quinta-feira, 18 de outubro de 2018


Florescer

            
           Não são apenas as belas flores que podem florescer, reflorescer e encantar o mundo com todo o seu potencial. Somos seres mutáveis também, com uma enorme capacidade de crescer e recomeçar. No entanto, como as flores nós dependemos de alguns fatores, muitas vezes externos. Mesmo assim não podemos esquecer o que para nós é mais importante, nós mesmos. Externo e interno trabalham juntos e formam a força necessária para nos fazer seguir e encantar o que vier. Pois bem, uma pequena flor chamada Sara nasceu num ambiente tranquilo. Ela teve todas as condições favoráveis em seus primeiros anos de crescimento. Mas claro que se perguntasse à pequena Sara se ela estava contente com aquilo que tinha, ela não daria uma resposta super positiva. Não podemos julgá-la. Cada um tem uma visão de vida, cada um sabe aquilo que sente e vive. E ainda, a maturidade não é algo muito simples a ser alcançado. Seus pais eram casados e sempre fizeram o melhor que podiam, tentando manter o relacionamento firme e estável aos olhos da pequena filha. Eles eram amorosos a sua maneira. Anos iam se passando, Sara conhecia o mundo aos poucos.
Tímida, fechada para as grandes emoções, nunca soube se expressar com firmeza. Mas em seu coração guardava todos os sentimentos do mundo. Sempre atenta e observadora, escrevia em seu diário tudo aquilo que sua boca não era capaz de dizer. Amava os pais e a melhor amiga, Marina, mas algo a prendia, não se sentia a vontade para dizer em voz alta o quanto esse amor era grande. Ela queria dizer, queria muito, com todo o seu coração e sua mente agitada, mas não conseguia. E não entendia o motivo. O mesmo acontecia com os garotos. A verdade é que por muito tempo ela sabia que não havia amado nenhum, mas gostou bastante de dois garotos que conheceu em momentos distintos de sua vida. O primeiro conheceu no ensino fundamental. Escola e experiências novas. Sara estava muito feliz, mesmo tímida conseguiu se aproximar de uma garota e fez mais uma amiga, a Lívia. Ao contrário da Marina, que sempre esteve próxima fisicamente a Sara (elas são amigas desde pequenas e moram bem perto), com a Lívia foi diferente, mas elas sempre fizeram muito esforço para manter a amizade. Ainda hoje elas se encontram pelo menos duas vezes por ano para matar a saudade.
Então, escola nova... Poucos dias depois daquele intenso primeiro dia a Sara conhece o seu primeiro interesse amoroso. Adolescente de 14 anos, apaixonada por romances, ela encontra o Felipe, garoto extrovertido e muito simpático. Acabam se aproximando através da nova amiga e criam um laço bem interessante. (Primeiro beijo da Sara.) Mas a vida acontece, nenhum dos dois sabia o que queria, acabaram se perdendo entre idas e vindas por cerca de três anos (não era um namoro). Depois disso a Sara conheceu outros garotos interessantes, deu uns beijos, mas ninguém prendia a sua atenção. Todas as suas primas da sua idade já haviam namorado pelo menos uma vez e ela não. Mas enganam-se quem pensa que isso a incomodava, ela nunca se pressionou, não sentia vontade de forçar nada. Claro que o incomodo surgia das palavras do entorno. Tirando isso, ela estava tranquila. A sua preocupação era não conseguir se envolver emocionalmente, o namoro seria apenas uma consequência. E essa preocupação ia além, envolvia também a família e as amigas, que naquele momento (inicio da faculdade), eram apenas duas. Ela estava satisfeita com as pessoas que tinha em sua vida, mas queria se ligar com mais emoção, queria dizer “eu te amo”.
