Dia favorável para
encontrar o amor
Olívia
é a pessoa mais otimista e romântica que você pode esbarrar por aí. Ela tem
levado a vida sempre com leveza e acreditando que coisas maravilhosas podem
acontecer para quem acredita. Olívia também fica triste, briga com as pessoas
(principalmente com sua vizinha que não para de cuidar de sua vida) e passa por
momentos ruins. Mas ao final do dia ela repete para si mesma que não vai
carregar a carga do dia para o dia seguinte. “Nada para o dia seguinte.”, ela
repete inúmeras vezes. E isso não acontece somente com as coisas ruins, com as
boas também... Olívia é decidida. Talvez mais teimosa do que decidida. Quando
cisma com uma coisa não sossega até resolver aquilo, ou pelo menos tenta.
Porque “tentar” é o verbo número um da sua lista de ações. Seu jeito extremamente
otimista acaba dando a ela uma aparência de louca. E ela se importa com isso?
Nem um pouco. As pessoas estão enganadas? Também não importa, a Olívia não se
importa com essas besteiras de julgar as aparências. Ela vai continuar
acreditando que ser otimista vale mais a pena e que gastar o tempo avaliando o
outro e a forma com ela leva a vida não faz sentido. Por isso ela continua
vivendo... Leve e intensamente.
Por
mais que ela tente, às vezes fica complicado não carregar o dia anterior para o
dia seguinte. E quando isso acontece, ela costuma passar um dia bem atípico,
com a expressão séria e carregada. As pessoas continuam a achando louca e ela
continua não se importando. Mas se a vizinha fala alguma coisa... Aquela mal
humorada do apartamento ao lado vai escutar muito mais do que falou. Olívia não
entende por que aquela mulher não gosta dela. Uma vez pensou até em se mudar,
estava bastante chateada. Queria viver sua vida como sempre e não se chatear
com alguém inexplicável. Por isso, na noite anterior ao dia de hoje, resolveu
que nunca mais iria trocar uma palavra com ela, que iria fingir que ela não
existia. Ignorar seria seu segundo verbo de ação. E assim ela poderia tentar
ficar tranquila. Mas sabemos que essa ideia não veio do nada. Olívia descobriu
o poder desse verbo recentemente. No seu trabalho existe um homem bem
interessante aos olhos daquela romântica otimista. Algo surgia entre eles, ela
se via meio apaixonada. Mas aquele homem “era louco”, ela dizia. O que parecia
ter futuro desmoronou. Olívia se via presa em seus olhos, na sua voz
atraente... Mas ele não é um bom ser humano de verdade. Não era recíproco. Ele
a ignorava com tanta frequência, que a pequena otimista começava a duvidar do
poder de uma mente positiva. Ela começou a se perder depois que conheceu o
verbo “ignorar”. Dormiu triste, se sentindo perdida e fora de si mesma.
Acordou
estranha, com um desejo arrebatador de reencontrar a verdadeira Olívia, aquela
de sempre, romântica, otimista e feliz. Ela queria isso com tanta força e
intensidade, que apesar da carga do dia anterior que ainda a perseguia,
conseguiu reunir uma animação incrível para ir atrás da sua essência. E depois
que percebeu que ainda havia força para levantar, ela se sentiu muito sortuda.
“Meu dia de sorte.”, disse em voz alta enquanto tomava banho. Começou a
cantarolar, dançar... Parecia se renovando. E de repente se deu conta de que o
Senhor Ignorante não era assim tão importante, ele nunca foi o amor da sua
vida. “Hoje vou encontrar o amor da minha vida.”, ela falou numa voz ainda mais
alta. Quem a visse naquele momento, falando aquilo com tanta convicção, a
acharia ainda mais louca. Olívia estava mesmo decidida a sair de casa e seguir
um roteiro favorável para esbarrar com o amor da sua vida. Ninguém precisaria
falar que ela estava louca, ela mesma disse isso para si mesmo. Mas a loucura a
deixava bem e feliz. Então estava certo, e ela seguiu o seu rumo, depois de
tomar um café da manhã caprichado e delicioso (ela via na comida um prazer
incrível, tanto no preparo quanto no consumo).
O
dia era mesmo muito favorável para fazer aquela loucura. Sol na medida certa,
não esquentava demais, mas deixava o dia iluminado e com um brilho apaixonante
aos olhos dos românticos. Olívia pensou que a corrida rotineira deveria ser
feita num lugar diferente. Já eram muitos anos correndo no mesmo lugar, que ela
não acreditava que o amor poderia estar lá. Mas uma mudança de lugar poderia
mesmo fazer muito sentido. “Logo o dia que eu decidir vir aqui te encontrei.”,
ela simulou um pensando. Riu de si mesma e começou a percorrer o trajeto
correndo ao som de uma trilha apaixonada. Ela também pensou nisso, porque seria
bom ter uma música para chamar de sua. Três quilômetros depois ela sentou num
banco e balançou a cabeça inconformada. Ela não esbarrou com ninguém. O mundo
parecia vazio. Mas isso não a desanimou. Um quilômetro depois ela finalmente vê
alguém. “Não tem muito a cara do amor da minha vida. E amor tem cara?”, ela
começou a pensar. Diversos pensamentos acerca da aparência do amor prenderam a
sua atenção que ela acabou se desligando do seu entorno. Aquele alguém sumiu.
