sábado, 9 de fevereiro de 2019


Dia favorável para encontrar o amor
           
Olívia é a pessoa mais otimista e romântica que você pode esbarrar por aí. Ela tem levado a vida sempre com leveza e acreditando que coisas maravilhosas podem acontecer para quem acredita. Olívia também fica triste, briga com as pessoas (principalmente com sua vizinha que não para de cuidar de sua vida) e passa por momentos ruins. Mas ao final do dia ela repete para si mesma que não vai carregar a carga do dia para o dia seguinte. “Nada para o dia seguinte.”, ela repete inúmeras vezes. E isso não acontece somente com as coisas ruins, com as boas também... Olívia é decidida. Talvez mais teimosa do que decidida. Quando cisma com uma coisa não sossega até resolver aquilo, ou pelo menos tenta. Porque “tentar” é o verbo número um da sua lista de ações. Seu jeito extremamente otimista acaba dando a ela uma aparência de louca. E ela se importa com isso? Nem um pouco. As pessoas estão enganadas? Também não importa, a Olívia não se importa com essas besteiras de julgar as aparências. Ela vai continuar acreditando que ser otimista vale mais a pena e que gastar o tempo avaliando o outro e a forma com ela leva a vida não faz sentido. Por isso ela continua vivendo... Leve e intensamente.
Por mais que ela tente, às vezes fica complicado não carregar o dia anterior para o dia seguinte. E quando isso acontece, ela costuma passar um dia bem atípico, com a expressão séria e carregada. As pessoas continuam a achando louca e ela continua não se importando. Mas se a vizinha fala alguma coisa... Aquela mal humorada do apartamento ao lado vai escutar muito mais do que falou. Olívia não entende por que aquela mulher não gosta dela. Uma vez pensou até em se mudar, estava bastante chateada. Queria viver sua vida como sempre e não se chatear com alguém inexplicável. Por isso, na noite anterior ao dia de hoje, resolveu que nunca mais iria trocar uma palavra com ela, que iria fingir que ela não existia. Ignorar seria seu segundo verbo de ação. E assim ela poderia tentar ficar tranquila. Mas sabemos que essa ideia não veio do nada. Olívia descobriu o poder desse verbo recentemente. No seu trabalho existe um homem bem interessante aos olhos daquela romântica otimista. Algo surgia entre eles, ela se via meio apaixonada. Mas aquele homem “era louco”, ela dizia. O que parecia ter futuro desmoronou. Olívia se via presa em seus olhos, na sua voz atraente... Mas ele não é um bom ser humano de verdade. Não era recíproco. Ele a ignorava com tanta frequência, que a pequena otimista começava a duvidar do poder de uma mente positiva. Ela começou a se perder depois que conheceu o verbo “ignorar”. Dormiu triste, se sentindo perdida e fora de si mesma.
Acordou estranha, com um desejo arrebatador de reencontrar a verdadeira Olívia, aquela de sempre, romântica, otimista e feliz. Ela queria isso com tanta força e intensidade, que apesar da carga do dia anterior que ainda a perseguia, conseguiu reunir uma animação incrível para ir atrás da sua essência. E depois que percebeu que ainda havia força para levantar, ela se sentiu muito sortuda. “Meu dia de sorte.”, disse em voz alta enquanto tomava banho. Começou a cantarolar, dançar... Parecia se renovando. E de repente se deu conta de que o Senhor Ignorante não era assim tão importante, ele nunca foi o amor da sua vida. “Hoje vou encontrar o amor da minha vida.”, ela falou numa voz ainda mais alta. Quem a visse naquele momento, falando aquilo com tanta convicção, a acharia ainda mais louca. Olívia estava mesmo decidida a sair de casa e seguir um roteiro favorável para esbarrar com o amor da sua vida. Ninguém precisaria falar que ela estava louca, ela mesma disse isso para si mesmo. Mas a loucura a deixava bem e feliz. Então estava certo, e ela seguiu o seu rumo, depois de tomar um café da manhã caprichado e delicioso (ela via na comida um prazer incrível, tanto no preparo quanto no consumo).
O dia era mesmo muito favorável para fazer aquela loucura. Sol na medida certa, não esquentava demais, mas deixava o dia iluminado e com um brilho apaixonante aos olhos dos românticos. Olívia pensou que a corrida rotineira deveria ser feita num lugar diferente. Já eram muitos anos correndo no mesmo lugar, que ela não acreditava que o amor poderia estar lá. Mas uma mudança de lugar poderia mesmo fazer muito sentido. “Logo o dia que eu decidir vir aqui te encontrei.”, ela simulou um pensando. Riu de si mesma e começou a percorrer o trajeto correndo ao som de uma trilha apaixonada. Ela também pensou nisso, porque seria bom ter uma música para chamar de sua. Três quilômetros depois ela sentou num banco e balançou a cabeça inconformada. Ela não esbarrou com ninguém. O mundo parecia vazio. Mas isso não a desanimou. Um quilômetro depois ela finalmente vê alguém. “Não tem muito a cara do amor da minha vida. E amor tem cara?”, ela começou a pensar. Diversos pensamentos acerca da aparência do amor prenderam a sua atenção que ela acabou se desligando do seu entorno. Aquele alguém sumiu. “Como fui deixar isso acontecer?”, disse chateada. “Aconteceu porque não era o amor da minha vida.”, concluiu.