Segundo período da faculdade de psicologia faz a sua terceira verdadeira amizade com a Camila. Novamente se aproxima de um garoto por meio de uma amiga. Mais tarde ela ficou pensando nisso e deu boas risadas. “Nunca fui capaz de conhecer ninguém sozinha.”, ela pensou. Nessa época ela também não se pressionava para paquerar e conhecer as pessoas. A Sara era aquela pessoa que esperava acontecer, porque a timidez tomava conta de suas ações. Ela achava que poderia estar incomodando ou algo assim, mesmo suas amigas dizendo o contrário. Então, com a ajuda da Camila, ela estava saindo com o Vitor. Ele era amoroso e parecia gostar de verdade dela. Mais uma vez a vida aconteceu. Se a Sara tivesse se esforçado pelo menos um pouco para expor o que sentia (porque ela gostava demais do Vitor, era “quase amor”, ela dizia), poderia ter evoluído para um namoro, as pessoas ao redor diziam. Mas ela foi um pouco fria, não se deixou envolver e a relação esfria e mais uma vez se perdeu. Durante um tempo ela ficou chateada, se culpou imensamente, sentia um pouco de arrependimento. Mas a sua parte extremamente romântica lhe dizia que não era seu destino ficar com ele, não era amor de verdade.
E mais uma vez as pessoas se enganavam, ela não estava esperando um romance daqueles de livro, não queria um príncipe. Ela só esperava alguém capaz de fazê-la amar. Ela queria se sentia completamente envolvida, não queria uma felicidade pela metade, queria sentir saudades, ciúmes (na medida certa), confiança... Queria saber dizer “eu te amo”. “Eu não me esforcei, eu poderia amá-lo.”, um ano depois ela pensou. E ficou nessa, uma pitada de arrependimento e muitos “poderia” entrando em choque com aquele pensamento forte sobre “não era o meu destino, não era pra ser”. Muitas pessoas não a entendiam, talvez nem ela se entendesse às vezes. Mas ela acreditava que o tempo era único pra cada pessoa e pra cada situação. A vida acontece de forma distinta para cada pessoa, tudo no seu tempo, tudo a sua maneira. Sem pressão, sem forçar. E assim acontece com o olhar sobre a vida, cada com sua verdade e suas lutas. Cada um com o seu tempo para florescer ou reflorescer. Hoje Sara sabe muito bem isso. Passou anos levando a sua vida amorosa com tranquilidade, nunca se forçou a um namoro para apenas atender a expectativa de outra pessoa. O que sempre pesou foram os comentários maldosos. As pessoas diziam que ela era muito exigente, que ninguém era bom o suficiente. Talvez fosse um pouco verdade isso. Mas era muito mais. Hoje ela assume que tinha medo de viver um relacionamento que não a deixasse completamente feliz e satisfeita. Mas também entendeu que a felicidade é complexa e que um bom e feliz relacionamento é fruto de uma construção de duas pessoas. E viver as tristezas faz parte e nos deixa mais fortes.
Prestes a completar 30 anos, faltando exatamente duas semanas para o seu tão aguardado aniversário, Sara sentiu algo diferente a cutucar no coração. Era um desejo de viver mais, de ultrapassar as fronteiras e seguir o seu caminho. Até aquele momento ela não estava preocupada, mas um comentário recente de sua madrinha a incomodou demais. Ela nunca tinha se deixado envolver por opiniões de pessoas que não sabiam o que se passava realmente em seu coração. Mas, afinal, quem conhecia o coração da Sara? Será que se conhecessem aquele imenso coração, repleto de lindos sentimentos, entenderiam que para a Sara o tempo era diferente, que ela sempre amou, mas que a sua forma de amar era complexa? Já disseram que ela não tinha coração, que era fria demais. O que te prendia Sara? Era apenas o medo de se expor e ficar vulnerável, o medo de perder a liberdade, o medo de não ser amada? Medo, medo, medo, uma palavra tão pequena, mas que tem um poder negativo enorme. Aquela sensação que estranhamente surgia no enorme coração da Sara era os primeiros momentos do seu florescer. O incomodo comentário de sua madrinha aparecia como adubo. Não era um adubo dos bons, ele poderia estragar a flor, mas a Sara recebeu aquele adubo com uma força tremenda que o negativo se transformou. Ela não deixou que o comentário a fizesse duvidar de si mesma e de suas escolhas ao longo dos anos. Ela entendeu que incomodava porque ela estava mudando, seus quereres se transformavam.
