ele, não era amor de verdade.
E mais uma vez as pessoas se enganavam, ela não estava esperando um romance daqueles de livro, não queria um príncipe. Ela só esperava alguém capaz de fazê-la amar. Ela queria se sentia completamente envolvida, não queria uma felicidade pela metade, queria sentir saudades, ciúmes (na medida certa), confiança... Queria saber dizer “eu te amo”. “Eu não me esforcei, eu poderia amá-lo.”, um ano depois ela pensou. E ficou nessa, uma pitada de arrependimento e muitos “poderia” entrando em choque com aquele pensamento forte sobre “não era o meu destino, não era pra ser”. Muitas pessoas não a entendiam, talvez nem ela se entendesse às vezes. Mas ela acreditava que o tempo era único pra cada pessoa e pra cada situação. A vida acontece de forma distinta para cada pessoa, tudo no seu tempo, tudo a sua maneira. Sem pressão, sem forçar. E assim acontece com o olhar sobre a vida, cada com sua verdade e suas lutas. Cada um com o seu tempo para florescer ou reflorescer. Hoje Sara sabe muito bem isso. Passou anos levando a sua vida amorosa com tranquilidade, nunca se forçou a um namoro para apenas atender a expectativa de outra pessoa. O que sempre pesou foram os comentários maldosos. As pessoas diziam que ela era muito exigente, que ninguém era bom o suficiente. Talvez fosse um pouco verdade isso. Mas era muito mais. Hoje ela assume que tinha medo de viver um relacionamento que não a deixasse completamente feliz e satisfeita. Mas também entendeu que a felicidade é complexa e que um bom e feliz relacionamento é fruto de uma construção de duas pessoas. E viver as tristezas faz parte e nos deixa mais fortes.
Prestes a completar 30 anos, faltando exatamente duas semanas para o seu tão aguardado aniversário, Sara sentiu algo diferente a cutucar no coração. Era um desejo de viver mais, de ultrapassar as fronteiras e seguir o seu caminho. Até aquele momento ela não estava preocupada, mas um comentário recente de sua madrinha a incomodou demais. Ela nunca tinha se deixado envolver por opiniões de pessoas que não sabiam o que se passava realmente em seu coração. Mas, afinal, quem conhecia o coração da Sara? Será que se conhecessem aquele imenso coração, repleto de lindos sentimentos, entenderiam que para a Sara o tempo era diferente, que ela sempre amou, mas que a sua forma de amar era complexa? Já disseram que ela não tinha coração, que era fria demais. O que te prendia Sara? Era apenas o medo de se expor e ficar vulnerável, o medo de perder a liberdade, o medo de não ser amada? Medo, medo, medo, uma palavra tão pequena, mas que tem um poder negativo enorme. Aquela sensação que estranhamente surgia no enorme coração da Sara era os primeiros momentos do seu florescer. O incomodo comentário de sua madrinha aparecia como adubo. Não era um adubo dos bons, ele poderia estragar a flor, mas a Sara recebeu aquele adubo com uma força tremenda que o negativo se transformou. Ela não deixou que o comentário a fizesse duvidar de si mesma e de suas escolhas ao longo dos anos. Ela entendeu que incomodava porque ela estava mudando, seus quereres se transformavam.
Duas semanas antes do seu aniversário, Sara decidiu sair sozinha, algo que nunca tinha feito antes na vida. Sempre muito quieta e caseira, ela não saia muito. Mas a vontade e a força surgiram, ela queria experimentar sensações diferentes. Quando disse isso para sua amada amiga Marina, ela duvidou. Mas alguns minutos depois bastaram para que sua melhor amiga entendesse que a mudança estava mesmo aflorando dentro da intensa Sara. A empolgação surgiu e ela queria saber aonde a amiga iria. “Não sei. Acabei de me arrumar, vou pegar um taxi e sair por aí.”, ela disse e a Marina não entendeu. Aquela não era a amiga dela. “Apenas tenha cuidado, vá a algum lugar seguro.”, a amiga disse. Então Sara saiu e dentro do taxi imaginou que era uma loucura, poderia estar correndo um risco andando sozinha em qualquer lugar. Mas ela não queria desistir, o desejo de seguir o caminho (qual não sabia) era maior. Depois de o taxista perguntar pela terceira vez para onde ela queria que ele a levasse, ela respondeu “para um lugar tranquilo e bonito”.
Parecia o destino mesmo, ele sorriu e seguiu com o carro. Sara não sabia onde estava indo, mas a cada quilômetro percorrido ela sentia uma certeza enorme de estar fazendo a coisa certa. O carro parou. A preguiça, a correria e até a falta de interesse nunca levou a Sara aquele lugar. Ela pagou pela corrida e agradeceu diversas vezes ao taxista. A emoção tomou conta de seu coração. Seus olhos brilhavam, se enchiam de lágrimas. A noite fria de outono estava estrelada e aconchegante. O céu azul era palco de aquele florescer. O caminho a havia levado ao jardim botânico da sua cidade. Sara olhava tudo ao seu redor com um enorme sorriso. Tudo era tão bonito e delicado. “Por que eu perdi tanto tempo? Esse lugar... É como se fosse o meu lugar.”, ela pensava mil coisas enquanto admirava cada detalhe do jardim. E o tempo não foi suficiente pra ela naquele dia. Quase que foi expulsa. Mesmo assim saia feliz de lá, com o coração renovado, pronta para fazer mil coisas e já no desejo do retorno aquele lugar que a deixava tão bem. Ainda extasiada com aquela experiência, sentou num banco do lado de fora do jardim botânico e começou a observar o céu. Tudo parecia ainda mais lindo naquele dia. Minutos depois Sara conheceu mais um adubo, um adubo super positivo. Sara conheceu o amor. Alan a admirava por horas e finalmente sentiu que era o momento de conversar com ela. Ele estava encantado com o encanto de Sara. Alguns minutos conversando com ele bastaram para ela sentir que ali poderia surgir algo diferente. O seu desejo de mudança, o seu florir, trouxeram força para seguir conhecendo aquele estranho que em pouco tempo seria completamente familiar.
E no seu aniversário de 30 anos Sara disse o primeiro “sim” a um namoro. Parecia loucura, mas não era. A mágica do tempo surgiu. Ela estava florescendo, estava se permitindo sentir e viver. Ainda naquela noite, tomada por uma emoção contagiante, Sara expôs com fervor os seus sentimentos. Foram incontáveis “eu te amo”. Sua família e amigas estranharam, mas se contagiaram daquela explosão se amor. Claro que depois não foi sempre assim. O dia do seu aniversário foi com certeza um momento único. Ela ainda sentia vergonha de expor demais o que sentia, mas estava se esforçando. As pessoas começavam a conhecer a extrema força do coração da Sara. Ela levou um tempo pra florescer e há quem diga que continua florescendo. Belas flores florescem a vida inteira. E hoje a Sara floresce com a maturidade do tempo, do seu tempo. Voltando a pergunta, quem conhece o coração da Sara? Os seus amados conhecem, porque um coração que ama e é amado sabe reconhecer o outro.