Tomou o caminho de volta pra casa e dessa vez fez questão de ficar mais atenta. Conheceu casais que estava há anos juntos, conheceu casais que acabaram de se conhecer. Ela nunca tinha se deparado com tantos casais num dia só. Parecia algum tipo de sinal. Para algumas pessoas poderia ser um sinal negativo, já para ela era super positivo. Ela acreditava que aquilo não era atoa, era como se a vida estivesse falando pra ela continuar a missão, porque existem vários amores, inclusive um amor pra ela. De repente o mundo pareceu grande e cheio. Cheio de possibilidades e pessoas. Em casa tomou mais um banho e decidiu que não iria fazer almoço, como sempre fazia aos sábados. Iria almoçar fora. “Um restaurante parece um bom ambiente para encontrar o amor.”, pensou. E seriam dois prazeres unidos, ela imaginava. Alguns dos casais que ela já esbarrou se conheceu em ambientes envolvendo comida. “A vida sabe que eu gosto de comer, pode estar preparando esse encontro pra mim.”, disse enquanto saia novamente de casa. Também imaginou, várias vezes, durante as diversas paradas que fez nos semáforos, que seria um bom lugar para encontrar o amor da sua vida. Imaginou-se cantarolando uma música animada enquanto estava parada e de repente olhava para o lado e via alguém que despertava a sua atenção. Ela olhou mesmo para o lado, sem cantar, e ninguém mais deixava os vidros abertos. Olívia não conseguia enxergar ninguém pelo vidro. “Desse jeito ninguém vai me notar.”, disse brava. Uma vez pensou ter ouvido uma buzina. “Poderia ser pra mim.”, finalizou.
Chegou ao restaurante com uma sensação estranha e confusa. Poderia ser uma premonição? Sim, ela imaginou que fosse. Mais tarde descobriu que era uma sensação de tempo perdido. Ela passou o trajeto inteiro imaginando coisas, mas não fez o que mais gostava de fazer ao volante, que era cantar. Estava decidida que no trajeto de volta não iria procurar o amor no trânsito. “Ninguém presta a atenção mesmo. Todo mundo tem tanta pressa, não abre os vidros...”, avaliou. Ela iria fazer o que costumava fazer, o que a deixava feliz e animada. O almoço foi maravilhoso, mas exagerou na quantidade. Sentia-se pesada, parecia que iria explodir. E nada de amor no restaurante. Pelo menos aquela saída não foi em vão. Ela aproveitou bastante a comida e o ambiente, que tinha até música ao vivo. Algumas vezes se viu trocando olhares com uns rapazes que estavam sozinhos no restaurante. Não sentiu nada de especial, se sentiu meio boba, na verdade. Acabou rindo da situação e por um segundo pensou que aquilo era uma loucura exagerada. Um segundo mais tarde confirmou que era uma loucura, mas que também não podia desistir. Apesar de qualquer coisa, a tentativa a fazia bem. Não sabia se ia dar certo, não tinha certeza. Mas sabia que uma hora ou outra uma coisa boa aconteceria.
Lembrou de casais que se conheceram em parques, praças... Limpou a mente e fez o trajeto de carro cantando suas músicas preferidas. Chegou ao centro da sua cidade, e se sentou num banco bem no meio daquela praça enorme. Estava cercada por inúmeras pessoas. Mal dava conta de acompanhar todo aquele movimento. Passou mais de uma hora se divertindo com o intenso fluxo de pessoas e se esqueceu um pouco de sua missão. “Ah!”, lamentou em voz alta quando se deu conta. Começou a rir intensamente. Foi um momento de esquecimento não tão ruim. Ela via beleza naquelas faces vermelhas apressadas, no acelerar da respiração, nas vozes que se misturavam em meio à multidão... Ela via beleza no simples trajeto daquela mãe cuidadosa, que levava um lenço sujo se sorvete de chocolate até o lixo. Poder sorrir com coisas cotidianas às vezes era melhor do que ficar gastando a mente com a procura. “O amor vai chegar, o dia é de sorte e eu só preciso facilitar, não forçar.”, pensou e continuou admirando o seu entorno. Então percebeu que apenas estar em condições e lugares favoráveis já dava abertura para o amor. “Eu estou aberta, eu estou pronta pra você.”, disse em pensamento. Ela não perderia mais as diversas belezas para uma ficção única. Já estava escurecendo quando ela saiu daquela praça. Viu sim pessoas interessantes, mas nada do amor. “Eu não estou olhando direito?”, se questionou, mas não ficou chateada como quando terminou a corrida ou saiu do restaurante.