Duas semanas antes do seu aniversário, Sara decidiu sair sozinha, algo que nunca tinha feito antes na vida. Sempre muito quieta e caseira, ela não saia muito. Mas a vontade e a força surgiram, ela queria experimentar sensações diferentes. Quando disse isso para sua amada amiga Marina, ela duvidou. Mas alguns minutos depois bastaram para que sua melhor amiga entendesse que a mudança estava mesmo aflorando dentro da intensa Sara. A empolgação surgiu e ela queria saber aonde a amiga iria. “Não sei. Acabei de me arrumar, vou pegar um taxi e sair por aí.”, ela disse e a Marina não entendeu. Aquela não era a amiga dela. “Apenas tenha cuidado, vá a algum lugar seguro.”, a amiga disse. Então Sara saiu e dentro do taxi imaginou que era uma loucura, poderia estar correndo um risco andando sozinha em qualquer lugar. Mas ela não queria desistir, o desejo de seguir o caminho (qual não sabia) era maior. Depois de o taxista perguntar pela terceira vez para onde ela queria que ele a levasse, ela respondeu “para um lugar tranquilo e bonito”.
Parecia o destino mesmo, ele sorriu e seguiu com o carro. Sara não sabia onde estava indo, mas a cada quilômetro percorrido ela sentia uma certeza enorme de estar fazendo a coisa certa. O carro parou. A preguiça, a correria e até a falta de interesse nunca levou a Sara aquele lugar. Ela pagou pela corrida e agradeceu diversas vezes ao taxista. A emoção tomou conta de seu coração. Seus olhos brilhavam, se enchiam de lágrimas. A noite fria de outono estava estrelada e aconchegante. O céu azul era palco de aquele florescer. O caminho a havia levado ao jardim botânico da sua cidade. Sara olhava tudo ao seu redor com um enorme sorriso. Tudo era tão bonito e delicado. “Por que eu perdi tanto tempo? Esse lugar... É como se fosse o meu lugar.”, ela pensava mil coisas enquanto admirava cada detalhe do jardim. E o tempo não foi suficiente pra ela naquele dia. Quase que foi expulsa. Mesmo assim saia feliz de lá, com o coração renovado, pronta para fazer mil coisas e já no desejo do retorno aquele lugar que a deixava tão bem. Ainda extasiada com aquela experiência, sentou num banco do lado de fora do jardim botânico e começou a observar o céu. Tudo parecia ainda mais lindo naquele dia. Minutos depois Sara conheceu mais um adubo, um adubo super positivo. Sara conheceu o amor. Alan a admirava por horas e finalmente sentiu que era o momento de conversar com ela. Ele estava encantado com o encanto de Sara. Alguns minutos conversando com ele bastaram para ela sentir que ali poderia surgir algo diferente. O seu desejo de mudança, o seu florir, trouxeram força para seguir conhecendo aquele estranho que em pouco tempo seria completamente familiar.
E no seu aniversário de 30 anos Sara disse o primeiro “sim” a um namoro. Parecia loucura, mas não era. A mágica do tempo surgiu. Ela estava florescendo, estava se permitindo sentir e viver. Ainda naquela noite, tomada por uma emoção contagiante, Sara expôs com fervor os seus sentimentos. Foram incontáveis “eu te amo”. Sua família e amigas estranharam, mas se contagiaram daquela explosão se amor. Claro que depois não foi sempre assim. O dia do seu aniversário foi com certeza um momento único. Ela ainda sentia vergonha de expor demais o que sentia, mas estava se esforçando. As pessoas começavam a conhecer a extrema força do coração da Sara. Ela levou um tempo pra florescer e há quem diga que continua florescendo. Belas flores florescem a vida inteira. E hoje a Sara floresce com a maturidade do tempo, do seu tempo. Voltando a pergunta, quem conhece o coração da Sara? Os seus amados conhecem, porque um coração que ama e é amado sabe reconhecer o outro.