“Como fui deixar isso acontecer?”, disse chateada. “Aconteceu porque não era o
amor da minha vida.”, concluiu.
Tomou
o caminho de volta pra casa e dessa vez fez questão de ficar mais atenta.
Conheceu casais que estava há anos juntos, conheceu casais que acabaram de se
conhecer. Ela nunca tinha se deparado com tantos casais num dia só. Parecia
algum tipo de sinal. Para algumas pessoas poderia ser um sinal negativo, já
para ela era super positivo. Ela acreditava que aquilo não era atoa, era como
se a vida estivesse falando pra ela continuar a missão, porque existem vários
amores, inclusive um amor pra ela. De repente o mundo pareceu grande e cheio.
Cheio de possibilidades e pessoas. Em casa tomou mais um banho e decidiu que
não iria fazer almoço, como sempre fazia aos sábados. Iria almoçar fora. “Um
restaurante parece um bom ambiente para encontrar o amor.”, pensou. E seriam
dois prazeres unidos, ela imaginava. Alguns dos casais que ela já esbarrou se
conheceu em ambientes envolvendo comida. “A vida sabe que eu gosto de comer,
pode estar preparando esse encontro pra mim.”, disse enquanto saia novamente de
casa. Também imaginou, várias vezes, durante as diversas paradas que fez nos
semáforos, que seria um bom lugar para encontrar o amor da sua vida.
Imaginou-se cantarolando uma música animada enquanto estava parada e de repente
olhava para o lado e via alguém que despertava a sua atenção. Ela olhou mesmo
para o lado, sem cantar, e ninguém mais deixava os vidros abertos. Olívia não
conseguia enxergar ninguém pelo vidro. “Desse jeito ninguém vai me notar.”,
disse brava. Uma vez pensou ter ouvido uma buzina. “Poderia ser pra mim.”,
finalizou.
Chegou
ao restaurante com uma sensação estranha e confusa. Poderia ser uma premonição?
Sim, ela imaginou que fosse. Mais tarde descobriu que era uma sensação de tempo
perdido. Ela passou o trajeto inteiro imaginando coisas, mas não fez o que mais
gostava de fazer ao volante, que era cantar. Estava decidida que no trajeto de
volta não iria procurar o amor no trânsito. “Ninguém presta a atenção mesmo.
Todo mundo tem tanta pressa, não abre os vidros...”, avaliou. Ela iria fazer o
que costumava fazer, o que a deixava feliz e animada. O almoço foi maravilhoso,
mas exagerou na quantidade. Sentia-se pesada, parecia que iria explodir. E nada
de amor no restaurante. Pelo menos aquela saída não foi em vão. Ela aproveitou
bastante a comida e o ambiente, que tinha até música ao vivo. Algumas vezes se
viu trocando olhares com uns rapazes que estavam sozinhos no restaurante. Não
sentiu nada de especial, se sentiu meio boba, na verdade. Acabou rindo da
situação e por um segundo pensou que aquilo era uma loucura exagerada. Um
segundo mais tarde confirmou que era uma loucura, mas que também não podia
desistir. Apesar de qualquer coisa, a tentativa a fazia bem. Não sabia se ia
dar certo, não tinha certeza. Mas sabia que uma hora ou outra uma coisa boa
aconteceria.
Lembrou
de casais que se conheceram em parques, praças... Limpou a mente e fez o
trajeto de carro cantando suas músicas preferidas. Chegou ao centro da sua
cidade, e se sentou num banco bem no meio daquela praça enorme. Estava cercada
por inúmeras pessoas. Mal dava conta de acompanhar todo aquele movimento.
Passou mais de uma hora se divertindo com o intenso fluxo de pessoas e se
esqueceu um pouco de sua missão. “Ah!”, lamentou em voz alta quando se deu
conta. Começou a rir intensamente. Foi um momento de esquecimento não tão ruim.
Ela via beleza naquelas faces vermelhas apressadas, no acelerar da respiração,
nas vozes que se misturavam em meio à multidão... Ela via beleza no simples
trajeto daquela mãe cuidadosa, que levava um lenço sujo se sorvete de chocolate
até o lixo. Poder sorrir com coisas cotidianas às vezes era melhor do que ficar
gastando a mente com a procura. “O amor vai chegar, o dia é de sorte e eu só
preciso facilitar, não forçar.”, pensou e continuou admirando o seu entorno.