A Olívia de sempre estava viva e presente naquele ser humano cansado do dia. Um ser humano que chegava a na porta do prédio onde morava com um sorriso no rosto. O dia ainda não tinha acabado. A noite era imensa e o amor ainda poderia chegar. Ela só precisava pensar num lugar. Antes que mais ideias surgissem, ela encontrou a vizinha mal humorada. Ia seguir o plano e ignorá-la. Mas a expressão triste dela chamou sua atenção. Algo a cutucou e a estimulou ir até ela. A vizinha estranhou aquilo, mas não parecia querer discutir. “Eu sei que nós brigamos algumas vezes...”, Olívia começou a falar, mas um pensamento bem claro passou em sua mente. Ela sorriu. “Desculpa, Andrea. Nós brigamos algumas vezes, mas acabei de lembrar que sempre brigamos por besteiras. Mal dou conta de lembrar os motivos. Isso só pode querer dizer que somos idiotas. A sua expressão diferente hoje me chamou a atenção e fiquei mesmo com vontade de saber o motivo da sua tristeza. Não quero saber porque quero ficar feliz com isso, mas sim porque me importo. Independente de qualquer coisa, você faz parte da minha rotina. É minha vizinha. Moramos há tanto tempo uma do lado da outra. Porque continuar brigando sem motivos?”, Olívia falou e a Andrea sorria. Parecia também se dar conta dos longos meses perdidos para as idiotices das duas. “Podemos nos conhecer de verdade? Pelo menos teremos motivos reais para brigar.”, ela sugeriu. “Ou não teremos motivos. Também não sei o que nos motivava, Olívia, mas sinceramente não preciso saber. A vida é tão curta e tão longa. Podemos nos conhecer sim. E acho que já começo a gostar de você. O dia tem sido tão ruim... Você era a última pessoa que eu imaginava levantando a minha animação.”, Andrea falou.
E nesse dia a otimista Olívia cumpriu a sua missão. Não a de ignorar a vizinha mal humorada, mas a de encontrar o amor. A Andrea não era o amor da sua vida. Mas descobriu nela uma pessoa muito agradável. Passaram horas rindo e se conhecendo de verdade. Tanto tempo morando tão perto e tanto tempo tão distantes. O melhor para aquela amizade que começava era esquecer um passado inexplicável e sem sentido. O melhor pra qualquer relação sempre foi esquecer uma coisa que não contribuía positivamente para a sua vida, assim a Olívia imaginava. E aquela garota otimista e romântica estava completamente de volta. “Ignorar” não seria mais o seu segundo verbo. Nada que uma boa conversa... E ela sabia que o Senhor Ignorante também descobriria isso em breve. Sua próxima missão envolvia ser clara com seus sentimentos e pensamentos, envolvia ser sincera com quem a tinha feito pouco bem. O dia de sorte, afinal, poderia ser estendido. E encontrar o amor poderia ser uma missão diária. Encontrar os amores. Mas para uma romântica incorrigível, “aquele” amor também seria o mais aguardado. “Vamos facilitar para os amores.”, Olívia pensou ao final do dia. Olívia vai continuar sendo otimista demais, feliz e louca aos olhares externos. Olívia vai continuar se importando apenas com quem se importa. “Um pouquinho de loucura consciente não faz mal, né?! Ser feliz vale a pena.”, ela escreveu numa mensagem enviada para a vizinha e mais nova pretendente a amiga.
Poucos segundos restavam para aquele dia terminar. Segundos separavam a mente agitada da Olívia do descanso. Ela estava quase apagada de sono quando a campainha tocou. Seu coração deu um pulo de susto e ela saltou da cama junto com um xingamento bem feio. Era tarde demais para uma visita. Perguntou, com a voz sonolenta, pelo interfone quem era. Perguntou uma segunda vez, não estava entendendo nada. “Sou seu novo vizinho. Perdi a chave.”, a voz disse e ela destrancou o portão e foi se deitar. Minutos depois batem na porta. E mais uma vez ela se assustou e saiu dando passos pesados pelo apartamento. Abriu a porta e seu coração deu um pulo ainda maior. O sorriso sempre encantador da pequena otimista apareceu e ela se deu conta de algumas coisas. Era o tal do novo vizinho. Ele fez questão de agradecer e se justificar. Perdeu a chave do portão em meio à bagunça da mudança. Como a Olívia não sabia de um vizinho novo? Enfim, acontece... Coisas acontecem uma hora outra, alguém costuma dizer. Aquela intensa troca de olhares trouxe a certeza de que aquele “dia favorável” não tinha acabado.