Então percebeu que apenas estar em condições e lugares favoráveis já dava
abertura para o amor. “Eu estou aberta, eu estou pronta pra você.”, disse em
pensamento. Ela não perderia mais as diversas belezas para uma ficção única. Já
estava escurecendo quando ela saiu daquela praça. Viu sim pessoas
interessantes, mas nada do amor. “Eu não estou olhando direito?”, se
questionou, mas não ficou chateada como quando terminou a corrida ou saiu do
restaurante.
A
Olívia de sempre estava viva e presente naquele ser humano cansado do dia. Um
ser humano que chegava a na porta do prédio onde morava com um sorriso no
rosto. O dia ainda não tinha acabado. A noite era imensa e o amor ainda poderia
chegar. Ela só precisava pensar num lugar. Antes que mais ideias surgissem, ela
encontrou a vizinha mal humorada. Ia seguir o plano e ignorá-la. Mas a
expressão triste dela chamou sua atenção. Algo a cutucou e a estimulou ir até
ela. A vizinha estranhou aquilo, mas não parecia querer discutir. “Eu sei que
nós brigamos algumas vezes...”, Olívia começou a falar, mas um pensamento bem
claro passou em sua mente. Ela sorriu. “Desculpa, Andrea. Nós brigamos algumas
vezes, mas acabei de lembrar que sempre brigamos por besteiras. Mal dou conta
de lembrar os motivos. Isso só pode querer dizer que somos idiotas. A sua
expressão diferente hoje me chamou a atenção e fiquei mesmo com vontade de
saber o motivo da sua tristeza. Não quero saber porque quero ficar feliz com
isso, mas sim porque me importo. Independente de qualquer coisa, você faz parte
da minha rotina. É minha vizinha. Moramos há tanto tempo uma do lado da outra.
Porque continuar brigando sem motivos?”, Olívia falou e a Andrea sorria.
Parecia também se dar conta dos longos meses perdidos para as idiotices das
duas. “Podemos nos conhecer de verdade? Pelo menos teremos motivos reais para
brigar.”, ela sugeriu. “Ou não teremos motivos. Também não sei o que nos
motivava, Olívia, mas sinceramente não preciso saber. A vida é tão curta e tão
longa. Podemos nos conhecer sim. E acho que já começo a gostar de você. O dia
tem sido tão ruim... Você era a última pessoa que eu imaginava levantando a
minha animação.”, Andrea falou.
E
nesse dia a otimista Olívia cumpriu a sua missão. Não a de ignorar a vizinha
mal humorada, mas a de encontrar o amor. A Andrea não era o amor da sua vida.
Mas descobriu nela uma pessoa muito agradável. Passaram horas rindo e se
conhecendo de verdade. Tanto tempo morando tão perto e tanto tempo tão
distantes. O melhor para aquela amizade que começava era esquecer um passado
inexplicável e sem sentido. O melhor pra qualquer relação sempre foi esquecer
uma coisa que não contribuía positivamente para a sua vida, assim a Olívia
imaginava. E aquela garota otimista e romântica estava completamente de volta.
“Ignorar” não seria mais o seu segundo verbo. Nada que uma boa conversa... E
ela sabia que o Senhor Ignorante também descobriria isso em breve. Sua próxima
missão envolvia ser clara com seus sentimentos e pensamentos, envolvia ser
sincera com quem a tinha feito pouco bem. O dia de sorte, afinal, poderia ser
estendido. E encontrar o amor poderia ser uma missão diária. Encontrar os
amores. Mas para uma romântica incorrigível, “aquele” amor também seria o mais
aguardado. “Vamos facilitar para os amores.”, Olívia pensou ao final do dia. Olívia
vai continuar sendo otimista demais, feliz e louca aos olhares externos. Olívia
vai continuar se importando apenas com quem se importa. “Um pouquinho de
loucura consciente não faz mal, né?! Ser feliz vale a pena.”, ela escreveu numa
mensagem enviada para a vizinha e mais nova pretendente a amiga.
Poucos
segundos restavam para aquele dia terminar. Segundos separavam a mente agitada
da Olívia do descanso. Ela estava quase apagada de sono quando a campainha
tocou. Seu coração deu um pulo de susto e ela saltou da cama junto com um
xingamento bem feio. Era tarde demais para uma visita. Perguntou, com a voz
sonolenta, pelo interfone quem era. Perguntou uma segunda vez, não estava
entendendo nada. “Sou seu novo vizinho. Perdi a chave.”, a voz disse e ela
destrancou o portão e foi se deitar. Minutos depois batem na porta. E mais uma
vez ela se assustou e saiu dando passos pesados pelo apartamento. Abriu a porta
e seu coração deu um pulo ainda maior. O sorriso sempre encantador da pequena
otimista apareceu e ela se deu conta de algumas coisas. Era o tal do novo
vizinho. Ele fez questão de agradecer e se justificar. Perdeu a chave do portão
em meio à bagunça da mudança. Como a Olívia não sabia de um vizinho novo?
Enfim, acontece... Coisas acontecem uma hora outra, alguém costuma dizer.
Aquela intensa troca de olhares trouxe a certeza de que aquele “dia favorável”
não tinha acabado.
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